Os autores informam não haver conflito de interesse.
ADMINISTRATIVE MEDICAL EXAMINATION: EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF THE PUBLIC SERVANTS WITH SICK LEAVE AND WORK DISABILITY DUE TO MENTAL AND BEHAVIORAL DISORDERS, FROM MARCH TO AUGUST IN 2019, OF THE CITY OF ARACAJU, SERGIPE, BRAZIL.
Thayane Sobral Cardoso (1)
http://lattes.cnpq.br/6014957504504518 – https://orcid.org/0000-0002-1592-8958
Antônio Souza Lima-Júnior (2)
http://lattes.cnpq.br/2748423473735922 – https://orcid.org/0000-0001-6436-824
Kleber Cristian Albuquerque de Santana (3)
http://lattes.cnpq.br/9209752798069371 – https://orcid.org/0000-0002-5634-3737
(1) Fundação de Beneficência Hospital de Cirurgia – FBHC, Aracaju – SE, Brasil. (main author)
(2) Universidade Tiradentes, Aracaju – SE, Brasil. (main author)
(3) Perito Médico Federal e Perito Médico Oficial da Prefeitura de Aracaju. Aracaju-SE, Brasil. (main author)
E-mail: peritomed.klebersantana@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil epidemiológico dos servidores licenciados por CID-F (transtornos mentais e comportamentais), no período supracitado. Método: descritivo transversal, por exame mental e análise de prontuários para constatar o diagnóstico do médico assistente. Amostra: 85 periciados com atestados de afastamento ou readaptação, entre março-agosto de 2019. Gênero: 84,7% mulheres e 15,29% homens. Idade: nenhum<20 anos, 1,17% 20-30, 31,76% 30-40, 42,35% 40-50, 22,35% 50-60 e 2,35%>60. Os CID-F mais prevalentes (63,52%): transtornos neuróticos, estresse e somatoformes; F43.2 (12,94%), F31, F32, F41.1 e F43.0-10,58% cada. Profissões mais prevalentes: professores (25,88%), auxiliares de enfermagem (18,82%) e agentes comunitários de saúde (10,97%). Tempo de licença: 17 readaptações, 34<30 dias, 27 de 30-60, 6 de 60-90 e 1 licença>180; zero indeferimento e nenhum caso de 90-120/ 120-180 dias. 25% foram licenciados pela primeira vez, nos últimos 5 anos, por CID F, enquanto 75% eram reincidentes. 93% fazia uso de psicotrópicos, exceto benzodiazepínicos, e 53% faziam uso de benzodiazepínicos. 78,82% dos atestados foram emitidos por psiquiatras. A saúde mental foi relevante causa de absenteísmo dos servidores municipais. Estes achados devem servir para fomento de políticas de atenção, prevenção e promoção da saúde dos servidores públicos.
Palavras-chave: transtorno mental, perícia médica, saúde mental, servidor público, incapacidade laborativa.
ABSTRACT
The purpose of the study was to evaluate the epidemiological profile of the public servants of Aracaju removed from work due to mental and behavioral disorders. A descriptive, exploratory cross study based in clinical-occupational exam, besides the medical record. Sample: 85 servants with sick leave or functional rehabilitation, to stablish concordance with the diagnosis by the physician. 84,7% female and 15,29% male. Age range: zero under 20 years old, 1,17% 20-30, 31,76% 30-40, 42,35% 40-50, 22,35% 50-60 and 2,35% above 60. International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD: the most prevalent 63,52% – neurotic, stress related and somatoform disorders, F43.2 – 12,94%, F31, F32, F41.1 and F43.0 – 10,58%, each one. The most stricken professionals: primary teachers 25,88%, nursing assistants 18,82% and community health workers 10,97%. Duration of the medical leave granted: 17 function rehabilitation, 34 sick leaves under 30 days, 27 of 30-60, 6 of 60-90 and 1 above 180. No sick leave was refused and none in the interval of 90-120 and 120-180 days. 25% in their first sick leave in the last 5 years due to ICD-F, whereas 75% had previous. 93% were in use of psychotropics, except benzodiazepines, whilst 53% in use of benzodiazepines. 78,82% of the statements by psychiatrists. The results evidence that mental health is an important cause of absenteeism. The interpretation of these findings may hereafter serve as source formulations of policies and programs focused on the prevention and promotion of the occupational health for servants.
Keywords: mental disorders, forensic medicine, mental health, public servant, work disability.
1. INTRODUÇÃO
A relação do homem com o trabalho tem sido estudada pela ciência há diversos anos. O trabalho, algo tão fundamental na vida das pessoas, traz consequências para a integridade física, psíquica e social e pode funcionar como uma via de mão dupla: de um lado, serve como atividade produtiva, fonte de subsistência, de posição social e de prazer; de outro, se completamente desprovido de significados ou valorização, se não houver mínimo suporte social ou quando representa fonte de ameaça à integridade, pode desencadear sofrimento psíquico e contribuir para o adoecimento (21).
Ao longo dos anos, a ciência tentou uniformizar os termos técnicos para melhor descrição e padronização dos problemas relacionados à saúde, hoje em dia descritos no Código Internacional das Doenças – CID, que é publicado pela OMS (28) e hoje encontra-se em sua 11ª edição. Entretanto, a 11ª edição só entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022, então, para o presente estudo, foi adotado ainda a categorização do CID-10. O CID-10 constitui-se em uma lista de doenças representada pelas letras do alfabeto seguidas de números para diferenciação dos subgrupos. No capítulo “F”, encontram-se transtornos mentais e comportamentais que serão o foco deste trabalho.
A categoria de trabalhadores servidores públicos está presente em todos os países do mundo, a despeito da forma de organização política. Representam o elo entre governo e população, sendo essencial para as políticas públicas. Essa classe teve seu fortalecimento após a Segunda Guerra Mundial – aumento das demandas por serviços sociais gratuitos e iguais para todos. No Brasil, houve um aumento do número de servidores públicos, sobretudo, na última década, principalmente na esfera municipal. Atualmente, correspondem a 10% da força de trabalho total do nosso país (França = 20%; Dinamarca = 30%).
Conforme relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) (28), atualmente, os maiores desafios encontrados na saúde do trabalhador estão focalizados nos problemas relacionados à saúde ocupacional, à crescente morbidade dos trabalhadores e aos afastamentos por licença médica.
Em 1991, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (27) definiu o absenteísmo como a “não presença ao trabalho por parte de um empregado que se pensava estar presente, excluídos os períodos de férias e de folgas”; em 1994, definiu o absenteísmo de causa médica como o período de ausência laboral que se aceita como atribuível a uma incapacidade do indivíduo, exceção feita para aquela derivada de gravidez normal ou prisão; podendo ser atribuído a uma doença ou lesão acidental, como medida para evitar a propagação de doenças transmissíveis, ou, ainda, variando desde um mal-estar até uma doença grave.
O termo “absenteísmo” tem origem francesa (absentéisme) = “falta de assiduidade ao trabalho ou a outras obrigações sociais”. O absenteísmo é o indicador que representa as faltas em relação ao número de dias úteis previstos de trabalho. Seus principais tipos (motivação) são: voluntário – por razões particulares não justificadas; por doença: incluídas todas as doenças, exceto as decorrentes do trabalho; por patologia profissional: acidentes de trabalho ou doenças profissionais; legal – para as faltas amparadas por leis (ex: doação de sangue, convocação para Tribunal do Júri, etc); e compulsório – devido ao impedimento ao trabalho por prisão ou outro motivo que restrinja a chegada ao local de trabalho.
A problemática do absenteísmo revela-se como importante indicador não somente do perfil do adoecimento, mas também das condições de trabalho e do clima organizacional. Está consolidada a concepção de que o absenteísmo é um sério problema para as organizações tanto pela interrupção dos processos de trabalho, como também pelo aumento das tarefas e carga horária entre os não-absenteístas, redução de produtividade e pelo impacto negativo também na prestação de serviços e na satisfação dos usuários e outros trabalhadores.
No mundo do trabalho, a ocorrência do absenteísmo-doença de modo indiscriminado, revela as condições de saúde e de trabalho; em particular no serviço público, afeta a continuidade de atividades consideradas essenciais ou relevantes para os cidadãos, bem como onera os cofres públicos, tanto pela não produtividade quanto pelas despesas necessárias para a reabilitação do servidor.
O objetivo principal deste estudo é analisar o perfil epidemiológico dos funcionários da Prefeitura Municipal de Aracaju, capital do Estado de Sergipe, afastados do trabalho por transtornos mentais, tendo em vista que os transtornos mentais e comportamentais estão entre as maiores causas de afastamento do trabalho em servidores públicos e também que existem poucos artigos e trabalhos científicos publicados sobre esse tema tendo como foco de estudo o município de Aracaju. A análise englobará parâmetros como: sexo, faixa etária, profissão, CID, tempo de afastamento concedido, presença de afastamento prévio por CID-F e por outros CID, uso de psicotrópicos, atestado emitido por psiquiatra ou não.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. A importância do trabalho para o homem
O exercício do trabalho faz parte do crescimento do ser humano, incidindo diretamente em seu autoconhecimento, nas relações interpessoais, em sua qualidade de vida e em suas movimentações financeiras (23). Tem-se, portanto, que o trabalho está presente em toda a existência do ser humano. O prazer no trabalho pode ser entendido como o resultado dos sentimentos de utilidade e produtividade.
É possível dizer que gozam de saúde mental aqueles indivíduos que tenham a capacidade de realizar atividades produtivas e satisfatórias, bem como de estabelecer vínculos sadios com outrem em seu ambiente laboral.
2.2. Epidemiologia dos transtornos mentais na relação com o trabalho
É evidente que pessoas com sofrimento psíquico ou doença mental têm a capacidade para o trabalho comprometida. O sofrimento psíquico tem sido uma das maiores causas de afastamento das atividades laborais e de perda de dias no trabalho, tornando-se, assim, um desafio no mundo atual (21).
Os casos leves causam perda de quatro dias de trabalho/ano e os graves cerca de 200 dias de trabalho/ano, em média (Demyttenaere et al, 2004). Esses quadros são frequentes e comumente incapacitantes, evoluindo com absenteísmo pela doença e redução de produtividade (Nieuwenhuijsen et al, 2006).
Alguns estudos apontam que nove em cada dez brasileiros no mercado de trabalho apresentam sintomas de ansiedade, do grau mais leve ao incapacitante (37). Cerca de metade (47%) sofre de algum nível de depressão, recorrente em 14% dos casos. A depressão é um transtorno de humor de prevalência crescente, capaz de reduzir a produtividade do indivíduo em 10% e considerada uma das doenças mais incapacitantes do mundo. No Brasil, atinge 11,5 milhões de pessoas e é uma das maiores causas de afastamento do trabalho (4).
Em todo o mundo, os gastos relacionados a transtornos emocionais e psicológicos podem chegar a 6 trilhões de dólares até 2030, mais do que a soma dos custos com diabetes, doenças respiratórias e câncer, apontam estimativas do Fórum Econômico Mundial. A previsão pode ser subestimada, já que dois terços dos indivíduos não procuram auxílio médico especializado.
A OMS (28) alerta que uma em cada quatro pessoas sofrerá com um transtorno da mente ao longo da vida. Apesar dos números, são raras as empresas ou instituições públicas que mantêm um programa de saúde psíquica e emocional para seus funcionários.
2.3. CID 10 e os transtornos mentais
CID-10 é um sistema classificatório da OMS (28) e constitui-se em uma lista de doenças representadas pelas letras do alfabeto, seguidas de números para diferenciação dos subgrupos. No capítulo “F” encontram-se as síndromes e transtornos mentais e comportamentais.
A CID é adotada em todos os países do mundo, exceto pelos americanos, que usam um sistema classificatório próprio, chamado DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, que atualmente encontra-se na 5ª edição (1).
3. MÉTODO
Estudo descritivo transversal mediante exame mental e análise do prontuário eletrônico. A população estudada foi composta por 85 servidores da Prefeitura Municipal de Aracaju, que apresentaram atestados médicos solicitando afastamento ou readaptação profissional, entre o período de março a agosto de 2019, por transtorno mental. Cada periciado era avaliado somente uma vez, por um médico perito, momento no qual eram feitos anamneses e exames psíquicos, para avaliar a adequação e concordância do diagnóstico sugerido pelo médico assistente. Se o mesmo periciado se apresentava para avaliação mais de uma vez dentro desse período, somente era computada a primeira avaliação feita. O médico perito, dentro dos seus pressupostos legais, poderia alterar tanto o CID aventado pelo médico assistente, assim como o número de dias de afastamento solicitados, ou ainda, não reconhecer a incapacidade laborativa em nenhum grau (licença indeferida).
Os parâmetros pesquisados foram: sexo, faixa etária, profissão, subgrupos de CID-F, tempo de afastamento laboral concedido, presença de afastamentos laborais nos últimos 5 anos por CID-F e/ou por outros CID, uso de psicotrópicos – exceto benzodiazepínicos, uso de benzodiazepínicos, e especialidade do profissional que forneceu o atestado.
Os transtornos mentais e comportamentais são divididos em dez grupos – entre F00 e F99, de acordo com a CID-10, sendo: transtornos orgânicos (F00 a F09); transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas (F10 a F19); esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes (F20 a F29); transtornos do humor – afetivos (F30 a F39); transtornos neuróticos relacionados com o estresse e somatoformes (F40 a F49); síndromes comportamentais (F50 a F59); transtornos da personalidade (F60 a F69); retardo mental (F70 a F79); transtornos do desenvolvimento psicológico (F80 a F89); transtornos do comportamento e emocionais que aparecem habitualmente na infância ou na adolescência (F90 a F98); e transtorno mental não especificado (F99).
Os dados coletados foram tabulados com base em um dicionário de códigos criado para esse estudo em planilhas eletrônicas do Excel.
4. RESULTADOS
Foram realizadas 85 avaliações ao longo dos 6 meses de estudo. Dos periciados examinados, 84,7% (72) eram mulheres e somente 15,29% (13) eram do sexo masculino.
Em relação à idade (tabela 1), não houve periciado entre 18-20 anos na amostra. Entre 20-30 anos, somente 1; entre 30-40 anos, 27 periciados; entre 40-50 anos, 36 periciados; entre 50-60 anos, 19 periciados; 60-70 anos, 2 periciados.
18-20 anos | 0% |
20-30 anos | 1,17% |
30-40 anos | 31,76% |
40-50 anos | 42,35% |
50-60 anos | 22,35% |
60-70 anos | 2,35% |
Na categoria transtornos mentais orgânicos (F00-F09), foi encontrado 1 periciado.
Na categoria Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substâncias psicoativas (F10-F19), foram encontrados 3 periciados, sendo 2 por uso de álcool e 1 por uso de múltiplas substâncias.
Na categoria esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (F20-F29), não foi encontrado nenhum periciado.
Na categoria transtornos do humor (F30-F39), foram encontrados 26 periciados, o que equivale a 30,58% da amostra. Destes, 10,58% tinham transtorno afetivo bipolar, 10,58% episódio depressivo unipolar e 9,41% transtorno depressivo recorrente. Dos periciados que apresentavam transtorno afetivo bipolar, 1 encontrava-se em hipomania, 2 em episódio depressivo leve a moderado, 3 em episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos, 2 em episódio misto e 1 com quadro em remissão.
Já dos que possuíam diagnóstico de episódio depressivo unipolar, 2 apresentavam episódio leve, 2 episódio moderado, e 5 episódio grave sem sintomas psicóticos.
Na categoria transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (F40-F49), foram encontrados a maioria dos periciados: 54 servidores, o que equivale a 63,52% do total da amostra. Dentro desta categoria, os principais diagnósticos foram: F43.2 (transtornos de adaptação) com 12,94%, F41.1 (transtorno de ansiedade generalizada) com 10,58%, F43.0 (reação aguda ao estresse) com 10,58% e F41.2 (Transtorno misto ansioso e depressivo) com 8,23% da amostra.
Na categoria síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos (F50-59), não foi encontrado nenhum periciado.
Na categoria transtornos da personalidade e do comportamento do adulto, foi encontrado 1 periciado com F60.3 (transtorno de personalidade com instabilidade emocional).
Nas categorias retardo mental (F70 a F79), transtornos do desenvolvimento psicológico (F80 a F89), transtornos do comportamento e emocionais que aparecem habitualmente na infância ou na adolescência (F90 a F98), e transtorno mental não especificado (F99), não foram encontrados periciados.
Dentre os profissionais de nível superior, 22 periciados eram professores, 6 médicos, 3 assistentes sociais, 3 enfermeiros, 2 psicólogos, 1 educador social e 1 fiscal de obras.
Dos cargos que exigiam nível técnico, foram avaliados 16 auxiliares de enfermagem, 3 técnicos de enfermagem e 2 auxiliares de saúde bucal.
Nos cargos que exigem nível médio, evidenciaram-se 9 agentes comunitários de saúde, 5 auxiliares administrativos, 3 agentes administrativos, 2 recepcionistas, 2 motoristas, 2 guardas-municipais, 1 agente de endemias, 1 agente de vigilância em saúde e 1 cuidadora de creche.
De modo geral, as profissões mais acometidas foram professores (25,88%), auxiliares de enfermagem (18,82%) e agentes comunitários de saúde (10,97%).
Em relação ao tempo de licença médica concedido, foram 17 readaptações de função (iniciadas ou prorrogadas na conclusão do exame médico-pericial), 34 licenças de <30 dias, 27 licenças de 30-60 dias, 6 licenças de 60-90 dias e 1 licença de>180 dias. Nenhuma licença foi indeferida e nenhuma licença esteve no intervalo de 90-120 dias e 120-180 dias.
Foi investigado também se o periciado apresentava afastamentos por licenças médicas prévias nos últimos 5 anos. Nesse caso, foram criados dois grupos: um de afastamentos prévios somente por transtornos mentais (grupo 1) e outro para as demais doenças (grupo 2).
Dentro do grupo 1, 21 periciados estavam requerendo licença médica por transtorno mental pela primeira vez, ao passo que 64 já haviam se afastado do trabalho devido a transtornos mentais anteriormente.
Desses, 17,64% já haviam se afastado por < 30 dias, 15,29% por 30 a 60 dias, 2,35% por 60 a 90 dias, 10,58% por 90 a 120 dias, 12,94% por 120 a 180 dias e 6,47% por >180 dias.
Dentro do grupo 2, 32,94% dos periciados nunca tiveram licença médica por outras doenças, ao passo que 67,05% já haviam sido afastados previamente nos últimos 5 anos, por causas não ligadas à mente e comportamento.
Ainda no grupo 2, 27 periciados apresentavam afastamento prévio por 1 categoria diagnóstica, 9 por 2 categorias, 7 por 3 categorias, 5 por 4 categorias, 1 por 5 categorias, 1 por 6 categorias e 7 por 7 ou mais categorias.
Em relação ao uso de psicotrópicos, exceto benzodiazepínicos, 79 periciados apresentaram prescrição destes, ao passo que somente 6 não. Já em relação aos benzodiazepínicos, 45 periciados exibiram receituário dessa classe de medicamentos, e 40 não apresentaram.
Quanto à origem dos atestados, 78,82% foram fornecidos por especialistas em psiquiatria, ao passo que somente 21,17% foram efetuados por outras especialidades médicas.
Não é necessário pular linhas para unir legendas a figuras, título ao texto ou eliminar linhas avulsas, uma vez que o artigo será publicado online em uma única página, sem quebras.
5. DISCUSSÃO
Algumas categorias profissionais do serviço público vêm sendo estudadas de forma mais contundente em pesquisas que tratam de saúde ocupacional.
De forma geral, no tocante ao perfil do servidor público licenciado encontrado nos artigos brasileiros que foram nossa referência sobre absenteísmo na rede pública, há um predomínio de mulheres, acima de 40 anos, relação da duração da licença com idade (longa duração entre os mais antigos), média de mais de 11 anos de serviço prestado, baixos salários e pouca escolaridade, majoritariamente das secretarias de educação e saúde (correspondem a 72% das licenças: professoras, profissionais de enfermagem e agentes comunitárias de saúde).
No tocante às causas de abstenteísmo-doença, o diagnóstico “transtornos mentais e comportamentais” (TMC) foi a primeira causa de absenteísmo-doença em cinco dos artigos analisados; a segunda em três artigos; menor e o maior percentual de afastamentos por TMC, respectivamente, 15,38% e 39,45%; as doenças oesteomusculares (DOM) foram a primeira causa de absenteísmo-doença em três artigos; a segunda em quatro artigos; e a terceira em dois. Foram identificados o menor (9,93%) e o maior (29,53%) percentuais do total de afastamentos por DOM.
A respeito do percentual de absenteísmo, que significa a soma de dias perdidos X 100 /soma de dias previstos de trabalho, observamos que este teve média de 4,62 %, sendo que o número considerado aceitável pela OIT é de até 2,5 %. O número de dias de afastamento por licença para tratamento da própria saúde teve uma média de 21 dias, e os grupos de CID M (DOM) / F (TMC)/ e S (traumatismos) foram a causa do absenteísmo em 66,8 % do total de dias de afastamento médico.
Neste estudo, dentre as licenças médicas concedidas, observou-se uma prevalência de afastamentos do trabalho relacionados aos transtornos mentais e comportamentais em profissionais da saúde e da educação, corroborando o achado de outros estudos que sugerem uma maior vulnerabilidade de algumas áreas do serviço público para o adoecimento mental. (14, 15).
Os profissionais da educação estão entre os primeiros colocados no ranking, tanto na literatura quanto no presente estudo, e existem alguns fatores de risco elencados para tal relação, como: sobrecarga de atividades, relacionamento com pais de alunos, necessidade de atualização profissional, condições precárias de trabalho, violência, falta de capacitação para lidar com a inclusão e desvalorização social crescente da profissão (Marangoni, V. S. L. et al., 2016). Esse panorama do magistério já era apontado pela Organização Internacional do Trabalho desde 1984, que considerava a docência uma atividade de alto risco (27).
Em segundo lugar no ranking, tanto na literatura científica quanto no presente estudo, aparecem os profissionais de saúde. Os gatilhos que podem predispor a um comprometimento da saúde mental mais validados na literatura para esta categoria são: baixa remuneração, risco de processos legais, exigência por qualificação, pressão por produtividade e resolutividade, proximidade com o sofrimento, com a doença e a morte, principalmente para os que trabalham em instituições hospitalares que, além desses fatores, ainda estão sujeitos a regime de turnos e plantões e exposições a riscos biológicos (Abreu et al., 2002); (25).
Quanto ao gênero, observou-se uma predominância de licenças concedidas ao sexo feminino. Essa prevalência pode ser justificada por diversos fatores, como a maior presença de mulheres nas áreas de educação e saúde (21), a maior prevalência de transtornos depressivos e ansiosos na população feminina, e, por fim, as mulheres ainda hoje buscam assistência médica mais frequentemente que os homens, sendo, por isso, mais diagnosticadas e tratadas, segundo dados publicados pelo IBGE (16).
Apesar de o regime previdenciário da Prefeitura Municipal de Aracaju ser do tipo próprio, portanto, independente do Regime Geral de Previdência Social do Instituto Nacional de Previdência Social, os dados do INSS ajudam a demonstrar a importância dos problemas de saúde mental e seu impacto na incapacidade laborativa. Segundo dados oficiais, em 2017, episódios depressivos geraram 43,3 mil auxílios-doença – foi a 10ª doença com mais afastamentos do trabalho, mesma posição de 2016.
Enfermidades classificadas como outros transtornos ansiosos também apareceram entre as que mais incapacitaram trabalhadores em 2017 (15ª posição). Foram 28,9 mil casos. O transtorno depressivo recorrente figurou na 21ª posição entre as doenças que mais afastaram, com 20,7 mil auxílios-doença concedidos naquele ano.
No presente estudo, os transtornos categorizados entre CID F40-49 (transtornos ansiosos) figuraram em primeiro lugar como causa de afastamento dos servidores, ficando os transtornos de humor (CID F30-F39) em segundo lugar. Na literatura, estudos como o de Batista et al., 2013 mostram que os transtornos de humor geralmente vêm em primeiro lugar, ao passo que os ansiosos aparecem em segundo lugar. O que é relevante destacar, contudo, é que transtornos ansiosos e depressivos, independentemente da posição em que ocupem no ranking, geram uma importante morbidade e incapacidade laborativa nos trabalhadores em geral e nos servidores públicos.
No tocante ao número de licenças, o estudo demonstrou que 75% dos servidores já haviam sido afastados previamente por CID F, ao passo que somente 25% estavam sendo afastados pela primeira vez, o que também foi encontrado em estudos como o de Schlindwein, V. et al. (33).
A média de idade (30 a 49 anos) encontrada no presente estudo também foi a mesma encontrada no estudo de Faria et al. (13), aventando a possibilidade de que a idade é um fator importante no desenvolvimento de transtornos mentais, uma vez que, de forma geral, quanto maior a idade, menor é sua capacidade adaptação às condições estressantes relativas ao trabalho.
Em relação ao uso de psicofármacos, ainda são poucos os estudos na literatura que mostram a correlação entre o uso de psicotrópicos, sejam eles benzodiazepínicos ou não, nos trabalhadores afastados por transtornos mentais, ainda que o Brasil seja um dos maiores consumidores do mundo de benzodiazepínicos e, atualmente, o principal consumidor de clonazepam, de acordo com relatório da Comissão Internacional de Controle de Narcóticos, da ONU, divulgado em 2018.
No estudo de Segat E et al. (35), realizado com docentes da rede municipal do Rio Grande do Sul, o uso de medicamentos antidepressivos foi identificado em 34,9% dos professores avaliados. Este resultado, embora alto, apresenta-se inferior ao encontrado em um estudo realizado com 258 professores de escolas estaduais de São Paulo, o qual apontou uma prevalência de 74,1% de uso de medicamentos antidepressivos (40). Não foram encontrados estudos mostrando a correlação entre comorbidades não-psiquiátricas nesse perfil de periciados.
6.CONCLUSÃO
Transtornos mentais são causa importante de afastamento dos servidores públicos no Brasil e no mundo. O perfil epidemiológico dos servidores públicos do município de Aracaju incapacitados por transtornos mentais mostra que a saúde mental é extremamente relevante, sendo importante causa de absenteísmo-doença no trabalho.
A Recomendação n.º 171 e a Convenção n.º 161 da OIT abordam a importância de se registrar as causas do absenteísmo a fim de obterem-se dados para a realização de análises que contribuirão para o conhecimento sobre a dimensão, as determinações e as causas do absenteísmo, de modo a se pensar em soluções e elaborar políticas de promoção, prevenção e reabilitação da saúde dos trabalhadores.
No entanto, quando se trata de servidor público, a prevalência de absenteísmo e as suas principais causas ainda permanecem pobremente documentadas, principalmente nos países em desenvolvimento, o que dificulta a elaboração dos referidos programas supracitados como ponto estratégico de gestão em saúde e segurança desta categoria profissional.
A interpretação dos achados deste estudo pode, futuramente, servir de subsídio de direcionamento para formulações de políticas públicas e programas específicos com foco na atenção, prevenção e promoção da saúde mental dos servidores da Prefeitura Municipal de Aracaju, com possibilidades de redução do índice de absenteísmo por transtornos mentais, ligados ou não diretamente ao trabalho, melhorando, assim, a qualidade de vida e otimizando o desempenho operacional de seus trabalhadores.
No momento, as seguintes estratégias de atenção, promoção e prevenção estão em fase de estruturação e implantação:
- Orientação terapêutica em saúde mental: objetivo – prevenir, amenizar ou impedir o agravamento de transtornos mentais de servidores municipais (e familiares) vítimas de violência ou usuários de álcool e outras drogas; demanda espontânea, com encaminhamento interno e externo; atendimento individualizado por equipe multidisciplinar.
- Orientação e apoio profissional: objetivo – atender e orientar os servidores públicos municipais, especialmente os readaptados, e desenvolver ações de prevenção a novas readaptações funcionais (inclusão); reanálise das readaptações funcionais definitivas; prevenção e monitoramento de licenças médicas de longa duração; reinserção paulatina de servidores em licença médica por tempo prolongado, visando favorecer e facilitar tanto seu retorno às atividades de trabalho quanto o relacionamento com os gestores e colegas; atendimento por equipe multidisciplinar, individual e/ou em grupo, e visita às unidades (avaliação do ambiente de trabalho);
- Outras atividades planejadas: semana da saúde do servidor (ações de prevenção de doenças crônicas não-transmissíveis); educação em saúde geral e ocupacional (palestras e cursos sobre ergonomia, saúde e relacionamentos no ambiente de trabalho); curso de preparação para a aposentadoria; elaboração do Manual de Procedimentos Médico-periciais (em andamento); realização dos exames períódicos específicos por função e grupos de risco a exposição à agentes nocivos e/ou risco ergonômico; protocolos técnicos para critérios de aptidão e/ou inaptidão nas diversas funções; revisão prevista legalmente a cada dois anos das aposentadorias por invalidez e isenções de imposto de renda por doenças descritas na Lei Federal nº 7.713/88; divulgação de boletins epidemiológicos; Comissão de Ética e Prontuários Médicos; assessoria médico-ocupacional para as brigadas de combate a incêndios e elaboração de mapas de gerenciamento de riscos ambientais; curso de formação para membros das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs).
Como limitações deste estudo, ratificamos que os achados são restritos à uma população específica de servidores públicos da prefeitura de uma capital de porte médio do nordeste brasileiro. Além disso, consideramos que as diferenças, tanto de perfil demográfico, quanto de sistema operacional digital médico-pericial utilizado, e, consequentemente, as diferenças de alimentação dos bancos de dados formulados entre a Gerência Geral da Perícia Médica Oficial da Prefeitura Municipal de Aracaju e o INSS tornam as comparações de perfis limitadas, quando consideramos trabalhadores em geral em comparativo a servidores públicos.
Durante este estudo, constatamos vários aspectos desafiadores e até conflitantes em Perícia Médica Administrativa, e listamos os seguintes:
- Avaliação da capacidade laborativa X promoção e assistência (conflito ético no atuar pericial?);
- Perito Administrativo = instância decisória – “juiz de jaleco”; consequências (assédio / violência);
- Qualidade técnica x estrutural da Perícia Médica Administrativa;
- Cultura do “homologador de atestados”;
- Cultura do servidor “acomodado”;
- Assédio de gestores e políticos na atuação dos peritos;
- Eficácia das readaptações temporárias (?);
- Falta de programa de preservação de saúde vocal de professores;
- Aspectos multifatoriais do adoecimento (ambiente de trabalho / fatores psicossociais / violência);
- Implementar medidas de saúde e segurança no trabalho (ergonomia, Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, confome as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho nº 17, 7, e 9, respectivamente) X convencimento dos gestores para investimento nessa área;
- Subnotificação / negligência com a aplicação do nexo causal e concausal no serviço público;
- Servidora lactante afastada de função de risco por mais de 6 meses;
- Pobreza de produção de evidências científicas sobre saúde do servidor público.
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