Os autores informam não haver conflitos de interesse.
MEDICAL EXPERTISE AND CONDUCTS ON SEXUAL VIOLENCE: A FORENSIC AND EPIDEMIOLOGIC APPROACH
Enzo Pacelli Santos Fonseca (1)
http://lattes.cnpq.br/9517929281769681– https://orcid.org/0000-0003-2886-6933
Cynara Silde Mesquita Veloso (1,2)
http://lattes.cnpq.br/2302007965587293– https://orcid.org/0000-0001-9816-9063
(1) Centro Universitário Faculdades Integradas Pitágoras (UNIFIPMoc). Montes Claros-MG, Brasil.
(2) Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros-MG, Brasil
E-mail para correspondência: enzo.pacelli@hotmail.com
RESUMO
Introdução: A Violência Sexual é definida por qualquer ato sexual realizado sob força, enquanto Estupro é o ato de constranger alguém a ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso. A Violência Sexual é agravo de notificação compulsória pelos médicos ao Sistema de Informação para Agravos de Notificação (SINAN) em todo o Brasil, que evidenciou 191.454 casos no país entre 2013 e 2017, sendo que 93% destes foram em Minas Gerais (MG). Objetivo: apresentar os dados epidemiológicos dos casos de Violência Sexual no Brasil, Minas Gerais (MG) e em Montes Claros-MG, e, paralelamente, abordar o impacto de condutas médicas na saúde biopsicossocial das vítimas de estupro. Método: realizou-se uma pesquisa bibliográfica de dados na literatura médica como livros-texto, artigos científicos, legislação e protocolos desenvolvidos pelo Ministério da Saúde e pesquisa documental no banco de dados do DATASUS. Resultados: No Brasil, entre 2013 e 2017, foram notificados 191.454 casos de violência doméstica e sexual, sendo que 186.400 foram em Minas Gerais e, destes, 643 casos tem origem em Montes Claros (MG). Esta incidência demonstra a importância de uma conduta médica adequada nestes casos, que deve incluir apoio psicológico à vítima, exame físico completo, coleta de exames, prevenção de gravidez indesejada e profilaxia contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Tais condutas minimizam as diversas implicações em longo prazo que incluem ansiedade e depressão por parte das vítimas. Conclusão: as condutas médicas feitas de forma eficientes possuem um grande impacto na saúde das vítimas de violência sexual, além de auxiliar em políticas públicas de saúde.
Palavras-Chave: Violência Sexual, Estupro, Medicina Legal.
ABSTRACT
Introduction: Sexual violence is defined by any sexual act done under force, including or not oral, vaginal or anal penetration. On the other hand, rape is the act of constraining someone to have carnal conjunction or to practice any libidinous act. Sexual violence is a grievance of compulsory notification by physicians to the Brazilian system “Sistema de Informação para Agravos de Notificação (SINAN)”, which evidenced 191.454 cases on Brazil between 2013 and 2017, 93% of which were on the state of Minas Gerais (MG). Objective: to present the epidemiological data on Sexual Violence in Brasil, Minas Gerais (MG) and Montes Claros-MG and, moreover, to analyse the impact of medical conducts on bio psychosocial health of rape victims. Method: bibliographic research of medical literature on textbooks, scientific articles, legislation and protocols developed by the Health Ministry and documental research on the DATASUS database. Results: On Brazil, between 2013 and 2017, 191.454 cases of sexual and domestic violence were registered, 186.400 of them in the state of Minas Gerais and 643 in the city of Montes Claros (MG). This high rate demonstrates the importance of an adequate medical conduct on these cases, which must include psychological support, complete physical examination, and exams collection, prevention of unwanted pregnancy and prophylaxis of Sexually Transmitted Infections (STI). Those conducts minimize many long term implications such as anxiety and depression. Conclusion: Efficient medical conducts have a large impact on sexual violence victims and therefore are of importance in the conception of public health programs.
Keywords: Sexual Violence, Rape, Legal Medicine.
1. INTRODUÇÃO
O termo Violência Sexual é conceituado por qualquer ato sexual realizado sob força, que envolve ou não penetração por via oral, vaginal ou anal. Até o ano de 2009, o Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei n. 848/1940 (1), dividia a Violência Sexual entre Estupro (artigo 213) e Atentado Violento ao Pudor (artigo 214). Entretanto, com a Lei n. 12.015/2009 (2) em vigor, o artigo 214 foi revogado e o conceito de Estupro se tornou mais abrangente:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
A Portaria n. 1.271/2014 do Ministério da Saúde (3) define que a Violência Sexual contra a mulher é um agravo de Notificação Compulsória em no máximo 24 horas para o Sistema de Informação para Agravos de Notificação (SINAN), que deve ser realizada por todos serviços de saúde do país. Além disso, a Lei n. 12.845/2013 (4) define a obrigatoriedade dos médicos em prestar atendimentos integrais para vítimas de violência sexual.
Os casos de violência sexual por parceiros não íntimos possuem elevada quantidade e ampla distribuição mundial, sendo estimado que, no ano de 2010, cerca de 7,2% das mulheres acima de 15 anos foram acometidas (5). Entretanto, mulheres mais velhas sofrem maior quantidade de casos de abuso sexual em sua própria casa (6).
De acordo com dados do Sistema de Informações de Agravos de Notificações (SINAN), que embasa o serviço eletrônico do DATASUS do Ministério da Saúde, a Violência Doméstica e Sexual se mostra altamente prevalente no Brasil, tendo sido notificados, entre 2013 e 2017, 191.454 casos. Dentre estes, somente o estado de Minas Gerais-MG corresponde a cerca de 90% de todos os casos notificados.
Portanto, tendo em vista a elevada prevalência e o impacto social da Violência Doméstica e Sexual, além da grande importância de uma perícia médico-legal bem realizada, objetiva-se, por meio deste artigo, apresentar os dados epidemiológicos destes casos no Brasil, Minas Gerais (MG) e em Montes Claros-MG, e, paralelamente, abordar o impacto de condutas médicas na saúde biopsicossocial das vítimas de estupro.
2. MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de estudo qualitativo em que são utilizadas as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica visa contextualizar e confrontar dados presentes na literatura médica como livros-texto, artigos científicos e protocolos desenvolvidos pelo Ministério da Saúde. A pesquisa documental foi realizada no banco de dados do DATASUS, plataforma digital que visa coletar, sintetizar e divulgar dados sobre a saúde do Brasil. Foi feita análise de dados epidemiológicos da Violência Sexual no Brasil, em Minas Gerais (MG) e na cidade de Montes Claros-MG nos períodos de 2013 a 2017, que são os dados mais recentes disponíveis na plataforma supracitada atualmente.
A abordagem qualitativa foi realizada por meio de informações literárias do tema, que consideram perspectivas diferentes de cada autor e, assim, gerando maior amplitude na variedade e validade de informações expostas (7).
Desta forma, objetiva-se organizar a pesquisa de modo a abranger informações básicas imprescindíveis para contextualização do assunto, mas, além disso, ressaltar a epidemiologia dos casos de estupro e, assim, refletir sobre a relevância do estudo da temática proposta para médicos e estudantes de medicina.
3. RESULTADOS
Os dados epidemiológicos disponíveis no DATASUS evidenciam que, entre os anos de 2013-2017, no Brasil, houve a notificação de 191.454 casos de violência doméstica e sexual, sendo que 186.400, cerca de 90% destes, foram notificados em Minas Gerais. Dentre estes, 643 casos tem origem em Montes Claros (MG), grande cidade localizada na região norte do estado, com a ressalva de que os dados de 2014 para a cidade não estão disponíveis no sistema citado. Na tabela 1, observa-se uma comparação do número anual e total de casos em nível nacional, estadual e municipal, respectivamente.
Ano | Brasil | Minas Gerais | Montes Claros |
2013 | 30.402 | 27.772 | 183 |
2014 | 35.629 | 33.536 | Indisponível |
2015 | 42.765 | 42.680 | 148 |
2016 | 38.798 | 38.706 | 124 |
2017 | 43.860 | 43.746 | 188 |
Total | 191.454 | 186.400 | 643 |
Tabela 1- Quantidade de casos de violência doméstica e sexual notificados ao Sistema de Informação para Agravos de Notificação (SINAN)
A primeira consulta médica deve incluir anamnese completa, exame físico geral e ginecológico detalhados e coleta de materiais biológicos para diagnóstico de IST’s e para possível identificação do autor da agressão. O registro médico completo deve constar local, dia e horário aproximados da violência, tipo de agressão, tipificação e quantidade de autores (8).
A conduta inicial médica deve ser o tratamento imediato das lesões que apresentem risco de vida, como lacerações e hemorragias de grande porte. Após isso, e, preferencialmente, com exames laboratoriais em mãos, devem-se tratar as lesões menores de forma específica, sempre considerando a necessidade de cirurgias reconstrutoras em casos de lesões deformantes. Se a mulher não utilizar método contraceptivo, inicia-se a contracepção de emergência com dois comprimidos de Levonorgestrel 0,75MG por via oral em dose única, até cinco dias após a exposição (9, 10). Em seguida, se avalia a indicação para profilaxias de IST’s, dentre as quais se destaca HIV, Hepatite B, gonorreia, clamídia, sífilis e tricomoníase (11) (Tabela 2).
Medicamento | Esquema | IST |
Penicilina G Benzatina | 2.400.000 UI IM | Sífilis |
Ceftriaxona | 250mg IM | Gonorreia |
Azitromicina | 1g VO | Clamídia |
Metronidazol | 2g VO | Tricomoníase |
Imunoglobulina Humana anti-Hepatite B | 0,06ml/kg IM | Hepatite B |
Vacina anti-hepatite B | 0, 1 e 6 meses após exposição | |
Tenofovir + Lamivudina + Atazanavir/r | Início até 72 horas após exposição, por 28 dias | HIV |
Tabela 2: Medicamentos usados para profilaxia de ISTs para adultos e adolescentes com mais de 45 kg conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) De Risco à Infecção Pelo HIV, IST e Hepatites Virais do Ministério da Saúde (MS).
Paralelamente, deve-se realizar uma abordagem psicológica da vítima, tendo em vista que as implicações da violência sexual em longo prazo incluem mudanças na frequência e resposta da atividade sexual (12), além de ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e, inclusive, tentativas de suicídio (13).
4. DISCUSSÃO
As consequências da violência sexual são graves e inúmeras e, dentre elas, citam-se a transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) como HIV, Sífilis e Hepatites virais, além de gravidez indesejada e o grande impacto psicossocial gerado na vida da vítima. A probabilidade de transmissão de alguma IST após um estupro é alta e depende da condição clínica do agressor e da vítima, do tipo e da duração do trauma e do número de agressores. Portanto, a vítima deve obter todo amparo médico no sentido de ser examinada do ponto de vista pericial, prevenir gravidez indesejada, realizar coleta de sangue para sorologias e obter a profilaxia para IST’s, além de receber apoio psicológico e acompanhamento continuado de sua situação de saúde (8).
Paralelamente, no primeiro atendimento à vítima mostra-se imprescindível uma atitude humanizada dos profissionais da saúde, que devem exibir postura de respeito e sem julgamentos morais, o que melhora o sentimento de amparo pelo paciente. Isso inclui saber escutar as demandas das vítimas e informar todos os procedimentos que devem ser feitos a partir daquele momento, ressaltando-se a importância de cada medida (14).
A perícia médica se baseia na busca de provas de violência ou luta por parte da vítima, que podem se expressar pela presença de equimoses e escoriações em regiões como coxas, braços, face e pescoço. Além disso, sempre que possível, deve ser realizada a busca por espermatozoides ou sangue em fundo de cavidade vaginal ou nas vestes da vítima, seguida de análise laboratorial, com o objetivo de se apontar o agressor. Entretanto, a -relação pode não ser seguida de ejaculação ou o agente pode ser vasectomizado; nestes casos, podem ser adotados métodos indiretos que indicam que houve penetração sexual, dentre eles a dosagem de fosfatase ácida, glicoproteína P30 ou PSA (Prostate Specific Antigen), que só podem estar francamente positivos em conteúdo vaginal após uma relação sexual (14).
O exame físico da vítima deve perpassar por toda região genital, perianal, anal e seios, havendo maior probabilidade de evidências de trauma se realizado após 72 horas do ataque (16).
Por fim, ressalta-se a importância de uma perícia médica bem realizada e completa, já que esta aumenta a probabilidade de identificação e responsabilização dos agressores perante a justiça (17).
5. CONCLUSÃO
Após a realização da pesquisa conclui-se que, tendo vista a elevada frequência de casos de Violência Sexual que ocorrem no Brasil e o enorme impacto biopsicossocial que estes causam na vida da vítima, infere-se que é relevante uma abordagem médica detalhada e criteriosa para o melhor prognóstico destas pacientes. Sob o ponto de vista acadêmico, a delimitação de funções dos médicos e a habilidade de tomarem condutas eficientes possuem um grande impacto na saúde das vítimas de violência sexual. Além disso, estas condutas apresentam grande valor para o desdobramento de investigações dos casos de estupro e são, muitas vezes, imprescindíveis para a identificação do agressor.
Além disso, destaca-se a influência que tais casos possuem para a criação de políticas públicas de saúde no sentido de se prevenir e minimizar os danos envolvidos nestas situações. Desta forma, observa-se uma grande relevância no debate deste tema tanto para a área médica quanto a jurídica.
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