O autor informa não haver conflito de interesse.
ASPHYXIA BY NECK CONSTRICTION: REVISED MECHANISMS
RESUMO
Tendo em vista as controvérsias acerca da temporalidade dos mecanismos de morte nos casos de constrição cervical – enforcamento, estrangulamento e esganadura –, necessária se faz a pesquisa sobre o tema, no sentido de se alcançar um melhor entendimento sobre a natureza do(s) trauma(s) porventura envolvido(s) – se, por sucessão no tempo, deverão ser enquadrados como sendo fisico-químicos ou se mecânicos. Assim, o termo asfixia seria mais bem explorado, uma vez que significa apenas a alteração das concentrações de oxigênio sanguíneas. O objetivo geral, então, estaria na mesma mão do problema levantado, qual seja, demonstrar o real mecanismo de morte por constrição cervical. Secundariamente, como objetivos específicos, seria alcançado o entendimento sobre a importância jurídica do tempo gasto nestes eventos, bem como isso nos valeria para a quantificação do sofrimento pelo qual passam tais vítimas. Segundo o que se pode observar, uma natureza mista – físico-química + mecânica – justificaria melhor aquilo que denominamos de asfixia por constrição cervical.
Palavras-chave: asfixias, constrição cervical, morte, natureza traumática.
ABSTRACT
In view of the controversies about the temporality of the mechanisms of death in cases of cervical constriction – hanging, strangulation and garroting – research is needed in order to reach a better understanding of the nature of the trauma(s) involved – if, by succession in time, they should be framed as physical-chemical or mechanical. Thus, the term asphyxia would be better explored since it only means the lowering of oxygen concentrations in blood. The general objective of this article is to demonstrate the real mechanism of death by cervical constriction. Secondly, as specific objectives, the understanding about the legal importance of the time spent in these events would be reached, and it would allow to better quantify the suffering of such victims. According to observations, a mixed nature – physico-chemical + mechanical – would better define the mechanism of what we call asphyxia by cervical constriction.
Keywords: asphyxias, cervical constriction, death, traumatic nature.
1. INTRODUÇÃO
De longa data, os enforcamentos, os estrangulamentos e as esganaduras vêm sendo enquadrados no rol dos traumas de natureza físico-química, assim como têm sido genericamente denominados de asfixias mecânicas. No entanto, acerca disto não existe ainda um consenso no sentido de se determinar de fato qual mecanismo é vigente ou, talvez mais corretamente, preponderante. Como citado por Hercules (1) alguns autores – a exemplo de Tardieu, Brouardel, Hoffmann e Flamínio Fávero – chegam mesmo a se declararem não concordantes com os mecanismos de ação levados em conta nos casos de asfixias – entre elas as mecânicas – quando das análises médico-legais. Isto tem seus impactos jurídicos, uma vez que o tempo de ocorrência e a consequente quantificação do sofrimento da vítima representam grande importância para os que têm seus entes queridos ceifados por sinistros desta envergadura. Portanto, a relevância do tema já se justificaria pelos impactos jurídico e social que representariam tal estudo, conforme descrito anteriormente.
A priori, o tema gera a necessidade de resposta para um problema inicial: qual(is) seria(m) o(s) verdadeiro(s) mecanismo(s) envolvido(s) na morte de vítimas de enforcamentos ou estrangulamentos? E, de antemão, pensou-se na hipótese de que não haveria um mecanismo único envolvido nestas situações, mas que em geral existiria um mecanismo misto – físico-químico, induzido por asfixia, somado a um mecânico representado pela própria constrição cervical –, onde os eventos se revezariam em importância na dependência do tempo destinado à ocorrência do óbito?
Conceitualmente, enforcamentos, estrangulamentos e esganaduras estariam enquadrados como sendo formas de asfixias mecânicas. Asfixias, pelo que se depreende da leitura de França (2), implicariam na privação suficientemente prolongada da respiração levando a uma diminuição da concentração de oxigênio e uma elevação dos níveis de gás carbônico. Portanto, seria de se esperar que somente a obliteração da laringe pela constrição cervical já explicasse os mecanismos de morte nestes casos. Mas, não é isso o que ocorre quando se dispõe a avaliar a questão mais de perto.
Esta classificação, na forma de asfixia, levaria as constrições cervicais para o grupo dos traumas de natureza físico-química, embora ações mecânicas estejam inquestionavelmente envolvidas. Portanto, os estudos acerca das estruturas anatômicas cervicais e a fisiologia de cada uma destas tornam-se indispensáveis para o alcance daquilo que na prática ocorre. E, em sendo confirmada a associação de fatores traumáticos, tal classificação deveria ser revista, impactando no ensino médico-legal, bem como nas explicações a serem dadas à justiça e aos familiares das vítimas.
Como objetivo geral os estudos envolveriam a necessidade do conhecimento acerca dos mecanismos envolvidos nas mortes por constrições cervicais e, especificamente, seriam alcançados os entendimentos sobre a importância jurídica do tempo gasto nestes eventos, bem como isso valeria para a quantificação do sofrimento pelo qual passam tais vítimas.
2. REVISÃO
2.1 ACERCA DAS ASFIXIAS
Historicamente o conceito de asfixia vem sendo elaborado no sentido de se enquadrar este trauma na categoria daqueles que envolvem alterações físico-químicas, onde o impedimento da passagem do ar para as vias respiratórias altera a bioquímica sanguínea (2) ou onde aconteçam até mesmo outras alterações que levem à impossibilidade de ocorrência de uma troca gasosa adequada e que, assim, se torne uma condição incapaz de manter a vida a partir da substituição de uma atmosfera respirável por outra não respirável, a exemplo de um soterramento, um afogamento ou pelos efeitos de gases tóxicos (1).
Porém, do ponto de vista de interesse neste artigo, serão tratadas tão somente as asfixias mecânicas por constrição cervical, com o intuito de que se realize uma revisão literária em busca dos mecanismos realmente envolvidos, especialmente em duas condições similares em termos de eventos: o enforcamento e o estrangulamento. Assim, a conceituação de cada uma dessas situações traumáticas servirá como ponto de partida para que cada particularidade seja, por fim, alcançada.
Qualquer dos autores consultados, do mais atual ao mais histórico (1) (2) (3) (4) (5), apontará para estas situações como sendo fruto de uma privação respiratória a partir do uso de algum objeto que, funcionando como um laço, possa apertar suficientemente o pescoço de uma vítima até conduzi-la ao óbito. Assim, estaremos tratando aqui explicitamente de uma condição letal e não de uma tentativa de enforcamento ou de estrangulamento.
Qualquer objeto, mais ou menos maleável, que possa ser utilizado para servir como laço deverá ser considerado. Desta forma, um lençol, uma tira de pano, um cinto, um fio elétrico, uma mangueira, um lenço feminino, uma gravata, a perna de uma calça, um arame, um cadarço etc., qualquer destes servirá para que a região cervical da vítima seja submetida a uma constrição até que se processe a cessação de sua vida.
No entanto, o que chama a atenção, sobretudo de leigos, é o fato de que situações como estas sejam dadas como sendo capazes de promover a morte a partir do fechamento da passagem de ar pela garganta em direção aos pulmões e isto, a nosso ver, não corresponde à realidade integral dos fatos. Um estado de inquietude científica não pode permitir um contentamento com uma visão tão simplista, uma vez que outros mecanismos envolvidos neste tipo de ação nos parecem mais importantes de forma temporal quando nos dispomos a analisar tais fatos mais de perto e com uma lupa acadêmica.
Não deverá interessar aqui se ocorrerá ou não uma suspensão completa ou incompleta do corpo da vítima nos enforcamentos nem se a situação de enforcamento ou estrangulamento será efetivada com culpa, dolo ou mesmo de forma acidental. Interessarão aos nossos estudos os mecanismos envolvidos nestes dois tipos de asfixia. Se o nó está ou não posicionado numa determinada região, se há ou não a suspensão do corpo, se os motivos são fúteis ou torpes etc. Nada disto nos servirá, portanto, como base de análise.
2.2 ACERCA DAS ESTRUTURAS ANATÔMICAS CERVICAIS, DE SUAS FUNÇÕES E DE SEUS PAPEIS NAS MORTES POR CONSTRIÇÕES CERVICAIS
A região cervical é composta por vários elementos – pele, tecido celular subcutâneo, músculos, nervos, veias, artérias, ossos, cartilagens, mucosa, medula espinhal, estruturas linfáticas –, embora somente algumas representem de fato perigo para a vida quando afetadas de forma importante. Vejamos em parte esta composição (Fig.1):
Nesta prancha notamos a existência estruturas compondo um plexo nervoso com raízes oriundas tanto de pares de nervos cranianos quanto de raízes medulares cervicais. Cada um destes nervos tem suas próprias funções, sensitivas ou motoras ou com outras funções. Porém, de nosso interesse, temos que “O nervo frênico, formado por fibras motoras que derivam de C3, C4 e C5, desce por diante do músculo escaleno anterior, passa junto ao pericárdio, para se distribuir no diafragma” (6) e o nervo vago, que é o décimo par de nervos cranianos, inervando desde a faringe até as vísceras torácicas, abdominais – exceto uma parte do intestino grosso – e os órgãos sexuais. Assim, a motricidade visceral, a secreção de substâncias viscerais e até mesmo a respiração dependem deste par de nervos (7).
Agostinho dos Santos (8) nos dá por saber, em alguns pontos do texto e de forma repetida, que nas constrições cervicais temos que os “Mecanismos de morte são idênticos ao do estrangulamento, há predominância do mecanismo asfíxico, no entanto pode ocorrer morte por mecanismo de inibição vagal.” Assim, o papel do vago encontra-se devidamente aventado como um dos mecanismos de morte em casos como os que se encontram em comento neste artigo, embora tal autor se posicione em favor de uma visão de predominância do mecanismo asfíxico.
Complementando este raciocínio, segundo Cruz (9), “A estimulação elétrica do vago esquerdo induz bloqueio de terceiro grau do nodo atrioventricular, com ondas P invertidas e ativação da via retrógrada do nodo atrioventricular.”, de onde podemos concluir que tal efeito seria suficiente para conduzir uma vítima de constrição cervical ao óbito.
Além do exposto, também o frênico, nervo já citado, promoveria por meio de sua inibição uma paralisação diafragmática, impedindo movimentos capazes de fazer valer efetivamente qualquer tipo de abertura em nível inferior ao da constrição instalada (7).
No entanto, ainda da mesma prancha ilustrativa exposta, notamos a existência de quatro grandes vasos sanguíneos: as duas veias jugulares e as duas artérias carótidas, já que são estruturas bilateralmente localizadas na região cervical. Aquelas artérias são responsáveis pela irrigação de toda a cabeça – neurocrânio e viscerocrânio –, a partir de suas bifurcações em ramos internos e externos. Os ramos internos são os que se destinam a irrigar o território encefálico. Mas, não menos importante, deve-se ressaltar que nas bifurcações das carótidas comuns temos os seios carotídeos, responsáveis por um dos meios de controle da pressão arterial (10). Quanto às veias jugulares, estas trazem de volta ao coração o sangue que deverá ser reoxigenado, num novo processo de hematose.
Desta forma, de nada adiantaria a ocorrência de uma adequada troca gasosa ao nível dos pulmões se este sangue oxigenado não tivesse como ultrapassar a barreira imposta pelo constrito laço em direção ao encéfalo, bem como seria impossível o retorno do sangue venoso do encéfalo para o coração e dali para os pulmões a fim de que esta renovação se perpetuasse e, desta forma, mantivesse a vida.
Mais ainda, temos compondo a região do pescoço a coluna cervical, dentro da qual se localiza a medula espinhal, de onde derivam ramos nervosos importantes. Dentre estes, temos o já citado nervo frênico, sobre o qual já discorremos. Mas, vale lembrar que é possível, tanto no enforcamento quanto no estrangulamento – e mais especificamente neste primeiro – um trauma raquimedular capaz de lesionar a medula pelo trauma mecânico desferido contra ela. Neste sentido, podemos ter o que se segue:
Os pacientes com lesão medular podem apresentar, também, queda da pressão arterial, acompanhada de bradicardia, que caracteriza o denominado choque neurogênico. Nesses pacientes, a lesão das vias eferentes do sistema nervoso simpático medular e consequente vasodilatação dos vasos viscerais e das extremidades, associadas à perda do tônus simpático cardíaco, não permitem que o paciente consiga elevar a frequência cardíaca. Essa situação deve ser reconhecida e diferenciada do choque hipovolêmico, no qual a pressão arterial está diminuída e acompanhada de taquicardia (11).
Assim, um choque neurogênico também se faz possível, agravando ainda mais a situação da vítima. Portanto, em associação, além de tal choque, teremos os já citados efeitos de um conjunto de danos a vasos e nervos que, sobrepondo-se à obstrução mecânica da laringe, resultarão em mecanismos de extrema relevância para que a letalidade seja tão expressiva.
3. DISCUSSÃO
Diversas obras científicas incluem as asfixias mecânicas no grupo dos traumas de natureza físico-química, nos quais são ocorrentes as alterações sanguíneas – pH, concentração de O² e CO². No entanto, os níveis de saturação de O² e CO² nem sempre explicam completamente a morte provocada por alguns tipos de asfixia, a exemplo daquelas que envolvem as constrições cervicais.
Hercules já chamava a atenção para este fato em sua obra, quando assim relatou:
[…] a oclusão da laringe por um corpo estranho não apresenta dificuldade em sua compreensão, mas a morte produzida por soterramento, por exemplo, pode ser causada por uma série de mecanismos, com predominância ora de um, ora de outro. Da mesma forma, o enforcamento oferece problemas na determinação exata do mecanismo de morte. Por essa razão, os autores têm encontrado dificuldade na sistematização correta das asfixias (1).
Desta forma, o questionamento inicial foi a respeito da correção ou não da inclusão das asfixias por constrição cervical – estrangulamento e enforcamento – no grupo dos traumas de natureza físico-química. Se alguns julgam serem tais eventos verdadeiras asfixias – privação de ar –, outros os poderiam incluir no rol dos traumas de natureza mecânica – objetos ou instrumentos provocando lesões a partir do emprego de energia cinética.
As pesquisas acerca da anatomia e fisiologia das estruturas cervicais apontam para a ocorrência de eventos muito mais decorrentes de ações mecânicas – compressão de estruturas anatômicas cervicais – com consequentes danos a partir da interrupção de suas funções. Basicamente todos os autores retrocitados concordam com esta visão ao apontarem para a ocorrência de fatores respiratórios – obstrução da passagem de ar pela glote –, circulatórios – obstrução dos vasos cervicais que irrigam e drenam o crânio – e nervosos – com compressão do nervo vago causando-lhe inibição e consequente alteração do ritmo cardíaco.
Poder-se-ia falar de um mecanismo misto, porém, a morte ocorreria mesmo se conseguíssemos livrar as vias aéreas a partir, por exemplo, de uma traqueostomia ou de uma cricostomia ou de uma traqueostomia (1). Ainda assim as estruturas anatômicas cervicais constritas continuariam a ter o impedimento de suas funções sendo efetivadas de forma a conduzirem a vítima à morte. Ou seja, de nada adiantaria à vítima ter suas vias respiratórias inferiores livres para que o fluxo aéreo fosse processado se o sangue oxigenado não pudesse alcançar o encéfalo ou se o coração estivesse parado por causa de uma inibição vagal etc.
Em sendo um par de nervos cranianos, o vago recebe, também, suas ordens do centro da respiração no tronco encefálico, onde as concentrações de gases sanguíneos são analisadas e, desta forma, agirão controlando a frequência e amplitude dos movimentos respiratórios. Nota-se, portanto, que esta inervação é essencial para que possamos entender um dos mecanismos envolvidos na constrição cervical, tendo em vista que o vago se localiza justamente na região mais vulnerável à ação de um laço envolvendo o pescoço e, consequentemente, promovendo sua compressão. Ou seja, mesmo que a vítima tivesse instalada uma cânula de traqueostomia ou de cricostomia logo abaixo do ponto de constrição pelo laço, é de se perguntar se não lhe sobreviria a morte em razão desta consequente inibição vagal. Mais importante ainda, em quanto tempo isto ocorreria.
A parada cardiorrespiratória ocorreria por algum destes mecanismos não respiratórios antes que a asfixia – privação de oxigênio – ocorresse provocando tal parada? Esta pergunta é, pois, crucial para que se possa entender o que acontece nas constrições cervicais e, desta forma, classificá-las como sendo oriundas de mecanismos fisicoquímicos, mecânicos ou mistos.
A predominância de um ou de outro, como apontada por Hercules (1) ainda assim manteria as constrições no grupo dos traumas mistos – fisico-químicos + mecânicos. Caso a morte sobreviesse por uma asfixia antes que os demais eventos ocorressem, também só estaria ocorrendo porque teria havido a constrição cervical impedindo o fluxo aéreo para as vias inferiores. Mas, se o óbito se concretizasse tão somente por causa da constrição cervical gerando efeitos não respiratórios, a exemplo de uma inibição vagal pura, só nos restaria sua inclusão no grupo dos danos decorrentes de um trauma de natureza mecânica.
Portanto, o tempo para que a morte seja alcançada por meio da constrição cervical – nos casos de estrangulamento ou de enforcamento – talvez pudesse nos fornecer uma pista relativamente segura para que nossa conclusão fosse a menos equivocada possível. Mas, nem mesmo isso nos parece garantir o alcance de uma resposta satisfatória.
Macedo Júnior (12), ao tratar do tempo de morte por enforcamentos, nos lega que isto “Varia de acordo com certos aspectos pessoais e circunstanciais. A morte poderá ser rápida, por inibição, ou demorar cerca de 5 a 10 minutos, conforme observações em enforcamento judiciais”.
Já uma matéria da Folha Online nos dá por saber que,
No entanto, caso as vértebras cervicais não se rompam (pelo uso de uma corda curta), o condenado morre por asfixia causada pelo laço, tanto por obstrução respiratória quanto pela obstrução das veias jugulares e das artérias carótidas, o que acarretará a morte cerebral por falta de oxigênio. Segundo o médico forense consultado pela emissora americana, isso pode acontecer em até três minutos (13).
Já em publicação científica, Peixoto nos informava desde o início do século passado que,
Após muitos minutos de morte aparente, mesmo cessado o último sinal de vida, tem-se podido salvar enforcados.
Ordinariamente, em 10 minutos está tudo terminado: deste tempo talvez 2 minutos se possa conceder para as duas fases anteriores. As experiências de Minovici reclamam peremptoriamente contra pretendidas demoras de 2 minutos, até o meio da primeira fase, ainda a tempo de interromper-se a experiência: nunca pôde atingir 10 segundos, o que parece indicar que se processam muito rapidamente.
[…] Após 11 minutos de enforcamento Sikor viu um condenado viver ainda 24 horas, terminando por congestão pulmonar e pneumonia. Stark viu o coração de um outro bater até 14 minutos, parar, ser o indivíduo levado ao anfiteatro, recomeçar o coração a bater após uma hora e permanecer assim por mais três horas, cessando então definitivamente (5).
Sobre o tempo de morte por estrangulamento, nada encontramos de forma científica que nos permitisse avaliar a questão. Assim, nos valendo das avaliações temporais de mortes em caso de enforcados, percebemos que não existem pesquisas em bom número para que se alcance um consenso quanto ao tempo demandado para a ocorrência de óbito em vítimas de asfixia por constrição cervical. No entanto, o prazo de 10 minutos surge como um marco comum e significativo neste sentido (2). O problema é que mesmo sendo revertida a morte, ela acaba por se concretizar algum tempo depois, e, pelo que parece, por causas advindas da má oxigenação dos tecidos, sobretudo encefálicos.
Segundo Melhado,
Na oxigenação cerebral, existe um grande consumo de oxigênio e glicose por parte do encéfalo, o que exige um grande fluxo sanguíneo para o abastecimento. Quando esse fluxo é interrompido por um período maior do que sete segundos, pode haver a perda de consciência do indivíduo. Já em um período de tempo que passa dos cinco minutos, os danos podem ser irreversíveis, já que as células não se regeneram nesse caso (14).
Caso as informações acerca do tempo de alcance do óbito estimado em até 10 minutos por constrição cervical e, tendo a morte encefálica atingida após cerca de 5 minutos, haveria de fato uma associação de mecanismos fisicoquímicos e mecânicos que, de forma superposta poderia ser a responsável pelo óbito.
Revivendo o professor Moniz, da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, vemos que o ilustre catedrático em uma de suas obras já apontava tal associação. Vejamos:
Sendo uma a causa da morte por enforcamento, é contudo muito variável o seu modo de acção, visto que ella actua sobre órgãos muito complexos. Assim a respiração e a circulação podem ser attingidas simultânea ou separadamente; o laço e a sua applicação podem ser d’uma variabilidade extrema, os symptomas, os caracteres anatómicos, a rapidez da morte são igualmente muito variáveis. Para interpretarmos as différentes lesões que nos depara a observação precisamos saber como se produz a morte por enforcamento.
[…] Ora, não soffre duvida que, muito embora a morte dos enforcados seja por inhibição, nunca deixam de se manifestar phenomenos physicos, uns transitórios, outros inapagaveis, indeléveis, que são a imagem negativa das violências exercidas sobre a região do pescoço. Apesar d’isto o mechanismo da morte na maioria dos casos é outro: resulta da paragem da circulação nos vasos do pescoço e da respiração (15).
Com base em todo o exposto, tendemos então ao entendimento dos mecanismos de morte por constrição cervical – enforcamento e estrangulamento – como sendo de causa mista no que diz respeito à natureza do trauma que a provoca. Portanto, seria uma ação conjugada e não puramente asfíxica ou puramente mecânica. Porém, maiores estudos, sobretudo quanto ao tempo necessário para a ocorrência dos óbitos em casos de igual teor, são necessários para que, de uma vez por todas, se possa determinar a veracidade do que aqui advogamos. Vale ressaltar que à época do professor Moniz era possível o sacrifício de cobaias para que a ciência tivesse lugar. Atualmente as organizações protetoras dos animais lutam, com razão, contra estas formas de pesquisa onde maus tratos são empregados em nome do conhecimento. Assim, só nos restarão os estudos ex-post-facto para que sejam alcançados os dados suficientes para as análises necessárias à confirmação definitiva do que aqui abordamos. E este será, a nosso ver, um entrave intransponível.
Com base em todo o exposto anteriormente, parece-nos claro que muito mais do que o simples impedimento de fluxo respiratório para as vias aéreas inferiores, a impossibilitação de uma circulação sanguínea encefálica – sobretudo no tronco encefálico – e a paralisação dos movimentos diafragmáticos terão papéis bem mais significativos do que a própria obstrução da passagem do ar pela laringe, diferentemente do que ocorre na ocupação das vias aéreas por água, material particulado, alimentos ou outros objetos que possam impedir as trocas gasosas em nível alveolar.
Desta forma, teremos alguns mecanismos relevantes. Vejamos:
- Corte do fluxo sanguíneo para o encéfalo por meio de uma ação mecânica provocada por algum tipo de laço constringindo a região cervical, obliterando as carótidas comuns;
- Impedimento do retorno venoso do encéfalo para o coração e dali para os pulmões, também por uma ação mecânica a partir da constrição cervical promovida por algum tipo de laço, obliterando as jugulares;
- Estimulação dos seios carotídeos, por meio de constrição mecânica, com a geração de alterações dos níveis pressórios sanguíneos;
- Inibição vagal promovendo importantes alterações cardíacas e, por consequência, hemodinâmicas, a partir da compressão mecânica dos ramos do vago;
- Choque neurogênico promovido por uma lesão medular a partir da ação contundente sobre a coluna cervical, configurando um trauma mecânico raquimedular; e
- Compressão de laringe, também mecanicamente, com grave impedimento do fluxo aéreo até os alvéolos, onde deveria ser processada a hematose.
4. CONCLUSÃO
Por meio deste estudo de revisão literária, alcança-se o entendimento de que os efeitos da compressão mecânica são os responsáveis diretos pela morte em casos de asfixia por constrição cervical. As alterações dos níveis sanguíneos e teciduais de O² e CO² acabariam entrando neste cenário como coadjuvantes e não como atores principais, a nosso ver. Entende-se, portanto, que as estruturas cervicais envolvidas nas constrições cervicais conduzindo as vítimas ao óbito respondem de forma importante aos estímulos envolvendo o gasto de energia cinética. Tal fato, representado pelo movimento de constrição cervical a partir do uso de alguma forma de laço, poderia induzir diversos eventos secundários.
Assim, o puro corte de suprimento de oxigênio para os tecidos, sobretudo encefálicos, não explicaria por si só a ocorrência da morte. Mas, para desta forma interpretarmos os fatos colhidos e analisados em nosso trabalho, deveríamos ter uma melhor noção do quantum temporal envolvido em todo este processo de morrer. Caso o óbito sobreviesse inequivocamente a partir de um tempo de privação respiratória, aí sim o termo “asfixia” estaria bem justificado. No entanto, se a morte fosse decorrente de uma parada cardíaca induzida por inibição vagal ou por outro fator já exposto, o termo “asfixia” deveria ser repensado. Portanto, com base nas análises teóricas disponíveis, o que de fato ocorre é uma conjugação de forças. Seria a privação respiratória que se demonstraria intensificada pelos demais eventos e não qualquer destes mecanismos agindo de forma isolada para que a vida se encerrasse, portanto. Por estas razões expostas, melhor seria a inclusão destas categorias traumáticas no rol daquelas de natureza mista – mecânica + fisicoquímica. Mais acertado seria, então, o uso de morte por constrição cervical do que o emprego do já consagrado termo “asfixia”.
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