Artigo Original

DESVALORIZAÇÃO MONETÁRIA DA INDENIZAÇÃO PAGA POR MORTE EM VITIMAS DE ACIDENTE AUTOMOTORES TERRESTRE DESDE A PUBLICAÇÃO DA LEI 11.945 DE 2009

Como citar: Brandão GF, Teixeira LEM. Desvalorização Monetária da Indenização Paga por Morte em Vitimas de Acidente Automotores Terrestre desde d Publicação da Lei 11.945 de 2009. Persp Med Legal Perícia Med. 2017; 2(2)

https://dx.doi.org/10.47005/020204

Os autores informam não haver conflito de interesse.

MONETARY DEVALUATION OF THE IDEMNITY PAID FOR DEATH IN MOTOR VEHICLE ACCIDENTS SINCE THE ENACTMENT OF LAW #11.945 OF 2009

Gilberto Francisco Brandão (1)

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3033-4832

Luiz Eduardo Moreira Teixeira (2)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4292815159306821 – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1276-5679

(1) Sociedade Brasileira de Medicina Legal e Perícia Médica. São Paulo, SP. (Autor Principal)
(2) Faculdade de Medicina da UFMGE,. Belo Horizinte, MG. (Autor Principal)

RESUMO

O presente trabalho faz o cálculo da defasagem no valor pago a título indenizatório para vítimas fatais de acidentes automotivos desde entrada em vigor da Lei 11.495 de 2009 até os dias atuais, baseado na inflação oficial do período calculada pelo IPC-A e também no reajuste do prêmio do DPVAT para motocicletas neste período.

OBJETIVO: Calcular o percentual pelo qual deveriam ser reajustadas as indenizações por mortes em vitimas de acidente em vias terrestres, baseado na inflação do período e no reajuste do valor do prêmio pago por motocicleta.

METODOLOGIA: O valor da indenização foi realculado ano a ano, de 2009 – época da entrada em vigor da Lei 11.495 -, até o ano de 2016, utilizando o IPC-A do período e os percentuais de reajuste do prêmio, com calculadora IBM.

RESULTADOS: Através de cálculos matemáticos, a defasagem na indenização para mortes baseada na inflação do período foi de 65,16% e baseada no reajuste do prêmio para motocicleta foi de 12,73%.

CONCLUSÃO: Há necessidade de reajuste do valor pago a título de indenização, não para que ocorra acréscimo e sim para recompor o valor perdido devido à desvalorização monetária.

Palavras-chaves: defasagem, indenização, DPVAT, acidentes de trânsito.

ABSTRACT

The present paper presents the depreciation of the financial indemnity paid for fatal victims of motor vehicle accidents since the Law 11.495 was enacted until today. Depreciation was calculated according to official inflation rates as measured by the IPC-A index and to the readjustments of the DPVAT insurance premiums paid for motorcicles during the same period.

OBJECTIVES: To calculate the percentages by which financial indemnity for fatal motor vehicle accidents should be readjusted based on inflation and on motorcycle premium increases in the same period.

METHODS: Indemnity values were recalculated year after year from 2009, when Law 11.495 was enacted to 2016, using IPC-A index and premium readjustments for the same period, using an IBM calculator.

RESULTS: Using simple mathematical calculations, the depreciation of financial indemnity values paid for deaths by motor vehicle accident based on inflation is of 65.16%, and based on motorcycle premium readjustments is of 12.73%.

CONCLUSIONS: Indemnity values ought to be readjusted, not in order to be raised but to reset devaluation due to monetary depreciation.

Keywords: devaluation, idemnity, insurance, traffic accidents.

 

1. INTRODUÇÃO

Seguro é o “acerto contratual com a seguradora, para que ressarça qualquer dano estipulado pela apólice” (SCOTTINI, 2009). Segundo a Fenaseg: “seguros são uma operação que toma forma jurídica de um contrato, em que uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado ou beneficiário), mediante o recebimento de uma importância estipulada (prêmio), a compensá-la (indenização) por um prejuízo (sinistro), resultante de um evento futuro possível e incerto (risco) indicado no contrato”.

A atividade securitária é de significativa importância no cenário interno do País. Segundo a Federação Nacional das Empresas de Seguros e Capitalização (FENASEG), representa atualmente mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

O seguro de Danos Pessoais Causados por Veículo Automotores de Via Terrestre ou por sua Carga a Pessoas Transportadas ou Não (DPVAT) foi instituído pela Lei 6.194/74, sendo um seguro dito como social, e é usado para amparar as vitimas de acidentes com veículos de via terrestre em todo o território nacional. É um seguro de cunho obrigatório. Independente de culpa, as vítimas são indenizáveis pelas seqüelas anatômicas e/ou funcionais decorrentes do acidente. Desde implantação da Lei 11.495/2007, os valores das indenizações ainda não foram reajustados.

A inflação é altamente maléfica para a sociedade, pois aos poucos corrói os ganhos e torna mais difícil que o cidadão consiga arcar com as suas despesas rotineiras, e tratando-se de seguro indenizatório, como é o DPVAT, o não reajuste do valor pago a titulo indenizatório, desde entrada em vigor em 2009 da modificação da “Lei do DPVAT”, fez com que estes valores ficassem altamente defasados quando comparados com aqueles pagos em 2009.

Neste sentido, este trabalho visa verificar qual o valor real que deveria ser pago por morte de vítimas de acidentes com veículos automotores de via terrestre baseado na variação da inflação oficial do período (IPC-A) e no reajuste do prêmio DPVAT pago para motocicleta desde entrada em vigor da Lei 11.495/2009.

2. METODOLOGIA

Neste trabalho, os cálculos matemáticos descritivos dos percentuais de correção que deveriam ser aplicados à indenização foram realizados com calculadora com plataforma para cálculo científico de correção ano a ano (IBM ®, EUA). Posteriormente, foi calculado o percentual que deveria ser empregado caso esta indenização fosse reajustada pela inflação oficial do período, calculada pelo Índice de Preços ao Consumido Amplo (IPC-A), e se fosse reajustado de acordo com o percentual de correção do prêmio pago por motocicletas. Os valores foram descritos na moeda corrente nacional (R$).

2.1. Aspecto histórico do seguro do Seguro DPVAT

No Brasil, a modalidade de seguro obrigatório surgiu em 21 de novembro de 1966. Não obstante sua criação tenha sido anterior, somente com a edição do Decreto Nº 61.867 em 11 de dezembro de 1967, seguido da resolução do CNSP Nº 25/67, traçando as condições gerais, é que se deu a efetiva aplicação do seguro obrigatório para proprietários de veículos (MARTINS, 2009).

Em função disso, o seguro era denominado de Seguro de Responsabilidade Civil dos Proprietários de Automotores de Vias Terrestres (RECOVAT).  Porém, é importante ressaltar que o Art. 6º do Decreto Nº 61.867/67 previa que o seguro obrigatório cobriria, alem dos danos causados pelos veículos, também aqueles provocados por carga transportada em pessoas, transportada ou não, assim como bens não transportados.

Com intuito de dirimir a culpabilidade no acidente, o Poder executivo elaborou o Decreto-Lei 814, em 04 de novembro de 1969, que excluiu a cobertura de danos materiais, restringindo-a aos danos pessoais. Entretanto, a mais importante norma jurídica relacionada ao seguro DPVAT é a Lei Nº 6.194 de 19 de dezembro de 1974, que revogou o Decreto-Lei 814/69, deixando de tratá-lo como de responsabilidade civil para enquadrá-lo na modalidade que até hoje é utilizada, de seguro de danos pessoais, posicionamento seguido pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) em sua resolução Nº 1/75 (MARTINS, 2009).

Referente o valor da indenização, houve fixação em 40 (quarenta) salários mínimos em caso de morte e também de até 40 (quarenta) salários mínimos para o caso de invalidez permanente, enquanto o reembolso por Despesas de Assistência Médica e Suplementares (DAMS), devidamente comprovadas, foi fixado em até 08 (oito) salários mínimos.

Após aproximadamente 14 (quatorze) anos decorridos da Lei Nº 8441/92, houve a edição da Medida Provisória Nº 340, em 29 de dezembro de 2006, posteriormente convertida na Lei 11.482, de 31 de maio de 2007, que alterou significativamente os valores das indenizações, alegando graves problemas financeiros do Brasil. Determinando que, em caso de morte, a indenização seria de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos Reais) e de até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos Reais) para Despesas Assistências Médicas e Suplementares (DAMS).

Em 15 de dezembro de 2008, foi editada a Medida Provisória 451, convertida em Lei 11.945, de 04 de junho de 2009, cujo maior destaque foi a introdução de uma tabela (Tabela 1) que fraciona o corpo humano, para graduar o valor a ser pago por cada segmento corporal que apresenta alteração anatômica ou funcional (MARTINS, 2009).

2.2. Natureza jurídica do seguro DPVAT

A partir da edição da Lei 6.194/74, com efetiva transmutação da natureza e nomenclatura, o Seguro de Responsabilidade Civil dos Proprietários de Veículos Automotores de Vias Terrestre (RECOVAT) passou a ser denominado Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) e passou a fazer parte da classe de seguros de danos, e não como anteriormente, de responsabilidade civil, o que causava muita controvérsia em relação à culpa (MARTINS, 2009).

A partir da formação de um contrato, o seguro DPVAT assume a judicialidade, que possui características comuns àquele modelo contratual. Portanto, um contrato bilateral, oneroso e aleatório, uma vez que sua contratação decorre de imposição legal àqueles que possuem veículos automotores (AMORIM, 2011).

Somente as empresas que fazem parte do consorcio DPVAT, disciplinado pela resolução 154/2006 do CNSP e que substitui o convênio DPVAT (criado pela resolução CNSP 6/86), podem atuar nesta modalidade de seguro. Sua principal obrigação é pagar a indenização devida quando há ocorrência do evento do segurado, ou seja, acidente de trânsito do qual decorre morte, invalidez permanente e despesas médico hospitalares, sendo que seus valores ainda não foram reajustados desde a publicação da Lei 11.945 de 04 de junho de 2009, nem pela inflação do período e nem pelo índice de reajuste do prêmio a título de seguro obrigatório.

Com finalidade de assegurar a coercibilidade de contrato do seguro, o Art. 28 do decreto Nº 61.867/67 impunha que “nenhum veículo a que se refere o Art. 5ª desde decreto poderá ser licenciado, a partir de 1º de janeiro de 1968, sem que fique comprovada a efetivação do seguro ali previsto” (AMORIN, 2011).

Em outubro de 2007, foi criada a seguradora Líder dos Consórcios do seguro DPVAT, uma sociedade autônoma com sede na cidade do Rio de Janeiro e capital social subscrito por todas as seguradoras que atuam no campo do seguro DPVAT (MARTINS, 2009).

3. RESULTADOS

3.1. Cálculo do valor que deveria ser pago a título de indenização por morte

A inflação ou taxa de inflação é o aumento no nível de preços, ou seja, é a média de crescimento dos preços de um conjunto de bens e serviços em um determinado período. Isto faz com que o valor real da moeda seja desvalorizado, levando a uma diminuição do poder de compra. Quando o valor de uma indenização não é reajustado frente a um processo inflacionário, há perda real desta indenização. Em se tratando do seguro DPVAT, cujo valor da indenização não é corrigido há sete anos, este está corroído por processo inflacionário

Assim sendo, a inflação acumulada no período de 2009 a 2016 pelo IPC-A totalizou 65,16%, sendo que em 2009 a inflação foi de 4,31%, em 2010 foi de 5.90%, em 2011 foi de 6,50%, em 2012, 5,83%, em 2013, 5,91%, em 2014, 6,41%, em 2015, 10,67% e em 2016, 6,29%.

Com isto, se calculamos ano a ano de 2009 até 2016, o valor da indenização hoje, se corrigida pelo IPC-A para indenização por mortes, saltaria dos atuais R$13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), para R$22.282,09 (vinte e dois mil duzentos e oitenta e dois reais e nove centavos) (gráfico 1).

Gráfico 1 – Progressão em reais (R$) ano a ano caso o valor da indenização por morte fosse reajustada pela inflação oficial – IPC-A

Neste período, o valor do prêmio pago sofreu reajustes, porém este percentual de reajuste não foi utilizado para que o valor da indenização fosse reajustado também. O valor do prêmio não foi reajustado em 2009 e 2010, sofreu reajuste de 5,80% em 2011, de 1,90% em 2012 e de 4,56% em 2013 e não houve reajustes no valor do prêmio nos anos de 2014, 2015 e 2016. Com isto, o reajuste do prêmio acumulado no período foi de 12,73%. Aplicado à indenização por morte, este reajusta elevaria o valor dos atuais R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) para R$ 15.218,05 (quinze mil, duzentos e dezoito reais e cinco centavos) (gráfico 2).

Gráfico 2 – Progressão em reais (R$) ano a ano do valor da indenização por morte caso esta fosse reajustada pela taxa de correção do valor do prêmio pago por motocicleta

4. DISCUSSÃO

As idéias expostas no presente trabalho são apenas uma pequena contribuição ao tema, sem a pretensão de esgotá-lo.

A inflação é altamente maléfica para a sociedade, pois aos poucos corrói os ganhos e torna mais difícil que o cidadão consiga arcar com as suas despesas rotineiras. Em se tratando de seguro indenizatório, como é o DPVAT, o não reajuste do valor pago a titulo indenizatório desde entrada em vigor em 2009 da modificação da “Lei do DPVAT” fez com que estes valores ficassem altamente defasados quando comparados àqueles pagos em 2009.

O “pequeno ajuste” mencionado na exposição de motivos foi à edição da Lei, na verdade, uma redução do teto de indenização. Passou-se a discutir, então, se seria efetivamente uma lacuna legislativa ou um silêncio eloquente do legislador ou, até mesmo, uma inconstitucionalidade por omissão.

No seguro DPVAT, porém, após a edição da MP 340/06, criou-se uma situação sui generis em que o montante do teto da indenização permanece fixo, mas o valor do prêmio pode ser reajustado, aumentando-se, por conseguinte, a remuneração das seguradoras.

Tamanha é a perda de poder aquisitivo que, mesmo admitindo-se um silêncio eloqüente do legislador em 2007, seria possível cogitar de uma lacuna ontológica da Lei, que ocorre quando a norma existe, mas não é uma adequada aos fatos sociais, ocorrendo o ancilosamento da norma (Diniz, 2012).

No mais, as grandes concessões dos serviços públicos possuem mecanismos de atualização monetária de seus preços. Já o DPVAT, que é também uma concessão pública, não apresenta tal mecanismo.

A saber, a legislação do Plano Real (Lei 9.069/95), ao estatuir que “é nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano” estabelece o limite de um ano para os reajustes monetários, em outras palavras, o prazo de um ano é o limite do sacrifício imposto pela Lei em nome do combate a inflação.

O seguro DPVAT tem caráter obrigatório. É muito coerente que o poder público obrigue o proprietário de um veiculo automotor a fazer um seguro anual do mesmo, tendo em vista a grande exposição a riscos de acidentes que a cada dia mais se intensifica, porém é justo que o poder público também crie mecanismo para que o valor da indenização seja corrigido para evitar a perda devido à desvalorização da moeda.

Há vários juristas que acham que, por se tratar de uma relação de consumo, os órgãos representativos dos consumidores deveriam ingressar com ações coletivas contra o seguro DPVAT a fim que a correção monetária seja aplicada ao pagamento de todas as indenizações.

No entanto, com a edição da medida provisória do DPVAT, alterando os patamares e conseqüentes critérios de quantificação das indenizações, pode-se identificar, de forma cristalina, um desvirtuamento do inicialmente intentado quando da concepção do seguro obrigatório. Podem-se justificar tais asseverações pelo fato de serem os valores da lei insuficientes às reais necessidades das vitimas de sinistros.

Dissertando sobre o tema (BERNARDO, 2009), o seguro DPVAT seria como um seguro social, o que gera alguma consequência que não coaduna com o tradicional contrato de seguro. O sistema do seguro obrigatório tem por escopo garantir uma reparação mínima a toda e qualquer vitima de acidente de trânsito, entretanto, tem diversas limitações, sendo as principais o baixo valor e a exclusão dos danos não corporais, bem como dos morais.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, frente à apelação cível Nº 1.0024.08.007829-8/001, publica: “Ademais, é cediço qual a atualização monetária não amplia a divida, tão só obsta que se diminua em face da corrosão da moeda por força do fenômeno inflacionário. Já teve oportunidade de assentar a Suprema Corte que ela não remunera o capital, apenas assegura a sua identidade no tempo”.

A segunda seção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sugeriu que seja elaborado no Congresso Nacional projeto de Lei que atualize a tabela das indenizações pagas pelo seguro DPVAT e, de acordo com o relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a atualização da tabela não pode ser feita pelo STJ, pois o Supremo Tribunal Federal dá esta atribuição ao Poder Legislativo: “Cabe chamar a atenção para a iniqüidade que vem sendo praticada contra as vítimas de acidente de trânsito e suas famílias, em face da ausência de previsão legal de incidência de correção monetária sobre os valores das indenizações do seguro DPVAT”.

5. CONCLUSÃO

Após analise do exposto e levando em conta a natureza social do seguro DPVAT, vê-se claramente a necessidade de se atualizar os valores inicialmente fixados pela legislação a título indenizatório.

Conclui-se que os valores pagos a titulo indenizatório devem ser recalculados, para que as pessoas que necessitam deles possam ter ao menos condições mínimas de recompor um pouco do que foi perdido nos últimos nove anos.

Deveria ser utilizada para a recomposição a inflação acumulada no período, ou seja, 65,16% o que elevaria a indenização por morte para R$ 22.282,09 (vinte e dois mil, duzentos e oitenta e dois reais e nove centavos).


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