Projeto de pesquisa aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de São Paulo, registrado no SISNEP sob o número 89341118.0.0000.0065.
INTERPRETATION OF MEDICAL FINDINGS IN SUSPECTED CASES OF SEXUAL ABUSE OF MINORS: ANALYSIS OF 13,870 REPORTS
Luan Salguero de Aguiar (1)
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4780070112183042 – ID ORCID: 0000-0002-2676-8494
Beatriz Fernandes Diogo Alves (1)
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7042033002204164 – ID ORCID: 0000-0003-0772-0978
Carmen Silvia Molleis Galego Miziara (1)
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6916238042273197 – ID ORCID: 0000-0002-4266-0117
Ivan Dieb Miziara (2)
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3120760745952876 – ID ORCID: 0000-0001-7180-8873
(1) Faculdade de Medicina do ABC, Santo André – SP, Brasil. (autor principal)
(2)Universidade De São Paulo, São Paulo – SP, Brasil. (autor principal)
email: luan.salguero@gmail.com
RESUMO
A violência sexual é violação da dignidade humana, com graves consequências imediatas e tardias, sem limites geográficos, mas com maior prevalência em países de baixa renda. Ambos os sexos são acometidos, embora com predomínio do feminino. Em geral, menores de 18 anos formam o grupo de maior risco. Este estudo teve por objetivo mostrar os resultados de exames sexológicos quanto à confirmação de violência sexual de crianças e adolescentes, tomando como base os laudos médico-legais realizados nos Institutos Médicos Legais do Estado de São Paulo no ano de 2017. Os dados foram obtidos em laudos de exames sexológicos realizados nos Institutos Médico-Legais do estado de São Paulo. Foram analisados 13.870 laudos, sendo 10.480 de mulheres (média de idade 13 anos) e 3.390 de homens (média de idade 8 anos). Considerando as idades até 18 anos, foram analisados 8.443 laudos de mulheres, com maior incidência entre 12 e 13 anos, e 2.387 de homens, com maior pico de incidência entre 3 e 6 anos. A constatação da violência sexual foi possível apenas em um pequeno grupo. Os dados desse estudo mostram que crianças menores de 12 anos de idade são as vítimas mais vulneráveis à violência sexual, principalmente as do sexo feminino. Apesar de alta a incidência de alegados abusos sexuais, os resultados dos exames médico-legais foram bastante limitados em registrar elementos comprobatórios, fato este também descrito na literatura médica.
Palavras-chave: abuso sexual, estupro, medicina legal, sexologia, violência sexual.
ABSTRACT
Sexual violence it’s a violation of human dignity, with serious immediate and late consequences, with no geographic limitations, but with higher prevalence in countries with low income. Both genders are victimized, although there is predominance in females. In general, individuals younger than 18 are in greater risk. This study aims to show the results of sexological examination following allegations of sexual violence in children and teenagers, based on data from medical reports of the Legal Medical Institutes of the State of São Paulo in 2017. The analysis included 13.870 reports, in which 10.480 were female victims (average age 13) and 3.390 men (average age 8). Considering only reports of victims younger than 18, 8.443 reports were of female victims, with greater incidence between 12 and 13 years old, and 2.387 of male victims, with greater incidence between 3 and 6 years old. The evidence of violence was possible only in a small group. The data of this study shows that children under 12 years old are the most vulnerable victims of sexual violence, especially girls. Despite the high incidence of alleged sexual abuse, the results of sexological exams were very limited in registering supporting elements, a fact recorded in medical literature.
Keywords: sexual abuse, rape, forensic medicine, sexology, sexual violence.
1. INTRODUÇÃO
Maus tratos contra a criança e adolescente são reportados na literatura médica desde o século VIII, mas foi Ambroise Tardieu, em 1860, que descreveu pela primeira vez a síndrome dos maus-tratos contra a criança (1). Ainda hoje, o incompleto conhecimento deste evento perdura, impossibilitando que muitos diagnósticos sejam alcançados.
Diversas são as formas de violências aplicadas às crianças e aos adolescentes, entretanto a violência sexual, sem dúvida, implica em consequências graves imediatas e tardias, sendo ela mesma considerada problema de saúde pública.
Embora a violência sexual afete indivíduos de todas as idades, a maioria das vítimas é criança ou adolescente. Estima-se que anualmente, em todo o planeta, uma em cada cinco meninas e um entre 13 meninos sejam abusados sexualmente (2).
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), violência sexual é a concretização ou a tentativa de manter atividade sexual sem o consentimento da vítima, independentemente da relação afetiva entre as partes (3). Por sua vez, no Brasil, desde 2009, estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, considerando a idade superior a 14 anos de idade. Mas quando se trata de pessoa com menos de 14 anos é definido como “estupro de vulnerável” (4), “sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente” (5).
Por conjunção carnal se entende a cópula carnal com ou sem ejaculação e, por ato libidinoso diverso da conjunção carnal, todas as práticas em que o agressor satisfaça completa ou incompletamente “seu apetite sexual” (6-7).
No mundo, 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos menores de 18 anos foram forçados a manter conjunção carnal ou sofreram outras formas de abuso sexual com envolvimento de contato físico (8-9), representando, conforme estudo de metanálise que analisou 65 estudos de 22 países, a estimativa de que 7,9% dos meninos e 19,7% das meninas foram vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos de idade (10). Estudo americano mostrou que 11% das meninas e 4% dos meninos do ensino médio foram forçados, em algum momento da vida, a fazer sexo (11).
Estima-se que mais de um bilhão de crianças sofra algum tipo de violência a cada ano no mundo e que a prevalência de abuso sexual autorrelatado pela criança seja 30 vezes menor ao que é referido oficialmente (12). Nos Estados Unidos da América (EUA), somente cerca de 15% do total de estupro são citados à polícia (13). Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostraram que em 2011, 18% das meninas e 8% dos meninos foram submetidos à violência sexual em todo o mundo (14).
Nos países africanos estão as maiores taxas de prevalência de abuso sexual contra a criança e o adolescente (34% das meninos e 21,1% a 50,7% das meninas), na Europa e nos Estados Unidos da América a taxa é menor (9,2% dos meninos e 6,8% a 12,3% das meninas) (10).
A comprovação da violência, assim como a identificação irrefutável do agressor, não é tarefa fácil (15). “A finalidade do exame pericial médico legal é prover a Justiça de elementos materiais do ato ilícito que requeiram procedimentos médicos” (7). Basicamente, o que se busca na perícia são as evidências de que houve conjunção carnal ou outro ato libidinoso, para a correta materialização do crime de estupro. No primeiro caso (i.e, conjunção carnal), a evidência se dá pelo achado de “rotura himenal, presença de esperma na vagina ou gravidez” (7). As evidências de outros atos libidinosos são mais difíceis, pois esses não deixam vestígios com tanta frequência. “A perícia aqui visa demonstrar a presença de atos libidinosos que não a conjunção carnal. Entre esses é fundamental o encontro de espermatozóides, seja em outras partes do corpo que não a vagina, seja nas roupas da vítima”. De outro lado, achados de violência física como lesões corporais podem corroborar o histórico fornecido pela vítima, robustecendo os achados periciais (7).
Os conhecimentos de comportamentos sexuais normais e anormais, de sinais clínicos de violência sexual, dos testes diagnósticos para detecção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e dos diagnósticos diferenciais de lesões em regiões genitais podem ser úteis na avaliação das crianças e adolescentes com suspeita de abuso (16).
Desse modo, o objetivo do presente artigo foi mostrar os resultados de exames sexológicos quanto à confirmação de violência sexual de crianças e adolescentes, tomando como base os laudos médico-legais realizados nos Institutos Médicos Legais do Estado de São Paulo no ano de 2017
2. MATERIAL E MÉTODO
Estudo transversal descritivo realizado por levantamento de dados contidos no sistema gestor de laudos (GDL) da Superintendência da Policia Técnico-Científica do Estado de São Paulo no ano de 2017. As variáveis analisadas foram: idade, sexo; exame físico (lesões corporais); exame sexológico; pesquisa direta de espermatozoides em cavidade vaginal, anal, oral ou pelo. Os critérios de inclusão foram os laudos de exames médico-legais para constatação de violência sexual que continham as variáveis estudadas. Esse estudo foi aprovado pela Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de São Paulo. Todas as normas éticas foram adotadas conforme a determinação do Resolução do Conselho Nacional de Saúde. Análise estatística: As distribuições foram definidas como não paramétricas pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, no qual foram utilizados para as comparações o Teste Qui-Quadrado ou Teste U de Mann Whitmann, o mais adequado para cada análise, a partir do programa estatístico SPSS® versão 17.0 (SPSS® Inc; Ilinois, USA).
3. RESULTADOS
A pesquisa no GDL (banco de dados da Superintendência da Polícia Técnico Científica do Estado de São Paulo), tomando como referência o ano de 2017, resultou em 13.870 laudos de exames sexológicos por suspeita de violência sexual. A idade das vítimas variou de 1 (um) a 92 anos, sendo 10.480 do sexo feminino (média de idade de 13 anos) e 3.390 do sexo masculino (média de idade de 8 anos). Deste total, foram selecionados 11.725 (84,53%) laudos de vítimas com menos de 18 anos de idade (média de 9,2 anos – DP 4,44), sendo 8.443 (72%) laudos de mulheres (pico de idade entre 12 e 13 anos) e 3.282 de homens (pico de idade entre 3 e 6 anos), com diferença de idade entre os grupos (p valor < 0,001 – Teste Qui-Quadrado).
Do total de 11.725 laudos, em 1.735 (14,8%) houve confirmação de abuso sexual pelo médico, 113 laudos de homens e 1.622 de mulheres). As idades mais afetadas foram entre 3 e 5 anos no grupo masculino e dos 11 aos 14 anos no grupo feminino (p<o,oo1 0 Teste Qui-quadrado).
Em 321 (2,7%) laudos foram descritas as presenças de lesões corporais, dos quais 248 (7,6%) eram de vítimas masculinas e 73 (0,9 %) de femininas, com diferença entre os dois grupos (p valor < 0,001 – Teste Qui-Quadrado). As lesões mais frequentes foram as equimoses e as escoriações em membros superiores (203) e inferiores (118), seguidas pelas equimoses e fissuras na região anal (119), equimoses penianas (61) e cicatriz em região peniana (30). Em 210 laudos havia a descrição de mais de um tipo de lesão corporal.
As confirmações de ato libidinoso diverso da conjunção carnal foram aferidas em 153 (1,3%) laudos, dos quais 113 de meninos e 40 de meninas, e de conjunção carnal foram em 1.582 laudos (13,5%). As idades em que houve maior taxa de confirmação do ato libidinoso por meio de exame médico-legal, portanto a prática sexual diversa da conjunção carnal, foi em torno dos 14 anos de idade e a de conjunção carnal foi entre 12 e 13 anos (p valor < 0,001 – Teste Kolmogorov – Smirnov).
Em 64,3% dos casos os peritos não encontraram elementos médicos objetivos que corroborassem com a alegada violência sexual e, em 19,8% os dados médicos encontrados foram indeterminados, portanto, embora presentes anormalidades ao exame médico-legal elas não foram suficientes para assegurar a ocorrência de violência sexual.
Menores de 14 anos de idade
Analisando somente os laudos de menores de 14 anos, foram selecionados 9.475 de um total de 13.870, representando 68,31% de todos os laudos analisados. Destes, 6.469 (68,27%) eram de meninas. A média de idade das vítimas foi de 7,79 anos (DP 3,68), mas quando analisamos os sexos separadamente, a média de idade mostra diferença entre os grupos (p valor < 0,001 – Teste Qui-Quadrado). A idade média dos meninos foi de 3 a 7 anos e das meninas 12 anos. Da mesma forma, houve diferença entre os sexos quanto à presença de lesão corporal (p valor > 0,001 – Teste Binominal), com predomínio no grupo masculino.
Em 275 (2,9%) dos laudos foram descritas lesões corporais, com diferença entre os sexos, pois no grupo masculino esses achados foram mais frequentes (p<0,001). A distribuição das lesões foi semelhante às descritas para o grupo de vítimas menores de 18 anos de idade.
Dos 6.469 laudos sexológicos de menores de 14 anos, em 23,8% (1.537) foram descritas a presença de anormalidades ao exame, destes em 801 laudos a conjunção carnal foi comprovada por rotura himenal e em dois casos a comprovação se deu pela gestação. A pesquisa de espermatozoide foi positiva em 614 casos em que houve a conjunção carnal e 102 casos de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Lesão anal foi descrita em 34 laudos.
Os resultados mostram que a confirmação médico-legal do alegado estupro foi mais prevalente em meninas com idade de 11 a 13 anos (p valor < 0,001 – Teste Qui-Quadrado.
4. DISCUSSÃO
Qualquer tipo de violência aplicada às crianças ou aos adolescentes é crime contra a dignidade humana de largas proporções, devendo ser notificado compulsoriamente, mesmo se suspeito, em todo o território nacional, conforme o Estatuto da Criança e Adolescente (17).
Idade e sexo das vítimas
Nossos resultados mostraram que as principais vítimas de violência sexual foram do sexo feminino e com idade inferior a 13 anos, achados estes compatíveis com a literatura médica (13, 18-25). Dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que em 2018, no Brasil, 68% dos casos de estupros registrados no sistema de saúde eram de vítimas menores de idade, dos quais dois terços tinham menos de 13 anos, grupo este mais vulnerável a estupro coletivo (13). No grupo masculino, as idades mais acometidas foram entre 3 e 6 anos, resultados estes compatíveis com outro estudo realizado por Platt et al. (2018). Os autores levantaram as notificações de casos suspeitos e confirmados de abuso sexual no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), de janeiro de 2008 a dezembro de 2014, e concluíram que as faixas etárias entre 10 e 15 para as mulheres e de 2 a 6 anos para os homens foram as mais acometidas (26).
Dificuldades comprobatórias do crime
Apesar do crescente desenvolvimento de técnicas diagnósticas, a obtenção da prova médica inequívoca do estupro ainda é muito difícil, pois ela pode ser influenciada por inúmeros fatores externos, dados às peculiaridades desse crime. Desta forma, muitos exames médico-legais não logram em comprovar o fato, sendo apenas o relato da vítima o único elemento do crime (27), portanto a ausência de elementos médicos comprobatórios não implica em falha técnica de investigação médica (28). Uma vez que o principal preditor de violência sexual é o intervalo entre a agressão e o exame médico pericial forense (29).
Muitas crianças e adolescentes submetidos à violência sexual não divulgam, mantendo indefinitivamente em segredo a violência sofrida, ou demoram para revelar (30). Estima-se que metade das mulheres agredidas sexualmente demora em média cinco anos para denunciar a violação (31) e as crianças entre 6 e 17 anos, com a média de 17 meses. As principais justificativas pela demora foram a vergonha, ameaças do perpetrador e o medo da falta de amparo (32). Comparando os sexos, as meninas (81%) costumam revelar o crime com mais frequência que os meninos (69%) e, em geral o fazem para as colegas ou para os familiares com quem tem proximidade (33).
Interpretando os achados médico-legais
No nosso estudo, as lesões observadas nos laudos, como as escoriações, equimoses, fissuras e cicatrizes, não permitiram a confirmação do abuso sexual. Da mesma forma que a presença de rotura himenal, gestação ou presença de espermatozoide em alguma parte do corpo da vítima não implica necessariamente em ocorrência de violência, quando estamos diante de supostas vítimas maiores de 14 anos de idade. Entretanto, os exames foram realizados a pedido de autoridade policial ou judicial por existir possibilidade de violência.
Muitas lesões observadas nos exames sexológicos não traduzem o fato de abuso sexual. Nas investigações de supostos abusos sexuais de mulheres, o exame do hímen costuma ser bastante valorizado, entretanto, os resultados encontrados não são “precisos ou confiáveis”, exceto quando outros achados clínicos possam reforçar a possibilidade de ter havido a violência (34).
Adams et al. (2006) publicaram artigo em que abordaram os principais achados clínicos e laboratoriais auxiliadores no diagnóstico de suspeita de abuso sexual de crianças (35). De acordo com os autores, os achados podem variar desde condições normais (variantes da normalidade) até sinais de trauma e ou contato sexual. Descrevem os autores as principais lesões presentes nas regiões genitais que são consideradas suspeitas pelos e que desencadeiam todo o processo de investigação. Dentre elas temos: eritemas; dilatação de vasos sanguíneos; adesão labial; secreção vaginal; escoriações e sangramentos por eczema ou seborreia, por exemplo; prolapso uretral, hemangiomas; fissuras anais; pregas anais achatadas por relaxamento do esfíncter externo ou edema local; dilatação anal parcial ou completa inferior a 2 centímetros que pode ocorrer em encoprese, sedação/anestesia ou condição neuromuscular.
A busca de evidência de material biológico se torna um bom aliado na obtenção de elementos comprobatórios do contato sexual e da identificação do possível agressor, especialmente quando o exame médico-legal é realizado nas primeiras 72 horas após o evento (36).
Entretanto, a obtenção do material deve seguir normas rigorosas (guidelines ou protocolos) especialmente quando se pretende pesquisar o DNA. Os principais materiais biológicos a serem analisados são: a) sêmen presentes em até 72 após o contato sexual vaginal, 24 horas anorretal e 6 horas oral (35). A meia vida do sêmen é menor nas meninas pré-púberes devido à escassez de muco cervical; b) espermatozoide sob microscopia óptica em lâminas coradas com azul de metileno, hematoxilina eosina, Christmas Tree etc. Os espermatozoides podem não ser identificados em caso em que o agressor fez uso de preservativo ou tem azoospermia/vasectomizado ou no material obtido em mancha seca. Nestes casos, é possível aplicar o teste de Florence Iodine que identifica a coline após a adição de reagente iodado; c) Fosfatase ácida seminal (PA), a qual pode ser identificada nas condições em que os espermatozoides estão ausentes; d) Antígeno prostático específico (PSA), que pode ser encontrado em vários tecidos humanos, inclusive de mulheres (37).
Em muitos casos de abuso sexual, inexistem lesões físicas ou presença de vestígios deixados pelo agressor. Quando se trata de crianças, geralmente não costuma ocorrer penetração e, quando ocorre, a ejaculação pode ocorrer fora da cavidade (27), justificando o dado encontrado sobre a faixa etária de até 10 anos representar maior dificuldade de comprovação no sexo feminino. Nossos achados mostram baixam índice de positividade e pesquisa de espermatozoide.
Aspectos doutrinários e legais
A doutrina médico-legal brasileira estabelece que a conjunção carnal é compreendida “como uma das espécies do extenso gênero ato libidinoso”, somente sendo considerada na cópula homem e mulher e quando os sinais certos de rotura himenal, presença de esperma na vagina ou gravidez estão presentes (38).
O aspecto legal a ser considerado diz respeito ao estupro de vulnerável. A lei nº. 12.015/2009, determina que manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, sem estabelecer ressalvas quanto à idade ou ao sexo do parceiro ou do consentimento da criança/adolescente (4). Desta forma, ambos os sexos podem ser vítimas de estupro e a presença de rotura himenal e gravidez em menor de 14 anos, seguramente, é estupro, devendo ser notificado evocado o Conselho tutelar (17).
5. CONCLUSÃO
Os dados desse estudo mostram que crianças menores de 12 anos de idade são as vítimas mais vulneráveis à violência sexual, principalmente as do sexo feminino. A análise separadamente os sexos, no grupo feminino a idade mais prevalente foi dos 12 aos 13 anos e no masculino foi de 3 a 7. A obtenção de evidências médicas conclusivas do alegado ato violento não é tarefa fácil. Neste estudo, foi mostrado que, apesar da alta incidência de alegados abusos sexuais contra menores de 18 anos, sobretudo abaixo dos 14 anos de idade, os resultados dos exames médico-legais foram bastante limitados em registrar elementos comprobatórios, fato este compatível com os da literatura médica.
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