Projeto de pesquisa aprovado pelo comitê de ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), sob o parecer nº 1937994.
Os autores informam não haver conflito de interesse.
COMMON MENTAL DISORDER IN WOMEN VICTIMS OF INTIMATE PARTNER VIOLENCE
Cinthia Emy Endo Amemiya (1)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0486184208028212 – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0841-7794
Luan Salguero de Aguiar (1)
lattes: http://lattes.cnpq.br/4780070112183042 – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2676-8494
Carmen Silvia Molleis Galego Miziara (1)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6916238042273197 – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4266-0117
Mário Ivo Serinolli (2)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0403872913808157 – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2137-7814
Ivan Dieb Miziara (1)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3120760745952876 – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7180-8873
(1) Faculdade de Medicina do ABC, São Paulo, Brasil (Autor principal)
(2) Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil (Autor principal)
E-mail: cinthia.ea@gmail.com
RESUMO
Introdução: Violência contra mulher causada por parceiro íntimo (VPI) é problema de Saúde Pública com proporções epidêmicas. VPI implica transtornos psicossociais que repercutem negativamente na saúde mental das vítimas. Objetivo: Descrever os impactos na saúde mental de mulheres vítimas de VPI, comparando os resultados com grupo controle. Método: Estudo descritivo transversal por aplicação de questionários a mulheres vítimas de VPI e a grupo controle. Questionários avaliaram: transtornos mentais não psicóticos; sociodemografia; e tipo de violência. Resultados: Sem diferenças entre os grupos: idade (p=0,051); cor da pele (p=0,316); escolaridade (p=0,212); número de abortamentos (p=0,096). Com diferenças: classificação socioeconômica (p<0,001); e números de gestações (p=0,0013), partos (p=0,004), filhos (p=0,0009) e de dependentes (p=0,0372). A cor da pele não foi fator de risco (p=0,286) para VPI, mas para transtorno mental (p=0,016) – não brancas têm chances 4,25 maiores de transtorno mental. A violência psicológica foi a mais declarada (100%), isolada (27,9%) ou associada a outras formas de violência. VPI aumenta em 12,64 vezes a chance de transtorno mental. Discussão: VPI predispõe ao adoecimento mental assumindo dimensões preocupantes. A agressão psicológica é a forma mais aplicada de violência que tem por intuito debelar a possibilidade de a vítima romper com o agressor, e a física, que objetiva humilhar e causar sofrimento, foram as mais citadas. Conclusão: VPI está associada a maior taxa transtorno mental não psicótico. A cor da pele não branca não foi fator de risco para a VPI, mas foi para o desenvolvimento de transtorno mental não psicótico.
Palavras-chave: violência por parceiro íntimo, violência doméstica, transtornos mentais.
ABSTRACT
Introduction: Intimate partner violence (IPV) is a serious public health problem of epidemic proportions. IPV involves psychosocial disorders that have a negative impact on victims’ mental health. Objective: To describe the impacts of IPV on women’s mental health, comparing the results with a control group. Methods: Cross sectional descriptive study. Validated questionnaires were used to study and control group. They evaluate common mental health, type of violence, and sociodemographic characteristics. Results: No difference between the groups: age (p=0.051); self-declared skin color (p=0.316); years of education (p=0.212); and abortion (p=0.096). With differences: socioeconomic classification (p<0,001); pregnancy (p=0.0013); childbirth (p=0.004), children (p=0.0009), dependents (p=0.0372). Skin color was not a risk factor for IPV (p=0.296) but it was to common mental health (p=0.016). Non-white has 4.25 greater chances to develop common mental health; psychological violence is most frequent (100%), isolated (27.9%) or associated with other types of violence. IPV increases 12.64 times the chance of mental disorder Discussion: IPV predisposes to mental illness with serious consequences. Psychological abuse, the most common type of violence that aims to maintain control over the victim and the physical abuse, used to humiliate and to cause suffer, were the most cited types of violence. Conclusion: IPV is associated with higher rates of common mental health. Non-white skin color was not a risk factor for IPV, but for the development of common mental health.
Keywords: intimate partner violence, domestic violence, mental disorders.
1. INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é histórica e é considerada problema de Saúde Pública mundial com proporções epidêmicas, representando violação dos direitos humanos fundamentais com consequências físicas, mentais, sexuais e reprodutivas (1-3).
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que 30% de todas as mulheres no mundo sofrem agressões físicas ou sexuais por parceiro íntimo e pelo menos uma dentre três mulheres (35%) será vítima de violência física ou sexual durante a vida, seja esta impetrada pelo parceiro íntimo ou não (4).
Em 2016, no Brasil, foram notificados 83.403 casos de lesões não fatais, dos quais 13.029 envolviam mulheres (5) e 4.645 casos fatais, representando a taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras; as mulheres negras foram as principais vítimas, sendo 71% maior em comparação com as mulheres brancas no período entre 2006 e 2016 (6).
A violência por parceiro íntimo (VPI), também considerada violência doméstica, é uma das formas de violências mais praticadas e com altas taxas de morbimortalidade (7). Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) definem a VPI como “a violência física, violência sexual, perseguição ou agressão psicológica (incluindo atos coercivos) por parceiro intimo atual ou antigo, seja cônjuge ou não” (8).
A violência física é a mais facilmente identificada, pois deixa marcas no corpo da mulher e se expressa de maneira visível, por outro lado, as agressões psicológicas, os abusos sexuais e comportamentos controladores nem sempre são reconhecidos facilmente pela vítima como violações impetradas pelos parceiros, e também são mais difíceis de serem comprovadas, dificultando a credibilidade da denúncia e, consequentemente, subnotificada (1).
Dados do National Intimate Partner and Sexual Violence Survey estima que uma em cada quatro mulheres foi vítima de agressão física, sexual, psicológica ou perseguição cometida pelo parceiro em algum momento da vida (9).
As estatísticas globais da OMS mostram estimativas mais alarmantes: uma em cada três mulheres (35%) é submetida à VPI e 38% dos assassinatos de mulheres têm o parceiro íntimo como o perpetrador (4).
Independentemente do tipo de violência infligida à mulher, seja física, psíquica ou sexual, de forma isolada ou associada (10), as consequências imediatas e mediatas são potencialmente graves, quando não fatais. Quase metade das agressões (42%) resulta em lesões físicas não fatais.
Mulheres que sofreram pelo menos uma vez na vida VPI tiveram mais sofrimento emocional, pensamentos suicidas (odds ratio 2,9 [IC 95% 2,7-3,2]) e tentativas de suicídio (odds ratio 3,8) [IC 3,3–4,5]) quando comparadas a mulheres sem antecedentes de violência (11).
Além das doenças mentais, o uso abusivo de álcool ou de outras drogas são duas vezes mais prováveis de ocorrerem nessa população, dor crônica, quadros gastrointestinais, migrânea, distúrbios menstruais, estresses pós-traumáticos são outas morbidades prevalentes em mulheres vítimas de violência doméstica (12,13).
Múltiplas causas estão envolvidas na VPI, como os fatores individuais, relacionais, comunitários e sociais. A desigualdade de gênero, frequentemente observada na sociedade contemporânea de muitos países, contribui de forma decisiva para o elevado contingente de mulheres submetidas a diferentes tipos e graus de violência, muitas das quais resultantes do “domínio’’ do parceiro. Mulheres com filhos têm duas vezes mais chance de relatarem violência física e sexual pelo parceiro íntimo em comparação a mulheres sem filhos; as más condições econômicas, o baixo nível de escolaridade e as experiências prévias familiares de agressões entre parceiros também são apontados como influenciadores. Não é incomum que filhos que tenham convivido com situações de agressões domésticas entre os pais, na infância, quando adultos, venham a se tornar agressores ou vítimas de companheiros agressores (1, 13-15).
Estudar a VPI é essencial para que a sociedade e, especialmente os profissionais de Saúde, reconheçam os fatores de risco e as principais manifestações da violência, imediatas e tardias, para que possam atender às demandas dessas mulheres o mais adequadamente possível. A sociedade deve requerer políticas públicas que protejam as mulheres e seus filhos de forma efetiva e que mecanismos educacionais sejam implantados com eficiência e eficácia.
O objetivo deste estudo é de descrever os impactos na saúde mental de mulheres vítimas de VPI, comparativamente com grupo controle, e identificar possíveis fatores de risco.
2. MATERIAL E MÉTODO
O estudo foi realizado na Faculdade de Medicina do Centro Universitário Saúde ABC. A população estudada foi composta por dois grupos: mulheres vítimas de violência cometida por parceiro íntimo (grupo de estudo); e mulheres sem antecedente de qualquer tipo de violência (grupo controle). O grupo de estudo foi obtido no Centro de Referência da Mulher Vem Maria, localizado no município da cidade de Santo André – SP – pertencente ao serviço municipal da cidade de Santo André, e nos ambulatórios da Faculdade de Medicina do ABC.
O grupo controle foi composto por mulheres que residiam na cidade de Santo André e a seleção foi por conveniência. Nos dois grupos foram inclusas somente as participantes maiores de 18 anos e capazes de compreender e concordar com o termo de consentimento livre e esclarecido sem auxílio de terceiros. A aplicação dos questionários foi presencial, sem a interferência dos pesquisadores. Não se estabeleceu tempo para o preenchimento, mas as participantes foram orientadas a entregar os questionários respondidos no mesmo dia de seu comparecimento à Faculdade.
Todos os critérios éticos foram adotados e os pesquisadores tiveram o cuidado de não revitimizarem as mulheres. Todas as participações foram voluntárias e, antes de receberem o termo de consentimento e os questionários, elas foram informadas e esclarecidas sobre o estudo, principalmente quanto ao sigilo e à não obrigatoriedade de participação.
Para fins deste estudo, considerou-se parceiro íntimo o companheiro ou ex-companheiro, independentemente de união formal ou não, e o namorado atual ou anterior, desde que tenha havido relação afetiva, seja ela sexual ou não.
Os questionários aplicados, todos validados para a população brasileira, às participantes dos dois grupos foram: questionário sociodemográfico (idade; escolaridade; cor/etnia; situação conjugal; profissão; número de gestações e abortamentos; número de filhos dependentes; e histórico de doença mental); Classificação Econômica Brasil da Associação Nacional de Empresas de Pesquisas (ANEP); WHO-VAW (World Health Organization Violence Against Women) (16) e Self Reporting Questionnaire (SRQ 20) (17).
Análise estatística: para dados não paramétricos, aplicou-se teste U de Mann Whitmann e, para as variáveis paramétricas, o Teste de Schapiro. Variáveis do estudo não paramétricas: os dados categóricos nominais foram analisados pelo teste do qui-quadrado (X2) ou teste binominal; e os categóricos ordinais pelo teste de Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis. Para as variáveis dependentes binárias, aplicou-se o teste de regressão logística. O nível de significância estatística foi de p<0,05 para todas as análises.
3. RESULTADOS
Foram selecionados 83 questionários, 43 do grupo de estudo e 40 do grupo controle. As idades em ambos os grupos foram consideradas em dois níveis: entre 18 anos completos a 25 anos incompletos; e acima de 25 anos. Não houve diferença entre os grupos em relação à idade (p=0,051 – Fisher’s exact), à cor da pele autodeclarada (p=0,316 – Fisher’s exact), ao nível de escolaridade (p=0,212 – Fisher’s exact) e ao número de abortamentos (p=0,096), porém houve diferença quanto à classificação socioeconômica (p<0,001 – Fisher’s exact), aos números de gestações (p=0,0013 – t test), de partos (p=0,004), de filhos (p=0,0009) e de dependentes (p=0,0372) (Tabela 1).
Tabela 1. Distribuição dos dados sociodemográficos das participantes
Variável | Grupo controle | Grupo de estudo | Total | p valor | Test |
n (%) | n (%) | n (%) | |||
Escolaridade | |||||
0 a 8 | 4 (10,0) | 8 (18,60) | 12(14,46) | 0,212 | Fisher’s
exact |
>8 | 36 (90,0) | 35 (81,40) | 71(85,54) | ||
Estado conjugal | |||||
Sem companheiro fixo | 18 (45,00) | 26 (60,47) | 44 (53,01) | 0,117 | Fisher’s exact |
Com companheiro fixo | 22 (55,00) | 17 (39,53) | 39 (46,99) | ||
Idade | |||||
18 a 24 | 23(57,50) | 16 (37,21) | 39 (46,99) | 0,051 | Fisher’s exact |
≥25 | 17(42,50) | 27 (62,79) | 44 (53,01) | ||
Cor da pele referida | |||||
Branca | 20 (50,0) | 18 (41,86) | 38 (45,78) | 0,316 | Fisher’s exact |
Parda | 14 (35,0) | 19 (44,19) | 33 (39,76) | ||
Preta | 2(5,0) | 5 (11,63) | 7 (8,43) | ||
Amarela | 4(10,00) | 1 (2,33) | 5 (6,02) | ||
Trabalho remunerado | |||||
Não | 22 (55,00) | 15 (34,88) | 37 (44,58) | 0,052 | Fisher’s exact |
Sim | 18 (45,00) | 28 (65,12) | 46 (55,42) | ||
Classe social | |||||
Classe D – E (0 – 16 pontos) | 6 (15,00) | 16 (37,21) | 22 (26,51) | <0,001 | Fisher’s exact |
Classe C2 (17 – 22 pontos) | 8 (20,00) | 18 (41,86) | 26 (31,33) | ||
Classe C1 (23 – 28 pontos) | 7 (17,50) | 4 (9,30) | 11 (13,25) | ||
Classe B2 (29 – 37 pontos) | 19 (47,50) | 5 (11,63) | 24 (28,92) | ||
Número de gestações | |||||
Média (desvio padrão) | 0,525 (0,152) | 1,441 (0,224) | 0,0013 | t teste | |
Número de partos | |||||
Média (desvio padrão) | 0,475 (0,143) | 1,186 (0,1889) | 0,004 | t teste | |
Número abortamentos | |||||
Média (desvio padrão) | 0,05 (0,034) | 0,209 (0,085) | 0,096 | t teste | |
Número de filhos | |||||
Média (desvio padrão) | 0,45 (0,138) | 1,27 (0,192) | 0,0009 | t teste | |
Número de dependentes | |||||
Média (desvio padrão) | 0,40 (0,112) | 0,81 (0,156) | 0,0372 | t teste | |
Antecedente de doença mental | |||||
Não | 40 (100,00) | 34 (79,07) | 74 (89,16) | 0,002 | Fisher’s exact |
Sim | 0 (0,00) | 9 (20,93) | 9 (10,84) |
A aplicação do WHO-VAW mostrou que insultos foram citados por todas as mulheres, com consequente desenvolvimento de sentimento de desvalia; a maioria delas também foi depreciada e ameaçada. A violência psicológica foi a forma de agressão mais declarada, sendo esta isolada (27,9%) ou associada às outras formas de violência. Dentre os tipos de violência física, os tapas, os empurrões e os socos foram os mais declarados pelas participantes, porém, outras formas mais agressivas, como queimaduras, tentativa de estrangulamento ou ameaça com arma de fogo estiveram presentes. Violência sexual não foi citada pela maioria das vítimas (Tabela 2).
Tab.2: Distribuição do número de porcentagens de formas de violência de acordo com os resultados do WHO-VAW (World Health Organization Violence Against Women)
Formas de violência impetradas contra as mulheres | n | % |
Violência psicológica | ||
Insultou e fez você se sentisse mal a respeito de si mesma | 43 | 100,00 |
Depreciou e humilhou você diante outras pessoas | 36 | 83,72 |
Fez coisas para assustá-la ou intimidá-la de propósito | 32 | 74,41 |
Ameaçou machuca-la ou alguém que você gosta | 32 | 74,41 |
Violência física | ||
Deu-lhe um tapa ou jogou algo em você que poderia machucá-la | 28 | 65,11 |
Machucou c/soco ou objeto | 22 | 51,16 |
Tentou estrangular ou queimou você | 12 | 27,90 |
Ameaçou usar ou usou arma de fogo, faca ou outro tipo de arma | 14 | 32,55 |
Empurrou -a ou deu-lhe um tranco/chacoalhão | 30 | 69,76 |
Violência sexual | ||
Forçou fisicamente você a manter relações sexuais quando não queria | 10 | 23,25 |
Você teve relação sexual por medo do que ele pudesse fazer | 13 | 30,23 |
Ele forçou você à prática sexual degradante e humilhante | 9 | 20,93 |
Todas as formas acima descritas | 5 | 11,62 |
Nenhuma participante do grupo controle afirmou ter histórico pregresso de doença mental, enquanto nove (10,84%) mulheres do grupo de estudo responderam afirmativamente, com diferença (p=0,002 – Fisher’s exact) entre os grupos.
A avaliação do transtorno mental comum não psicótico, pela aplicação do SRQ 20, mostrou rastreamento positivo em 25 (58,14%) mulheres do grupo de estudo e 9 (22,5%) do grupo controle. Por análise logística binária, demonstrou-se que o grupo que sofreu violência tem razão de chances (odds ratio) 12,64 vezes maior de ter transtorno mental em comparação ao grupo de mulheres que não sofreu violência (p=0,002).
A cor da pele não foi fator de risco para VPI (p=0,286 – teste qui quadrado), mas para a ocorrência de transtorno mental no grupo de estudo (p=0,016), as mulheres não brancas (autodeclarada) têm 4,25 vezes mais chances de terem transtorno mental não psicótico (pontuação acima de 7) em relação às mulheres de pele branca autodeclarada (p=0,026 – análise logística binária). No grupo controle, essa relação não foi significante (p=0,661).
4. DISCUSSÃO
A VPI é uma condição que atinge larga parcela de mulheres em todo o planeta, sendo considerado um, “problema generalizado de Saúde Pública”, conforme a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). No Brasil, semelhante ao Uruguai e ao Panamá, cerca de 20% das mulheres entre 15 a 49 anos serão, em algum momento da vida, submetidas a esse tipo de violência, enquanto na Bolívia, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Haiti, Honduras, Jamaica, Peru, República Dominicana e Trinidad e Tobago essa taxa supera 25% (18).
No presente estudo, os insultos e as depreciações foram as formas ofensivas mais aplicadas pelos agressores, superando as agressões físicas. Esses achados são semelhantes aos obtidos por Ruiz-Pérez et al. (2016), mostrando que o parceiro tem um modus operandi que reduz as possibilidades de resposta das mulheres por torná-las depreciadas e fragilizadas (19). Dessa forma, estabelece-se um ciclo difícil de ser rompido pela vítima (20).
A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) é um serviço oferecido pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos brasileiro, que em 2016 recebeu 140.350 chamadas de mulheres relatando terem sofrido violência. Desse total, 65,91% tiveram como perpetrador o parceiro íntimo; a maioria das agressões denunciadas foi física (50,7%), seguida da psicológica (31,8%) e sexual (5,05%). A maioria das vítimas tinha filhos (78,72%) que presenciaram as agressões domésticas em 82,86%. Em 2017, o número de atendimentos pela Central foi 156.230, dos quais 82.568 foram relatos de violência sem que a vítima autorizasse o registro da denúncia aos órgãos competentes, e 73.668 de denúncias que foram devidamente encaminhadas aos órgãos responsáveis (21,22).
As mulheres submetidas à VPI decidem denunciar mais frequentemente a ofensiva física, sugerindo que as outras formas de agressões impetradas pelo companheiro com quem ela mantém vínculo afetivo são mais “toleradas”, principalmente as sexuais, as quais são, em grande parte, entendidas como obrigações conjugais.
As sequelas deixadas pela violência não comprometem apenas as mulheres, mas também podem se estender aos filhos. Muitas mulheres se submetem ao agressor por longo período de tempo por terem filhos dependentes. Estudos mostram que as crianças expostas à VPI são mais predispostas ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, além de se tornarem agressores na vida adulta, perpetuando essa forma de violência (23, 24).
No grupo estudado, 28 mulheres tinham filhos, das quais 10 tinham mais de três filhos. Um aspecto que deve ser considerado é referente à utilização dos filhos pelo agressor como forma de manipular e submeter a vítima ao seu domínio, principalmente se a mulher for dependente financeiramente dele. Segundo Kelly e Johnson (ano), a manipulação da vítima por meio de intimidações, abuso emocional e econômico, isolamento, uso dos filhos e ameaças associada a agressões físicas são classificados como violência controladora coercitiva, sendo que a maioria dos agressores é homem em relações heterossexuais (25).
A violência pode agravar ou causar transtornos mentais, principalmente o depressivo, ansioso e o de estresse pós-traumático (26). No grupo de estudos, 9 mulheres relataram doença mental pregressa às agressões e 25 (58,14%) do total tiveram rastreamento positivo para transtorno mental não psicótico, denotando que a violência deve ser considerada fator decisivo para o desenvolvimento ou o agravamento de enfermidades mentais; esses achados estão em concordância com Goldin (27) e Mendonça (28).
Dessa forma, as mulheres mais suscetíveis a transtornos mentais se tornam vulneráveis e com menor capacidade de enfrentamento e de se desvincularem do agressor, com consequente maior possibilidade de reincidência de agressões. A taxa de reincidência de VPI varia entre 16% e 47%, de acordo com estudo espanhol (29). Transtornos depressivos e do estresse pós-traumático são consequências frequentemente presentes em mulheres vítimas de VPI (30), especialmente naquelas mulheres que sofreram algum tipo de abuso sexual (31). Para muitas mulheres, os efeitos psicológicos advindos da violência são muito mais impactantes que as lesões físicas sofridas (32).
No grupo estudado, a cor da pele não branca não mostrou influenciar a ocorrência de VPI, mas o desenvolvimento de transtorno mental. A indiferença da cor da pele em associação com a maior incidência de VPI está em desacordo com a literatura médica, em que a violência predomina em mulheres não brancas (33). Por sua vez, existe concordância de nossos achados quanto ao quadro mental, pois o estudo mostra que a questão étnica está associada à maior propensão ao desenvolvimento de baixa autoestima, depressão e ansiedade (34).
5. CONCLUSÃO
As mulheres submetidas à VPI têm 12,64 vezes mais chances de desenvolverem transtornos mentais não psicóticos e as não brancas são mais suscetíveis a essas doenças em comparação ao grupo de mulheres que não sofreu violência.
A cor da pele não branca não foi fator de risco para a VPI, mas para o desenvolvimento de transtorno mental não psicótico.
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