Os autores informam que não há conflito de interesse.
CHAIN OF CUSTODY AT THE FEDERAL DISTRICT CIVIL POLICE: A LEADING EXPERIENCE IN IMPLEMENTING LAW 13.964/2019
Cyntia Gioconda Honorato Nascimento (1)
http://lattes.cnpq.br/1950465999633364 – https://orcid.org/0000-0001-9781-3718
Robinson Pereira Valadão (1)
http://lattes.cnpq.br/6574829976112492 – https://orcid.org/ 0000-0003-4537-4092
Glaiton Cardoso (1)
http://lattes.cnpq.br/0591330387518308 – https://orcid.org/0000-0003-4424-8115
(1) Central de Guarda e Custódia de Vestígios (CGCV), Departamento de Polícia Técnica da Polícia Civil do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil
Email: cgcv@pcdf.df.gov.br
RESUMO
Introdução: A prova pericial destaca-se dentre as provas da persecução penal por propiciar uma análise imparcial dos vestígios criminais, fundamentada na metodologia científica e, portanto, com a característica da reprodutibilidade de seus resultados, robustecendo assim o procedimento processual do contraditório. Material e método: O presente artigo apresenta a Central de Guarda e Custódia de Vestígios (CGCV) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e as ações realizadas por ela para o cumprimento do Pacote Anticrime ou Lei 13.964/2019, concernente à cadeia de custódia, marcando o pioneirismo e vanguarda da PCDF no Brasil neste contexto. Resultados e discussão: As implementações de ordem procedimental foram mais rapidamente realizadas, porém as mudanças estruturais ainda seguem sob análise ou em execução. Conclusão: Se a cadeia de custódia não for adequadamente constituída, a prova material pode vir a ser invalidada, total ou parcialmente e, consequentemente, o exame pericial dela decorrente.
Palavras chave: cadeia de custódia; Lei 13.964/2019; pacote anti-crime; vestígio criminal.
ABSTRACT
Introduction: The criminal evidence stands out among others in the prosecution for providing an impartial analysis of criminal evidence, based on scientific methodology and, therefore, with the characteristic of reproducibility of its results, thus strengthening the procedural processing of contradiction. Material and methods: This article presents the Center for Storage and Custody of Remains (CGCV) of the Federal District Civil Police (PCDF) and its actions carried out to comply with the Anti-Crime Package or Law 13.964/2019, concerning the chain of custody, marking the pioneering spirit of the PCDF in Brazil in this context. Results and discussion: Procedural implementation was put in place expediently, however structural changes are still under analysis or in execution. Conclusion: If the chain of custody is not properly constituted, the material evidence may be totally or partially invalidated and, consequently, so may the resulting expert examination.
Keywords: chain of custody, Law 13.964/2019, anti-crime package, criminal evidence.
1. INTRODUÇÃO
A prova pericial destaca-se dentre as provas da persecução penal por propiciar uma análise imparcial dos vestígios criminais, fundamentada na metodologia científica e, portanto, com a característica da reprodutibilidade de seus resultados, robustecendo assim o procedimento processual do contraditório. Assim, mesmo cuidadosamente coletada e preservada, a prova criminal pode ser prejudicada se a cadeia de custódia não for adequadamente constituída, podendo vir a invalidar total ou parcialmente o exame pericial. Neste sentido, o Pacote Anticrime, Lei 13.964/2019, inova ao estabelecer os procedimentos mínimos para a garantia da Cadeia de Custódia das provas criminais. Em seu Art. 158-A, “Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”. De forma sucinta, os artigos 158-A ao 158-F vão expor como garantir a fidedignidade do vestígio criminal. Os artigos 158-A, 158-B, 158-C e parágrafos tratam dos registros das informações cronológicas dos vestígios. O artigo 158-D e parágrafos, normatiza as embalagens (recipientes) e lacres rastreáveis. Os artigos 158-C, 158-E e 158-F mencionam a central de custódia dos vestígios, onde os vestígios ficarão armazenados. Depreende-se, ainda, que todos os envolvidos com a posse ou manuseio do vestígio, e não somente o perito oficial, são responsáveis pela garantia da cadeia de custódia, inclusive servidores públicos que não compõem as forças de segurança pública. Neste contexto, o presente artigo apresenta as ações realizadas pela Central de Guarda e Custódia de Vestígios (CGCV) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) para o cumprimento do Pacote Anticrime ou Lei 13.964/2019, concernente à cadeia de custódia, marcando o pioneirismo e vanguarda da PCDF no Brasil neste contexto.
2. APRESENTAÇÃO DA CENTRAL DE GUARDA E CUSTÓDIA DE VESTÍGIOS DA PCDF: HISTÓRIA, ATUALIDADES E FERRAMENTAS JÁ IMPLEMENTADAS
No contexto da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), a Central de Guarda e Custódia de Vestígios (CGCV) é a unidade responsável por gerir e normatizar as ações em cadeia de custódia, visando a garantia da idoneidade e autenticidade da prova criminal.
Foi inaugurada formalmente no ano de 2001, estando vinculada ao Departamento de Polícia Técnica (DPT) e, desde então, vem desenvolvendo suas atividades e protocolos, marcando seu pioneirismo e vanguarda no Brasil.
A CGCV foi criada visando a guarda dos vestígios laboratoriais de contraprova e de futuro confronto advindos dos Institutos de Criminalística, de Medicina Legal e do Instituto de Pesquisa de DNA Forense. Posteriormente, desenvolveu protocolos de tramitação de vestígios biológicos entre os institutos do DPT.
Como pioneira no Brasil, realizou visitas técnicas internacionais aos serviços de custódia de vestígios do Reino Unido e da França (Institut de Recherche Criminelle de la Gendarmerie Nationale), em 2008.
A CGCV/DPT/PCDF tem contribuído ativamente sobre o tema, participando da primeira e única publicação nacional sobre cadeia de custódia, a Portaria n° 82/2014 da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) que estabeleceu as diretrizes sobre os procedimentos a serem observados, sendo convidada a ministrar cursos de capacitação sobre o tema nas diversas unidades federativas do Brasil.
A Portaria n° 82/2014-SENASP serviu de base para a Lei 13964/2019, que alterou o Código de Processo Penal Brasileiro, normatizando definitivamente e dando caráter de obrigatoriedade aos procedimentos de cadeia de custódia.
2.1 ESTRUTURA FÍSICA DA CGCV/PCDF
A atual sede da CGCV da PCDF está situada em um espaço físico de aproximadamente 500m2, inaugurada em 16 de outubro de 2016. Sua sede anterior ficava em um espaço anexo ao Instituto de Medicina Legal, de cerca de 50 m2, onde funcionava desde sua criação.
Para a garantia da cadeia de custódia, os materiais de consumo, como envelopes (de papel e plásticos) e lacres rastreáveis, são imprescindíveis para o trabalho da perícia. É atribuição da CGCV a especificação técnica, sua aquisição e distribuição, visando o controle de qualidade de seus materiais e, principalmente, da rastreabilidade dos lacres e recipientes.
Na CGCV há um espaço destinado para armazenamento dos vestígios secos (guardados em armários deslizantes, com temperatura ambiente e controle de umidade), com área de 65m2, além de uma câmara fria de 60m2, onde são guardados os líquidos, vestígios biológicos, dentre outros que necessitem de um controle de temperatura, -22° ± 3° de variação aceitável, com controle remoto e alarme se foge aos parâmetros aceitáveis.
Dispõe ainda de uma sala de triagem e guarda temporária de vestígios de 13m2 e sala de auditoria de 19m2, além dos espaços de atendimento ao público interno da PCDF e espaços administrativos.
Para melhor compreensão, a Figura 2 representa a planta baixa da CGCV, cuja área administrativa, de cerca de 360m2, está discriminada com descrições em grafia vermelha e a área técnica, de aproximadamente 140m2, que é destinada ao recebimento, cadastro, triagem, auditoria e à guarda de vestígios, cujos acessos são restritos, apresentados em grafia azul.
2.2 ESTOQUE DE VESTÍGIOS DA CGCV/PCDF
A guarda de vestígios na CGCV é realizada em sua área técnica, cujo acesso é restrito. Esta área é compartimentada em dois espaços principais:
1) Sala dos arquivos deslizantes, de aproximadamente 75m2, destinada à guarda de vestígios que são mantidos à temperatura ambiente (com controle de umidade) e
2) Câmara fria, de aproximadamente 60m2 de área, que funciona com redundância de condensadores (2 conjuntos de motor e condensador), visando uma maior segurança aos vestígios biológicos aí custodiados.
Segue o histórico dos quantitativos de vestígios estocados e fluxos anuais de entrada e saída de vestígios, cujo número, até 31/12/2021, foi de 218.833 vestígios em sua sede. Observe o crescimento exponencial de vestígios estocados ao longo dos anos.
2.3 EMBALAGENS E LACRES UTILIZADOS NA PCDF
A CGCV dispõe dos seguintes modelos de recipientes: envelopes de papel e embalagens plásticas, cada um com seus lacres específicos. Os recipientes e lacres da CGCV serão aqui apresentados sucintamente através das imagens a seguir.
Pontua-se que, com o advento da Lei 13.964/2019, a CGCV readequou os protocolos operacionais de utilização das embalagens e lacres, os quais antes restritos ao uso dos institutos do DPT, passaram a ser utilizados por toda a PCDF. Para tanto, houve um trabalho para estimar o uso anual, com manifestação das diversas unidades policiais; solicitação de aquisição de novas embalagens e lacres rastreáveis; desenvolvimento pela CGCV de um curso de ensino à distância (EAD) para capacitação em cadeia de custódia e utilização de embalagens e lacres, ministrado através da Escola Superior de Polícia Civil, que visa capacitar os servidores da PCDF para as novas exigências legais; implementação de Projeto Piloto para utilização experimental das embalagens e lacres em unidades policiais previamente escolhidas (em andamento desde maio/2021), a partir das quais será ampliada para toda a PCDF.
2.4 SISTEMA DE CONTROLE DE VESTÍGIOS(LIMS)
O controle das informações dos vestígios tramitados à CGCV é feito pelo software Lims®, cujo acesso é realizado pelos diversos institutos do DPT. Assim, após as modificações legais, foi necessário o desenvolvimento de um módulo pela Divisão de Tecnologia da PCDF que permitisse o registro das informações em cadeia de custódia, de forma a gerenciar todas as informações. Tal ferramenta ainda está em desenvolvimento e em utilização na forma de projeto piloto.
2.5 CÂMERA FRIA E SISTEMA DE CONTROLE REMOTO DE TEMPERATURA
A CGCV dispõe de uma câmara fria de aproximadamente 60m2 de área, com redundância de condensadores (2 conjuntos de motor e condensador), cujo controle de temperatura é realizado de forma remota (mobile) e pela utilização de sistema denominado Sitrad®. Quando há variação de temperatura fora dos parâmetros admitidos, isto é, -22° ± 3° de histerese, ele dispara uma comunicação via email e celular, viabilizando um pronto atendimento.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS FRENTE AOS DESAFIOS APÓS A LEI 13.964/2019
Embora a CGCV já tivesse em seu portifólio as embalagens e lacres rastreáveis, além de um sistema de controle de vestígios tramitados dentro do DPT e sua própria sede para a guarda dos vestígios, com a publicação da lei, foi necessária uma expansão de suas atividades, em que contemplasse não mais somente o DPT, mas toda as unidades da PCDF. Para tanto, a estratégia foi primeiramente documentar, através de uma Nota Técnica, o diagnóstico e a proposição de soluções.
A Nota Técnica foi dividida nos seguintes tópicos:
- Análise técnica da origem da SGCV/DPT/PCDF (Lei Distrital nº 2.835/2001) e de seus atuais instrumentos reguladores;
- Apresentação da CGCV e de sua atuação até a publicação da lei 13.964/2019;
- Projetos da CGCV para proposições de soluções procedimentais para atendimento das exigências da Lei 13.964/2019 e
- Projetos da CGCV para proposições de soluções estruturais para atendimento das exigências da Lei 13.964/2019.
Como exposto no Quadro 1, as proposições apresentadas como soluções procedimentais, as quais foram possíveis realizar de forma mais rápida e que dependiam mais da própria CGCV para sua execução e, portanto, sem maiores repercussões de recursos financeiros, e as soluções estruturais, as quais, para sua implementação, seria necessária uma análise dos demais gestores da PCDF, visto envolverem maiores recursos humanos, financeiros e estratégicos. Estas últimas ainda se encontram em fase de andamento.
Tendo em vista que muitos estados do Brasil ainda estão constituindo suas centrais de guarda de vestígios, deixamos aqui a proposição de reestruturação orgânica da CGCV, apresentada na Nota Técnica, a fim de tornar-se COORDENAÇÃO DE GESTÃO E CUSTÓDIA DE VESTÍGIOS e suas respectivas seções administrativas. Ressalta-se que tal proposição ainda está sob análise.
Trata-se de proposição de uma estrutura orgânica para a CGCV visando o atendimento das exigências da Lei 13.964/2019, que a torna uma coordenação, com as seguintes seções:
Em suma, foram propostas diversas adequações pela CGCV para atendimento ao previsto na Lei 13.964/2019 concernente à cadeia de custódia, dentre elas as implementações de ordem procedimental, as quais foram mais rapidamente realizadas, visto não dependerem de maiores recursos humanos ou financeiros, porém as proposições estruturais ainda seguem sob análise ou em execução.
4. CONCLUSÃO
As adequações dos serviços periciais e policiais de forma plena à Lei 13.964/2019 quanto à cadeia de custódia são indispensáveis e urgentes, visto que o não atendimento a estas formalidades processuais podem fragilizar a prova material, podendo inclusive ser invalidada, total ou parcialmente, comprometendo não somente o exame pericial dela decorrente, como também gerar prejuízos irreparáveis à persecução penal.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Delegado Geral da Polícia Civil do Distrito Federal, Dr Robson Cândido da Silva, e ao perito criminal Raimundo Cleverlande, diretor do Departamento de Polícia Técnica da Polícia Civil do Distrito Federal, que têm envidado esforços fundamentais para a ampliação e qualificação dos serviços prestados pela CGCV.
Referências bibliográficas
- LEI 13.964 (que alterou o CÓDIGO PENAL E PROCESSUAL PENAL), de 24 de dezembro de 2019 disponíveis em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm
- Diretrizes da PORTARIA Nº 82, de 16 de julho de 2014, da SECRETÁRIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (SENASP), disponível em: http://www.lex.com.br/legis_25740023_portaria_n_82_de_16_de_julho_de_2014