Artigo Original

PERFIL DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 2013-2018

Como citar: Jesus BA, Silva GN, Silca CPO, Lima BGC. Perfil das mulheres vítimas de violência sexual na Região Metropolitana de Salvador, 2013-2018. Persp Med Legal Pericia Med. 2022; 7: e221115

https://dx.doi.org/10.47005/221115

Recebido em 15/11/2022
Aceito em 22/11/2022

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Resultados de projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia (UFBA), segundo CAAE nº 11222919.9.0000.5577. Este artigo é produto final de trabalho monográfico apresentado ao curso de graduação em medicina da Universidade Federal da Bahia. Os autores informam não haver conflito de interesse

PROFILE OF FEMALE SEXUAL ASSAULT VICTIMS IN THE METROPOLITAN REGION OF SALVADOR, 2013-2018

Bruno Araújo de Jesus (1)

http://lattes.cnpq.br/4309950864722425https://orcid.org/0000-0002-1036-9579

Gabriel Nascimento Silva (2)

http://lattes.cnpq.br/5365874094890187https://orcid.org/0000-0002-6724-8444

Carla Patrícia Oliveira da Silva (3)

http://lattes.cnpq.br/1758982418187023https://orcid.org/0000-0001-5400-4558

Bruno Gil de Carvalho Lima (4)

http://lattes.cnpq.br/4411126343654523https://orcid.org/0000-0002-1200-4629

(1) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador-BA, Brasil. (Autor principal)

(2) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina, Salvador-BA, Brasil. (Responsável pela coleta de dados)

(3) Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador-BA, Brasil. (Responsável pela coleta de dados)

(4) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia e Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador-BA, Brasil. (Orientador)

e-mail para correspondência: bruno.araujo19990604@gmail.com

RESUMO

Introdução: A violência sexual, segundo Fischer (1998), pode ser categorizada como intrafamiliar ou extrafamiliar. A violência extrafamiliar é caracterizada por ocorrer fora do ambiente familiar e por pessoas que a vítima conhece ou por estranhos (Valle, 2018). Esse é o subtipo de violência que esta pesquisa tem como alvo prioritário de investigação. Objetivo: Calcular a incidência da violência sexual na região metropolitana de Salvador. Material e métodos: Foi realizado um estudo descritivo, retrospectivo a partir de dados secundários de casos de violência sexual registrados no Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR), no período de 1° de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2018. Resultados: Foram incluídos 605 casos, dos quais 439 (72,56%) ocorreram no município de Salvador. Houve maior incidência de violência sexual na faixa etária de 19 a 29 anos (11,16/10.000 habitantes). A maior parte dos casos de estupro periciados pelo IMLNR ocorreu com mulheres de cor parda (77,9%), solteira (78%), com segundo grau (38,3%) completo e residentes no município de Salvador (75,7%). Discussão: Todas as vítimas incluídas neste estudo procuraram o IMLNR por conta própria, o que pode ter inserido viés de seleção, uma vez que não há como garantir que toda a população-alvo tenha procurado as autoridades policiais. Logo, é pertinente considerar que os resultados encontrados estejam subestimados. Conclusão: São necessários mais estudos acerca da violência sexual para embasar políticas de segurança pública.

Palavras-chave: Estupro, Violência contra a Mulher, Violência Sexual.

ABSTRACT

Introduction: Sexual violence, according to Fischer (1998), can be categorized as intrafamilial or extrafamilial. Extrafamilial violence is characterized by occurring outside the family environment and is performed by people the victim knows or by strangers (Valle, 2018). Such subtype of violence is the main subject this research aims to investigate. Objective: To calculate the incidence of sexual violence in the metropolitan region of Salvador. Material and methods: A descriptive, retrospective study was carried out with secondary data collected from cases of sexual violence registered at the Medico legal Institute Nina Rodrigues (IMLNR), from January 1, 2013 to December 31, 2018. Results: 605 cases were included, 439 of which (72.56%) occurred in the municipality of Salvador. There was a higher incidence of sexual violence in the age group of 19 to 29 years (8.95 / 10,000 inhabitants). Most cases of rape investigated by the IMLNR occurred with women of brown color (77.9%), single (78%), with high school (38.3%) complete and residing in Salvador city (75.7%). Discussion: All the victims included in this study sought the IMLNR on their own and, therefore, a selection bias is possible, since one cannot guarantee that all the targeted population has files a complaint. Therefore, it is pertinent to consider that the results might be underestimated. Conclusion: Additional studies on sexual violence are needed to support public security policies.

Keywords: Rape, Violence against Women, Sexual Violence.

1. INTRODUÇÃO

O crime de estupro se caracteriza no artigo 213 do Código Penal Brasileiro como “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A prática desse crime em nossa sociedade é tratada de forma ambígua, uma vez que pode ser considerada como um crime hediondo ou como um fato banal (1).

Contudo, é necessário interpretar tal crime à luz de seu profundo impacto sobre a saúde mental e física da mulher (2), que é a principal vítima de estupro em qualquer fase da vida, porém com risco de incidência mais elevado em jovens e adolescentes (3). O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS informa que esse tipo de violência está relacionado com diversas complicações à saúde física e psíquica, além de poder desencadear o abuso de álcool e drogas (1), bem como outros tipos de violência (lesão corporal, tentativa de homicídio, maus tratos e ameaças) (4). A OMS também explica que as mortes subsequentes à violência sexual podem ser por suicídio, HIV ou assassinato.

Além disso, a incidência do estupro ocorre de forma ampla, já que uma em cada quatro mulheres pode sofrer violência pelo parceiro íntimo, e cerca de um terço das adolescentes relatam que a primeira relação sexual foi forçada (2). Logo, o estupro se torna um aspecto relevante a ser estudado no âmbito epidemiológico, a fim de criar medidas de prevenção, assegurando a preservação da saúde das mulheres.

A violência sexual pode ser categorizada como intrafamiliar ou extrafamiliar (5), sendo que a intrafamiliar consiste em violência realizada por membros da família ou pertencentes ao círculo de amizades familiar, sendo, portanto, o tipo mais comum entre crianças e adolescentes, bem como nos “que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”, os quais são classificados como vítimas vulneráveis segundo o Código Penal brasileiro (6). Esse subtipo de violência sexual geralmente se caracteriza por uma menor incidência de procura por ajuda, bem como pela reincidência da violência, que se dá de maneira contínua, visto que é praticada por um agressor conhecido (3).

 A violência extrafamiliar é caracterizada por ocorrer fora do ambiente familiar (5). Esse subtipo de violência se caracteriza geralmente pelo agressor ser um completo desconhecido, a vítima já ser adulta, com maiores taxas de agressão física, além de possuir um índice de notificação maior (3).

No Brasil, a violência sexual ocorre de maneira bastante expressiva, visto que, a cada 11 minutos, ocorre um estupro, segundo dados do Ministério da Saúde, os quais evidenciam que ocorrem mais de 500 mil casos por ano (7). O 13º anuário de Segurança Pública registra, ainda, que em torno de 180 estupros acontecem por dia, sendo 81,8% no sexo feminino.  Além disso, um estudo de base populacional mostrou que, em uma amostra representativa de 2.502 mulheres, 13% admitiram ter sofrido violência sexual (8). Portanto, considerando sua magnitude, é evidente que esse fenômeno é um problema de saúde pública, reconhecido inclusive pela Organização Pan-Americana de Saúde (9). Contudo, ainda pouco se conhece sobre sua prevalência e sua distribuição temporal e espacial (10). Dessa forma, é fundamental ter acesso aos dados relacionados à incidência da violência sexual e às características das mulheres vítimas de estupro, não apenas a nível nacional, como também a nível local, para que esse fenômeno social se torne cada vez mais visível à sociedade e às autoridades, com o intuito de promover a discussão sobre a necessidade de reforçar a manutenção e ampliação das políticas de segurança pública, bem como nos serviços de saúde.

No que tange a Salvador, temos poucos dados com relação à violência sexual extrafamiliar. Ao pesquisar nas plataformas Pubmed e Scielo pelas palavras-chave “rape” e “Salvador” foi possível encontrar apenas duas pesquisas, uma foi realizada no Instituto Médico-Legal (IML) Nina Rodrigues com relação a crianças e adolescentes (11), enquanto a outra é um estudo quantitativo sobre a adesão à profilaxia do HIV (12). Ao fazer essa mesma pesquisa nas plataformas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Medline, foram identificados apenas três artigos realizados em Salvador, os quais abordavam a violência sexual sofrida por crianças e adolescentes.

 O presente estudo teve como objetivo calcular a incidência da violência sexual em vítimas caracterizáveis como não vulneráveis na Região Metropolitana de Salvador, e descrever características sociodemográficas relativas às vítimas e à violência ocorrida.

2. MATERIAL E MÉTODO

Foi realizado um estudo descritivo, retrospectivo a partir de dados de violência sexual registrados no Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR), no período de 1° de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2018. A população submetida ao estudo foi composta por pessoas que se submeteram a exame sexológico de constatação de conjunção carnal no período supracitado, sendo excluídas do estudo aquelas em que os laudos não diziam respeito à constatação de conjunção carnal ou ato libidinoso. Outros critérios de exclusão foram apresentar transtornos mentais, ser do sexo masculino, intervalo de tempo entre o momento da violência e a realização da perícia superior a 72 horas, não possuir laudo disponível no sistema, ter tido recidiva de violência com o mesmo agressor, constatação pericial sobre a impossibilidade de observar sinais de violência recente.

O instrumento para a realização da coleta de dados foi uma planilha desenhada para o estudo. Esses dados foram coletados a partir do laudo de constatação de conjunção carnal, o qual, segundo Drezzet et al. (13), é condição essencial para a confirmação da ocorrência do estupro. Também foi utilizada a guia de exame médico-legal da autoridade, a qual sempre está anexa ao laudo. A coleta ocorreu em duas fases: a primeira, no banco de dados virtual do IMLNR, e a segunda, a partir dos laudos físicos cujas informações digitalizadas foram julgadas incompletas pelos pesquisadores.

Dos dados coletados, os que foram utilizados para este subprojeto específico são: idade, cor, estado civil, escolaridade, data da violência, hora da violência, natureza do local, cidade da violência, procedência da vítima, bairro da violência, local do estupro, tipo de sexo e relação vítima agressor, quantidade de agressores.

Foram levantados 5.737 casos suspeitos de violência sexual, dos quais 3.860 eram referentes a vítimas menores de 19 anos. Ocorreram 94 exclusões devido à realização da perícia mais que 72 horas após a agressão, 30 devido ao laudo ter sido inconclusivo ou não ter dados suficientes de interesse para a pesquisa, 32 por a vítima apresentar transtornos mentais, 262 por vítima do sexo masculino, 105 sem sinais de violência recente e 38 por recidiva. Os laudos incluídos somam 605 casos, sendo que desses 439 (72,56%) ocorreram no município de Salvador.

Para se entender a justificativa dessas exclusões é imprescindível trazer alguns pontos. Segundo a OMS, a definição de adolescência é dos 10 aos 19 anos e que, conforme visto na revisão bibliográfica demonstrada na parte introdutória desse artigo, na literatura as poucas pesquisas que existem no Brasil sobre violência sexual têm como população-alvo crianças e adolescentes. Logo, existe uma carência de pesquisas relacionadas à violência sexual na mulher adulta não vulnerável, justificando o recorte etário dessa pesquisa de incluir apenas maiores de 19 anos.

No caso das vítimas que fizeram perícia com mais de 72 horas após agressão, das que tiveram laudo inconclusivo e das que não tinham sinais de violência recente, o motivo de sua exclusão é por não haver indícios suficientes que a violência ocorreu de fato e, portanto, as inclusões desses laudos poderiam ser um fator confundidor para a pesquisa.

Em relação à exclusão das vítimas portadoras de transtorno mental e das que tiveram recidiva da violência, os autores optaram por esse recorte devido à falta de confiabilidade dos seus laudos para discernir se o estupro foi de fato extrafamiliar (alvo do presente estudo) ou intrafamiliar.

Como base para o cálculo de incidência, utilizaram-se as médias da população do sexo feminino estimada das vítimas e residentes na Região Metropolitana de Salvador no período de 2013 a 2018. Também é importante destacar que, para o cálculo das médias utilizadas, excluiu-se a parcela da população do sexo feminino que não corresponde à faixa etária de cada grupo etário que consta no Gráfico 1.  Além disso, esses dados foram obtidos na Secretaria Municipal de Salvador, via plataforma Tabnet da Diretoria de Vigilância da Saúde (DVIS) e Subcoordenadoria de Informação em Saúde (SUIS).

Com relação à análise da espacialidade, somente se consideraram os casos ocorridos em Salvador (439), enquanto a distribuição dos casos ocorreu de acordo com as Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP), divisão da capital de acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (14).

Os dados coletados foram digitados em banco de dados usando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20, e sujeitos à revisão e análise estatística. Foi aplicado o teste qui-quadrado para testar associação entre variáveis qualitativas e, quando necessário, o teste exato de Fisher, bem como teste de Kruskal-Wallis.

O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia (UFBA) e aprovado, segundo CAAE nº 11222919.9.0000.5577. Existe o risco de divulgação da identidade das vítimas, desrespeitando sua intimidade e privacidade, mas a equipe não publicará resultados individuais, apenas consolidados, e optou-se por não buscar o consentimento livre e esclarecido dessas pessoas, em respeito ao princípio da não-maleficência, pois a reminiscência da violência sofrida consistiria em vitimização secundária. Os princípios da Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial e das Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro foram observados.

Os autores declaram não ter conflito de interesse.

3. RESULTADOS

A maior incidência de violência sexual foi verificada na faixa etária de 19 a 29 anos, alcançando 11,16 casos para cada 10.000 habitantes, conforme Gráfico 1. Também foi possível constatar que a idade média das vítimas era de 30,23 anos.

Gráfico 1. Incidência de violência sexual contra mulheres, por faixa etária, na Região Metropolitana de Salvador/BA, 2013 a 2018.
Fonte: IMLNR-BA.

A maior parte dos casos ocorreu com mulheres na faixa etária dos 19 aos 29 anos de idade (56,7%), de cor parda (77,9%), solteiras (78%), com segundo grau completo (38,3%), e 75,7% delas eram residentes no município de Salvador (Tabela1).

Características Demográficas n%
Faixa Etária (anos completos)
     19 a 2934356,7
     30 a 3916827,8
     40 a 49589,6
     50 a 59254,1
     60 a 6981,3
     70 a 7920,3
     80 a 8910,2
Cor
     Negra7812,9
     Branca548,9
     Parda47177,9
     Não declarada20,3
Estado civil
     Solteira47278,0
     Casada6210,2
     Divorciada183,0
     Separada81,3
     Viúva71,2
     Outro142,3
     Não declarado244,0
Escolaridade
     Primeiro grau10417,2
     Primeiro grau incompleto589,6
     Segundo grau23238,3
     Segundo grau incompleto355,8
     Ensino superior609,9
     Ensino superior incompleto6210,2
     Alfabetizada10,2
     Não alfabetizada81,3
     Especialização10,2
     Não declarada447,3
Procedência
     Salvador45875,7
     Região metropolitana13722,6
     Outro101,7
Tabela 1. Características das vítimas de violência sexual contra mulheres, Salvador/BA, 2013-2018.
Fonte: IMLNR/BA.

Ainda foi possível constatar que a maioria dos casos de violência sexual ocorreu na moradia da vítima (28,3%) ou em via pública (22,5%), enquanto a relação entre a vítima e seu agressor era predominantemente de completo desconhecido (58,2%). O principal tipo de sexo perpetrado foi o vaginal (53,2%), sendo os turnos mais comuns para a sua ocorrência a madrugada (35,54%) e a noite (35,37%). As vítimas, em sua maioria, alegaram ter sofrido a violência por somente um agressor (88,10%), não sabendo informar se utilizaram algum tipo de substância antes ou durante o estupro (53,2%). Além disso, 41% dos agressores não portavam nenhum tipo de arma (Tabela 2).

Características da Violência  n%
Local
     Moradia17128,3
     Via pública13622,5
     Outros7512,4
     Casa do agressor416,8
     Não informado7512,4
     Local deserto10517,4
     Não consta na guia20,30
Relação vítima/agressor
     Cônjuge223,6
     Irmão40,70
     Colega de trabalho50,80
     Outro familiar193,1
     Vizinho203,3
     Ex-companheiro7612,6
     Conhecido10216,9
     Desconhecido35258,2
     Mais de um agressor, sendo um conhecido20,30
     Não consta na guia30,50
Tipo de sexo
     Vaginal32253,2
     Oral162,6
     Anal111,8
     Ato libidinoso81,3
     Não sabe informar406,6
     Anal e vaginal9916,4
     Vaginal e oral6110,1
     Vaginal, anal e oral406,6
     Anal e oral40,70
     Não especificado na guia40,70
Porte de arma
     Sim19632,4
     Não24841,0
     Não informado16126,6
Uso de substância
     Sim538,8
     Não23038,0
     Não sabe informar32253,2
Hora da violência
     Manhã9115,04
     Tarde8113,39
     Noite21435,37
     Madrugada21535,54
     Não consta20,33
     Incerta20,33
Quantidade de agressores
     Somente 153388,10
     Mais de 16410,58
     Não sabe informar10,17
     Não consta na guia71,16
Cidade
     Salvador43972,56
     Lauro de Freitas416,77
     Camaçari447,27
     Dias d’Ávila91,48
     Simões Filho132,14
     Itaparica60,99
     Vera Cruz40.66
     Madre de Deus30,49
     São Francisco do Conde50,82
     Candeias91,48
     Mata de São João101,65
     Pojuca30,49
     São Sebastião do Passé20,33
     Não consta111,81
     Outras cidades60,99
Tabela 2. Características das ocorrências de violência sexual contra mulheres, IMLNR/Salvador/BA, 2013-2018.
Fonte: IMLNR/BA.

Em relação à sazonalidade, observou-se que segunda-feira, sábado e domingo são os dias na semana em que ocorrem mais casos (Gráfico 2), enquanto foram registrados uma média de 8,4 estupros ao mês, sendo fevereiro e março os meses com maior registro de estupro (Gráfico 3).

Foram constatadas elevações no número de casos nas AISP de Periperi (14%) e Itapuã (13%). A AISP que teve maior índice de violência sexual foi a de Tancredo Neves, representando 15% das ocorrências (Tabela 3).

O teste de Kruskal-Wallis mostrou que há associação entre o local da violência e a idade da vítima [X2(5) = 26,727; p < 0,05]. As comparações em pares mostraram que houve diferenças estatisticamente significantes entre casos que ocorreram nos grupos moradia da vítima/em outro local não especificado na guia, local/moradia da vítima e via pública/moradia.

4. DISCUSSÃO

É importante destacar que, embora a incidência apresentada na presente pesquisa demonstre ocorrência significativa de violência sexual, a subnotificação desse crime é elevada (13), mesmo sabendo-se que a taxa de notificação na população que sofre violência extrafamiliar é maior (3). Isso porque as vítimas podem se encontrar em posição de vulnerabilidade e se sentirem constrangidas a ponto de não conseguirem realizar uma denúncia, o que dificulta a investigação.

Portanto, como todas as vítimas incluídas neste estudo procuraram o IMLNR por conta própria, é provável que tenha ocorrido viés de seleção, uma vez que não há como garantir que toda a população-alvo tenha apresentado notitia criminis perante a autoridade policial. Além disso, mesmo os casos que são periciados são de difícil confirmação, visto o baixo índice de provas médico-legais (15), o que pode ser explicada por muitas vítimas demorarem a fazer a denúncia, prejudicando a coleta da evidência em tempo hábil, impossibilitando a confirmação do crime. Outra limitação é a falta de preenchimento adequado dos dados em diversos laudos, que impacto na seleção dos casos, devido à natureza retrospectiva deste estudo.

Logo, é pertinente considerar que os resultados encontrados estejam subestimados, sugerindo que a magnitude do problema é bem maior do que o que é aqui apresentado. Por outro lado, os critérios de inclusão aplicados provocaram um predomínio de vítimas de violência sexual extrafamiliar, já que o perfil das ocorrências intrafamiliares é preferencialmente de menores de idade e pessoas cujo último intercurso sexual constrangido fora muito anterior ao exame pericial.

Dia de Ocorrência

Gráfico 2. Distribuição de violência sexual contra mulheres, por dia de ocorrência, na Região Metropolitana de Salvador, 2013-2018.
Fonte: IMLNR-BA.

Devido à falta de estudos na literatura que tragam dados com relação à espacialidade e temporalidade da violência sexual, não é possível fazer comparações com relação a esses dados.

Mês de Ocorrência

Gráfico 3. Distribuição de violência sexual contra mulheres, por mês de ocorrência, na Região Metropolitana de Salvador, 2013-2018.
Fonte: IMLNR-BA.

Os dados deste estudo vão ao encontro de outras pesquisas que demonstraram que a maioria das vítimas de estupro são mulheres jovens (16-19), as quais são tidas como as mais vulneráveis para a ocorrência da violência sexual (3). Contudo, existem divergências no que diz respeito à idade média das vítimas, visto que, em pesquisa feita no ABC Paulista (16), era de 22,08 anos, enquanto nesta pesquisa foi de 30,23 anos, se aproximando da média de 31,46 encontrada em Campinas (20). Essa diferença pode ser explicada devido à utilização do critério de exclusão de vítimas com idade inferior a 19 anos, o que fez com que a idade média seja maior no presente estudo, bem como no de Campinas. 

Também é possível verificar que a etnia das vítimas é predominantemente faioderma ou melanoderma (3,21), o que também é coerente com os resultados encontrados neste estudo. É possível sugerir que a vulnerabilidade social existente de maneira majoritária na população de cor parda e preta constitua fator de risco para violência sexual. Contudo, é necessário levar em conta que, segundo o IBGE, a RMS é a região com maior quantidade de pessoas autodeclaradas pretas e pardas do país, o que pode explicar tal perfil étnico.

Área Integrada de Segurança Públican%
Barris255,69%
Liberdade225,01%
Bonfim204,56%
São Caetano286,37%
Periperi6314,35%
Brotas122,73%
Rio Vermelho225,01%
Cia92,05%
Boca do Rio296,61%
Pau da Lima296,61%
Tancredo Neves6514,81%
Itapuã5913,43%
Cajazeiras296,61%
Barra71,59%
Nordeste de Amaralina40,91%
Pituba92,05%
Não consta51,13%
Não sabe informar20,45%

Tabela 3. Incidência de violência sexual contra mulheres, por Áreas Integradas de Segurança Pública de Salvador, 2013-2018.

Fonte: IMLNR-BA.

A literatura também indica que a maioria das vítimas sofreu violência no período da noite ou madrugada (17,22), o que também corrobora os dados coletados. Uma das possíveis justificativas é o fato de haver menor número de pessoas em locais públicos e menor contingente de policiais realizando rondas nesse período, o que pode estimular o agressor a realizar o estupro (16). Contudo, paradoxalmente a maioria dos casos de violência sexual ocorreu na moradia da vítima, o que também é controverso na literatura, visto que existem pesquisas trazendo que a maioria dos casos ocorre na moradia da vítima (23), enquanto outros demonstram maior número de casos em via pública (24).

Por fim, é válido destacar que a literatura também respalda os achados de a maioria das vítimas serem violentadas por apenas um agressor (16), sendo o mais comum de ocorrer na violência sexual extrafamiliar (23). Além disso, o agressor, em sua maioria, é um completo desconhecido para a vítima (3,23), o que aponta ocorrências fortuitas, não planejadas, diante de uma oportunidade que se apresenta ao agressor.

5. CONCLUSÃO

Este estudo permitiu descrever o perfil das mulheres vítimas de violência sexual periciadas no IMLNR, as quais, em sua maioria, pertencem à faixa etária dos 19 aos 29 anos de idade, se autodeclaram como pardas, solteiras, tendo até o segundo grau completo e residentes no município de Salvador.

Dessa forma, diante das informações levantadas e da importância do tema abordado, aponta-se a necessidade de realizar mais estudos acerca da violência sexual e da incidência do estupro, com o intuito de embasar políticas públicas de enfrentamento da violência sexual e suas consequências.

Entre as intervenções para combater esses crimes, seria possível rever a estrutura urbana e a disponibilidade de segurança em ambientes públicos durante o turno da noite. A maioria dos casos de estupro ocorreram durante a noite/madrugada, podendo ter relação com a iluminação pública e a escassez de agentes de segurança durante esse período. Uma possível justificativa para isso é a sensação de impunidade por parte do agressor nesse cenário, que suscita a prática oportunista da violência sexual. Além disso, considerando que a maioria dos casos ocorreu na casa das vítimas, também seria interessante haver medidas educativas para a população mais vulnerável ao estupro em relação a como enfrentar esse cenário, bem como reforçar as maneiras existentes de reportar esse crime, inclusive de maneira anônima. A conscientização da população para romper o pacto de silêncio que instrui a reação predominante da vizinhança ao notar ruídos estranhos e indícios de violência nas casas das outras pessoas também poderia desestimular os agressores.

Em relação à temporalidade, ficou evidente nesta pesquisa que os meses com atividades festivas, a exemplo do carnaval, possuem maior incidência de violência sexual. Logo, também seria interessante reforçar as medidas de fiscalização e de coibição do estupro durante esse período.


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