Moacyr Vergara de Godoy Moreira
RESUMO
Introdução: A baixa visão ou visão subnormal, ocorre quando há uma perda significativa da visão, bilateralmente (menos de 20% da visão normal), porém mantendo-se alguma funcionalidade. Segundo recente Relatório do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), cerca de quatro milhões de pessoas sofrem deste mal no país. As principais causas são a degeneração macular relacionada à idade (DMRI), o glaucoma e a retinopatia diabética. Atuando com perito judicial nomeado pela 19ª Vara do Trabalho de São Paulo (TRT 2ª Região) realizamos perícia médica para apuração de queixa de perda visual súbita bilateral. Em Petição Inicial, foi apresentada a reclamatória de que a baixa visual apresentada pela parte Autora se devia a uma exposição a agentes ambientais presentes em seu posto de trabalho, que poderia ter causado a doença. A Autora exerceu a função de Auxiliar de Atendimento em um hospital de médio porte na cidade de São Paulo, segundo os autos e a apuração pericial, de 17/08/2011 a 10/09/2014.
Objetivo do trabalho: Apresentar relato de caso de baixa visão súbita bilateral, avaliada em perícia médica judicial, investigando a possibilidade de correlação ocupacional alegada em Petição Inicial.
Método: A partir de um caso de baixa visão (visão subnormal) súbita bilateral, iniciamos investigação do setor em que a Autora se ativou, para entender a possibilidade de risco ocupacional, alegada em Petição Inicial. Foram estudados os documentos apresentados pela parte Reclamada (PPP, PPRA e PCMSO) e verificados os riscos do setor e do cargo (riscos químicos, físicos, biológicos, ergonômicos e fatores estressores que poderiam gerar um risco à saúde mental da autora). Utilizamos o passo a passo sugerido pela Resolução do CFM 1488/98, cuja redação foi modificada pela Resolução do CFM 2015/13, em seu artigo 2º, que enumera as seguintes etapas para o estabelecimento do nexo causal: I – a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; II – o estudo do local de trabalho; III – o estudo da organização do trabalho; IV – os dados epidemiológicos; V – a literatura atualizada; VI – a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; VII – a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; VIII – o depoimento e a experiência dos trabalhadores; IX – os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.
Resultados: Em perícia médica, foram apresentadas avaliações oftalmológicas da Autora: acuidade visual 20/400 à direita e 20/600 à esquerda, tonometria de 18 mmHg bilateralmente, pupila isocórica e mapeamento de retina com papila trófica, sem edema e mácula sem alterações. Os exames gerais afastaram a existência de diabetes ou de outras doenças metabólicas, endocrinológicas ou reumatológicas. A Autora exerceu as atividades de Auxiliar de Atendimento num hospital de médio porte, realizando liberações de senhas junto às centrais de planos de saúde para a realização de procedimentos, exames e internações de agosto de 2011 a setembro de 2012, quando entrou em licença maternidade, e, neste período, não apresentou sintomas. Após retornos ao trabalho, em abril de 2013, começou a notar uma progressiva dificuldade para enxergar, que passou a dificultar suas atividades diária, reduzindo sua acuidade visual para utilização dos terminais de computador. Procurou a avaliação oftalmológica em agosto de 2013, com hipótese diagnóstica de baixa visão (visão subnormal) bilateral a esclarecer, e até o momento não se chegou a um diagnóstico etiológico conclusivo. Foi afastada recebendo benefício de auxílio doença (B31) do INSS de setembro a dezembro de 2013 e retomou suas tarefas, em atividade adaptada até o desligamento em setembro de 2014. Desde então negou a realização de atividades remuneradas e seu estado de saúde permanece inalterado (a acuidade visual permanece de 20/400 à direita e 20/600 à esquerda). O estudo das atividades laborais da Autora apontou para inexistência de riscos ocupacionais específicos: não identificamos riscos físicos, químicos, biológicos ou ergonômicos que pudessem desencadear ou agravar a queixa apresentada. Afastou-se também o risco psíquico: a Autora descreve sua função como uma atividade administrativa, sem a necessidade de cumprimento de metas e entendeu que não se tratava se um ambiente de trabalho estressor ou opressivo. Negou também problemas de relacionamento com colegas de trabalho, pacientes ou chefia.
Conclusão: Em perícia médica trabalhista, solicitada pela 19ª Vara do Trabalho de São Paulo, foi avaliado um quadro de perda visual súbita bilateral. A alegação em Inicial de que a perda visual era relacionada à exposição a fatores ocupacionais nocivos à saúde não foi confirmada. Além de não terem sido identificados fatores ambientais de risco, a Autora havia atuado por quase 2 anos em sua função sem sintomas, que surgiram apenas após o retorno da licença maternidade. Outro fator que corrobora a conclusão é que o INSS, em perícia médica previdenciária, não identificou correlação ocupacional entre a queixa e o labor. Em sentença proferida pelo juízo, foi constatada a inexistência de nexo causal entre a queixa oftalmológica apresentada pela Autora e as atividades laborais desenvolvidas por ela na empresa Reclamada, atuando da função de Auxiliar de Atendimento.