Artigo de Revisão

EXAMES COMPLEMENTARES PARA VERIFICAÇÃO DO TEMPO DE MORTE EM MEDICINA LEGAL

Como citar: Pereira GO, Melo ME, Lima Júnior RCC, Batista RS, Cavalcante TM. Exames Complementares para Verificação do Tempo de Morte em Medicina Legal. Persp Med Legal Perícia Med. 2018; 3(1).

https://dx.doi.org/10.47005/030103

 Os autores informam não haver conflito de interesse.

COMPLEMENTARY EXAMS FOR DETERMINING THE TIME OF DEATH IN LEGAL MEDICINE

Gerson Odilon Pereira (1,2)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/5466172131307406 – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1544-8508

Maria Eduarda de Freitas Melo (2)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2747659417790332 – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3046-8790

Ricardo César Cardoso de Lima Júnior (2)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2747659417790332 – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3046-8790

Rodrigo Santana de Luna Batista (2)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4581172422640800

Taciane Marques Cavalcante (2)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0633950119468340

 (1) Universidade do Porto, Portugal – PT. (Autor Principal)

(2) Centro Universitário Tiradentes- UNIT, Maceió- AL. (Autor Principal)

RESUMO

Exames complementares para verificar o tempo de morte podem ser definidos como exames posteriores que atuam como complemento à primeira perícia – que podem ser vistos como um remate aos exames de praxe realizados, atuando como subsídios ao “diagnóstico” da morte. Em tal área, que envolve mutuamente o Direito e a Medicina, os conhecimentos desta última têm proveito para se chegar a conclusões sobre as causas que acarretaram a morte – auxiliando o Direito –, ao utilizar vários métodos para realizar a perícia médico-legal em corpos sem vida. Com isso, entre os artifícios existentes para fins de acréscimo à primeira perícia, este estudo busca reunir os exames complementares para verificação do tempo de morte, que dividem-se em vários tipos ao passo que lançam mão de diversas técnicas para alcançar esses objetivos.

Palavras chave: medicina legal, exame, tempo de morte.

ABSTRACT

Complementary examinations to verify the time of death can be defined as subsequent examinations that complement the first one. They may be seen as complementary to the usual evaluations and will act as further support to the diagnosis of death. In this area, which simultaneously involves law and medicine, knowledge of the latter is an advantage to arrive at conclusions about the causes of death – by which it will help the law – by using a range of methods for performing medical-legal expert evaluation on lifeless bodies. Therefore, among the artifices that exist for the purpose of an addition to the first survey, this study aims to gather complementary examinations to establish the time of death, which are divided into several types according to the range of techniques used to reach the same goals.

Keywords: legal medicine, exam, time of death. 

1.INTRODUÇÃO

Através dos tempos, os conceitos da morte e os critérios para determiná-la evoluíram, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. No início, o modo tradicional de determinar a morte foi a paragem respiratória. O momento em que se deixava de respirar era o momento da morte. E assim foi até ao final do século XIX.

Com a descoberta do estetoscópio e da auscultação, passou a basear-se na paragem cardíaca, prática que ainda hoje é usada para a maioria das situações. Contudo, após a invenção da ventilação artificial boca a boca e da massagem cardíaca externa, nos anos 50 do século XX, foi possível, em alguns casos, reverter a paragem cardíaca e respiratória.

Com essa invenção, a morte passou a ser determinada pela perda das funções cerebrais totais ou do tronco cerebral. O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, resolveu, nos seus 4 primeiros artigos, que:

Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias; Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização da morte encefálica deverão ser registrados no “termo de declaração de morte encefálica” anexo a esta Resolução; Art. 3º. A morte encefálica deverá ser consequência de processo irreversível e de causa conhecida; Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal e apneia.

O conceito de morte diz o que a morte é. O critério ou os critérios de morte são as condições que permitem determinar se um indivíduo está morto segundo esse conceito. O conceito de morte pode ser encarado de vários pontos de vista, como o religioso, o filosófico ou o biológico.

Contudo, os critérios de morte são indicadores biológicos. A determinação do momento da morte tem implicações importantes dos pontos de vista legal, social e ético. Devido a isso, os exames complementares em medicina legal são fundamentais para essa determinação.

Antigamente, Galeno utilizava o método docimásia hidrostática pulmonar para determinar se a criança nascia viva ou morta, e – durante a evolução da Medicina Legal – esses métodos foram se desenvolvendo e tornando-se mais precisos. Atualmente, os diversos exames complementares possuem o papel de auxiliar a necrópsia na determinação da morte e da causa mortis.

A necrópsia é o procedimento que tem por meta avaliar os indivíduos após a morte, quando essa ocorre de forma violenta, como homicídio; de forma súbita sem a presença de testemunhas, considerada suspeita, ou em indivíduos que se encontravam sob custódia (1, p.53). Havendo no mínimo uma dessas circunstâncias, o cadáver é obrigatoriamente encaminhado ao órgão responsável pela realização desse procedimento, Instituto Médico Legal (IML), onde aquele é avaliado, principalmente, com o objetivo de se determinar a causa mortis.

Do mesmo modo, embora o faça de forma mais abrangente, a Resolução CFM nº 1.779/05,  que regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da declaração de óbito define que este documento deverá ser confeccionado pelos serviços médico-legais (2, art. 2º, item 3).

Vale destacar que, conforme a Lei de Registros Públicos, há obrigatoriedade da confecção da certidão de óbito para que seja realizado o sepultamento, realizado pelo oficial de registro do lugar do falecimento após sua devida inscrição no assento de óbito, face à apresentação do atestado de médico ou, na inexistência deste no local, do atestado de duas testemunhas que tiverem presenciado a morte ou verificado o óbito (lei 6015/73, art. 77).

Nesse sentido, salienta-se que, de acordo com pesquisa relatada pelo artigo Necropsia e mortalidade por causa mal definida no Estado de São Paulo, Brasil, publicado no ano de 2006, a proporção de óbitos classificados como de causa mal definida aumentou cerca de 30% no período entre 1980 e 2002 (3, p. 307-308).

No Brasil, a legislação prevê um serviço de verificação de óbitos (SVO) para diminuir o número de óbitos classificados como mal definidos. Nos municípios sem SVO, o médico pode recusar-se a preencher a Declaração de Óbito quando julga que a causa não é bem definida e solicitar ao IML a realização da necropsia.

Após a realização dos procedimentos de praxe da primeira perícia, se houver presença de resultados inconclusivos, a necrópsia pode receber auxílios dos exames complementares. É imprescindível ressaltar a importância do exame inicial, dado que Celmo Celeno Porto (4), explica que, mesmo com a posse de sofisticados recursos de laboratórios e aparelhos, a base principal da atuação médica é o exame clínico.

Os exames complementares à necrópsia em Medicina Legal possuem, entre outros, o propósito de determinar informações relativas à morte, buscando esclarecer o ato que a acarretou, seja criminoso ou não. Apropria-se, portanto, de influência e necessidade também na área do Direito, visto que o laudo médico pode direcionar sentenças penais, por exemplo, em casos de homicídio.

É evidente que exames complementares realizados por computadores e procedidos por tais recursos aumentam a precisão e a rapidez do diagnóstico, mas – ao passo que os recursos são aprimorados e diversificados – é requerida do médico a habilidade de saber quais exames solicitar, adequando-se à situação a ser estudada e à relação custo-benefício. (4, p.7).

Os exames complementares em Medicina Legal dividem-se em diversas categorias, a fim de analisar questões específicas no cadáver, entre elas o tempo decorrido desde a morte do indivíduo. Os critérios para tal avaliação são baseados principalmente na mudança abrupta no metabolismo tecidual, ocasionada pela ausência gradual de oxigênio, já que não mais ocorre a circulação sanguínea (5).

2. METODOLOGIA

Através de uma revisão bibliográfica com base em livros e artigos científicos, buscou-se avaliar quais são os métodos disponíveis para a realização dos exames para verificação do tempo de morte, assim como a eficácia e a importância desses, posto que são pouco utilizados em necrópsias – situação ampliada pela falta de recursos em certos IMLs – apesar de serem variados em seus princípios e mecanismos de funcionamento.

 3. REVISÃO 

3.1. EXAMES LABORATORIAIS

Os exames laboratoriais com tais fins podem basear-se na mudança da atividade metabólica dos tecidos, que ocorre pela falta de oxigênio nesses, ocasionando escassez de energia para as células, o que permite maior difusão pela membrana e altera a normalidade das concentrações de substâncias e eletrólitos dentro e fora da célula. Há também a possibilidade de estimar o tempo com base nos tecidos que permanecem vivos algum tempo após a morte (5).

Iniciando pelo exames que se fundamentam no primeiro critério abordado, tem-se o exame de Bioquímica do Sangue, em que são avaliadas as concentrações referentes à ureia, glicose, creatinina, amônia e ácido lático, além de enzimas e eletrólitos. Além dos citados, estudos realizados em ratos avaliaram as concentrações de sódio e potássio. Esta avaliação se mostrou vantajosa mais precisamente entre 6 e 96 horas após a morte, por não necessitar desses valores no momento em que ela ocorreu (5).

Além da bioquímica sanguínea, pode-se estudar também a Bioquímica do Líquido Cefalorraquidiano (LCR). Tal método tem por alicerce as mudanças nas concentrações eletrolíticas no LCR, ocasionadas por alterações do plexo coroide – estrutura formada por tecidos epitelial e conjuntivo e vasos sanguíneos – responsável por formar líquor (5).

Há também um método diferenciado para avaliar a Bioquímica do LCR, idealizado por Schourup, que avalia seus elementos componentes: ácidos aminados, nitrogênio não proteico e ácido lático, agrupando-os em uma fórmula que agrega também a temperatura axilar cadavérica e teria como resultado as horas decorridas desde a morte (6).

figura1

Figura 1- Fórmula de Schourup para determinação do tempo decorrido de morte

Fonte: FRANÇA, Genival Veloso de, 2014

Em relação a ambos os métodos, não há confiança necessária para comprovar a eficácia. No primeiro método, com a repetição dos estudos por outros autores houve discrepância de resultados. Já a respeito do segundo, a depender do tipo de morte, o Líquido Cefalorraquidiano pode conter sangue, acarretando alteração dos resultados, além da dificuldade na punção daquele. Não obstante, os valores obtidos em experimentos não correspondem aos valores reais.

Outro exame também baseado nas alterações metabólicas teciduais é a Concentração de Potássio no Humor Vítreo post mortem. Tal dosagem aumenta diretamente proporcional ao tempo de morte, tendo um limite de 20 horas desse período para ser analisada (1).

Alguns estudos já realizados avaliam a viabilidade da aplicação desse exame. Foram escolhidos a concentração iônica de potássio, por sua participação no processo autolítico, e o humor vítreo, pela menor chance de haver impurezas, como em casos de morte violenta, quando comparado ao sangue e ao líquor. O local ideal para sua retirada é a bissetriz formada pelos ângulos dos quadrantes superiores de cada olho, devido à menor vascularização local (6).

É importante também, que se utilize uma mistura de quantidades equivalentes do humor vítreo de cada olho, posto que as concentrações podem diferenciar em cada um; além de que se deve verificar a presença de outras substâncias no humor, como hemoglobina (6). É aconselhável associá-lo a outro parâmetro – como a temperatura do cadáver, sendo a retal mais fidedigna -, visto que pode haver dispersão dos resultados.

Com isso, foram encontradas variações nos resultados obtidos relativas a fatores como a ocorrência de morte súbita ou lenta com período agônico, a idade, a temperatura ambiente. Devido a tais variações, seria importante quantificar os eletrólitos no momento da morte, assim como se houve distúrbios eletrolíticos (5).

Em um estudo realizado por Francisco Moraes Silva, 224 amostras de humor vítreo foram analisadas, comparando suas concentrações com intervalos de tempo depois da morte. Entre 01:30 e 01:59 horas após a morte, a média aritmética das concentrações era de 5,51; entre 06:00 e 06:29 horas após a morte, a média era de 6,40; entre 12:00 e 12:29 horas após a morte, a média estava em 6,93; já entre 18:30 e 18:59 horas após a morte, a média era calculada 9,12 (6).

Compreende-se, portanto, que o exame não é referência para tal avaliação pela grande proximidade de valores mesmo em grandes intervalos, mas pode ser utilizado como auxílio a outras formas de estimar o tempo em questão. Aconselha-se ainda a aplicação do método em situações que necessitam do conhecimento da primoriência – determinar qual indivíduo faleceu primeiro – em casos de acidentes, por exemplo, em que é preciso destinar bens materiais.

Outra alternativa para mensuração do tempo de morte é a de avaliação da Atividade Enzimática dos Tecidos. Tal técnica tem por base a diminuição de importantes enzimas em células de elevada atividade metabólica, a exemplo dos hepatócitos. Essa diminuição ocorre pela mudança do metabolismo corpóreo, que passa de aeróbio para anaeróbio após a morte, provocando alterações de pH no meio intracelular, modificando a atividade enzimática (5).

Abordando então os exames laboratoriais que estudam os tecidos supravitais, tem-se a Estimulação Química da Íris. A íris, um dos componentes do olho humano, é constituída por musculatura lisa – involuntária – que mantém sua excitabilidade conservada no post mortem. Partindo desse princípio, com o uso de eletrodos ou farmacológicos provoca-se uma excitação muscular.

Análogo ao que acontece na pupila de um indivíduo com vida, em que a liberação de adrenalina ocasiona midríase e a liberação de acetilcolina ocasiona miose, a íris pode reagir com contração ou dilatação, sendo conveniente, portanto, a verificação do diâmetro inicial da pupila – antes da aplicação do estímulo (5).

Para introduzir o agente estimulante, aconselha-se que a aplicação seja feita “[…]por baixo da membrana conjuntiva do olho junto ao contorno da córnea, ou diretamente dentro da câmara anterior do olho” (5). Após o estímulo, espera-se uma reação que pode durar entre cinco e sessenta minutos, podendo ser atenuada de acordo com o tempo de morte. Seu limite pode variar de 14 a 46 horas; levando, portanto, à percepção de que pode ser utilizado como auxílio, associado a outro método.

Ainda com base nos tecidos com sobrevida após a morte, tem-se os exames de Excitação Muscular, realizados na musculatura esquelética, em que o estímulo pode ser desencadeado de forma mecânica ou por ação elétrica. A respeito da estimulação mecânica, primeiramente é preciso que haja um padrão do local e do estímulo: a resposta muscular varia com a intensidade desse e com o músculo a ser atingido. Para descrever qual o tipo de resposta muscular, são descritas três fases consoante essa:

Logo após a morte e até 2 horas e meia, nota-se uma contração que envolve todo o músculo, conhecida como fenômeno de Zsako. Conforme se avança no tempo passa-se a observar uma contração localizada significativa, que produz elevação da massa muscular no local […]. Pode ser evocada no período de 4 a 5 horas após a morte. Na terceira fase, a contração persiste por várias horas. Pode ser obtida no período de 8 a 12 horas após a morte. (5, apud Madea).

A contração muscular por estímulo elétrico era conhecida desde o século XIX, sendo posteriormente utilizada para estudo do tempo de morte. Assim como a estimulação mecânica, requer padronização dos estímulos e do local a ser aplicado.

Com a ajuda de um aparelho que emite corrente constante, eletrodos são aplicados na pálpebra e é analisada a contração dos músculos da face – quanto maior a contração, menor o tempo póstumo. A extensão da reação é dividida em seis graus, de acordo com os músculos que respondem ao estímulo. (5, apud Madea).

3.2. IMPORTÂNCIA

Basicamente, a importância da sapiência da cronotanatognose dá-se nas áreas criminal e cível. Na área criminal, seu conhecimento é primordial para confirmar ou contestar álibis e para o esclarecimento de homicídios, participando, por exemplo, em reconstituições de crimes, possibilitando esclarecer a dinâmica do ato, de forma a descartar ou incluir possibilidades.

Na área cível, tal conhecimento é útil principalmente para determinar comoriência ou premoriência. A comoriência é definida como a morte simultânea de dois ou mais indivíduos em um mesmo episódio, já a premoriência ocorre quando é possível determinar que, também em um mesmo episódio, um dos indivíduos faleceu primeiro. Pode-se tomar como exemplo um acidente de trânsito com morte de pai e filho, em que faz-se mister o uso dos exames que estimam o tempo de morte para destinar uma possível herança ou bens materiais (1).

4. DISCUSSÃO

Como já foi abordado ao longo do artigo, a verificação estimada do tempo de morte é importante principalmente para questões penais. Contudo, ainda que existam vários métodos de exames com esse fim, não se pode ainda usufruir desses como seria ideal, tanto pela incerteza e pela imprecisão transmitidas por alguns exames, quanto pela ausência de recursos em Institutos Médicos Legais.

Segundo a Lei Orgânica da Polícia Civil, Lei n. 5.406/69, o auxiliar de necropsia, o qual atua juntamente com o médico-legista – o qual acompanha todo o processo e orienta a realização do trabalho – na sala de necropsias do IML:

[…] é o servidor policial que, no serviço médico-legal, tem seu cargo de trabalho que consiste em auxiliar em exumações, operação e dissecação, recomposição, suturas e pesagens de cadáveres, sob orientação imediata do médico, e em cuidar de limpeza e desinfecção dos locais e dos instrumentos de trabalho (ALAGOAS, 1969).

Em pesquisa relatada pelo artigo “Trabalho e cotidiano no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte”, publicado no ano de 2004, uma queixa frequente entre os auxiliares é que seu trabalho engloba outras tarefas, aumentando o desgaste físico e mental, o que pode dar margem a erros e acidentes (7).

As condições físicas do local em que são realizadas as atividades não garantem seu funcionamento adequado, além de ser muito insalubres. Não há espaço suficiente para a colocação dos cadáveres e os equipamentos de trabalho – como a geladeira e as macas – e de proteção individual são inadequados. Para os auxiliares, há um descaso do Estado em relação ao IML (7).

Cabe, ademais, ressaltar que as discrepâncias diagnósticas são atribuídas à má qualidade da investigação clínica e laboratorial, determinada por diversos motivos, como a inexistência de recursos propedêuticos mais sofisticados de diagnóstico. Dessa maneira, tem-se que o exame necroscópico ainda constitui o melhor método de investigação (8).

Há situações, ainda, em que o exame é executado por um perito médico – sem formação específica na área –; em condados menores, onde há maior escassez de recursos e profissionais especializados, a avaliação é realizada por um funcionário público que nem precisa ser graduado em Medicina (8).

É sabido que os métodos supracitados são dependentes, além das características da morte, das condições ambientais – sobretudo do clima no local onde o cadáver foi encontrado. Nessa lógica, é válido salientar que uma pesquisa exploratória e descritiva apresentada pelo artigo “Cronotanatognose: a influência do clima tropical na determinação do intervalo post-mortem”, publicado em 2014, mostrou limitações quanto à aplicabilidade de tais métodos em regiões de clima tropical (9).

Dado que a elevada temperatura e umidade influenciam os processos de decomposição cadavéricos, dificultando a determinação correta e consensual do IPM (intervalo post-mortem), é crucial que se busquem metodologias mais eficazes e precisas, sobretudo aplicáveis às regiões tropicais (9).

Com relação ao uso dos exames, aconselha-se o uso simultâneo de dois métodos, associando-os inclusive aos não laboratoriais, como a aferição da temperatura retal – mais fidedigna. Dessa forma pode-se restringir os limites e melhorar a precisão do cálculo, lembrando-se, porém, de aplicar as margens de erro, assim como as circunstâncias que podem induzir ao erro relativas a cada método (5).

É interessante destacar também, que não há exames complementares melhores ou piores entre si, mas, em vez disso, os mais adequados para a situação a ser estudada. Vale entender também que a prática do perito ou da equipe a realizar o exame pode interferir nos resultados, o que é mais uma razão para compreender a imprecisão dos métodos (5).

Ainda conforme Hércules (5), outro fato a ser considerado são as condições do local da morte. Sua avaliação inclui o tipo de ambiente, fechado ou aberto; temperatura, aparelhos ligados, exposição ao sol, entre outros. Esses fatores atuam sobre o cadáver, acelerando ou retardando sua putrefação, interferindo principalmente em sua temperatura, o que tornaria inviável a verificação da temperatura retal para estimar o tempo de morte, por exemplo.

É importante ressaltar novamente que, assim como o modo de realização da anamnese interfere na evolução de um paciente na clínica médica, a realização de uma primeira perícia completa e sem negligências é de suma importância para que os exames complementares sejam também eficazes. A partir disso, com uma suspeita em mente, pede-se o método adequado para aquela questão. Tal ponto permite concluir que o exame complementar por si só não é efetivo: requer todo o conjunto que levou à sua necessidade para um resultado mais fidedigno.

5. CONCLUSÃO

Com isso, percebe-se que, se aplicados de forma isolada, os exames complementares abordados são pouco eficazes, visto que seus resultados podem facilmente ser alterados pelas condições do local de morte quando comparados aos resultados de experimentos. Porém, apesar de não transmitirem ainda a segurança necessária aos que usufruem de suas contribuições, são de suma importância para questões específicas, envolvendo principalmente questões do Direito.

Além disso, as informações obtidas a partir dos exames complementares são importantes no que tange à precisão das informações, visto que auxiliam na determinação do tempo de morte.

Portanto, associar o conhecimento teórico, sabendo quando e quais métodos deve-se associar em cada caso, é uma atitude a ser seguida, assim como levar em conta as margens de erro de cada exame complementar utilizado, para que se possa estreitar limites de seus resultados e estimar de forma mais segura o tempo de morte do cadáver.


Referências bibliográficas

  1. Pereira GO, Gusmão LCB. Medicina Legal Orientada. Editora Nossa Livraria, 2ª edição – Maceió, 2012, p.53, p.185-187.
  2. Conselho Federal De Medicina. Resolução nº 1.779/05, de 11 de novembro de 2005.
  3. Rozman MA, Eluf-Neto J. Necropsia e mortalidade por causa mal definida no Estado de São Paulo, Brasil. 2006. Disponível em: <http://iris.paho.org>. Acesso em: 19 set. 2016.
  4. Porto CC. Semiologia Médica. 7ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014, p.7.
  5. Hércules HC. Medicina Legal: texto e atlas. 2ª edição. São Paulo: Editora Atheneu, 2014, p.181-182.
  6. França GV. Medicina Legal. 9ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014, p.445-447.
  7. Barros VA, Da Silva LR. Trabalho e cotidiano no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte.Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 10, n. 16, p. 318-333, 2004. Disponível em: <http://www4.pucminas.br>. Acesso em: 20 set. 2016.
  8. Fittipaldi Jr HM. Avaliação do nível de concordância entre a perícia tenatoscópica e o exame histopatológico no Instituto de Medicina Legal Antônio Persivo Cunha. 2010. p.39-49. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br>. Acesso em: 19 set. 2016.
  9. Garrido RG; Naia MJT. CRONOTANATOGNOSE: A INFLUÊNCIA DO CLIMA TROPICAL NA DETERMINAÇÃO DO INTERVALO POST-MORTEM. Lex Humana, v. 6, n. 1, p. 180, 2014. Disponível em: <http://search.proquest.com>. Acesso em: 19 set. 2016.