Artigo Original

TELEPERÍCIA EM PERÍCIAS MÉDICAS JUDICIAIS: SITUAÇÃO ATUAL, APÓS A REGULAMENTAÇÃO DA TELEMEDICINA NO BRASIL

Como citar: Como citar: Picos GSIC, Moraes RL, Almeida VSF, Correia TB. Teleperícia em perícias médicas judiciais: situação atual, após a regulamentação da telemedicina no Brasil. Persp Med Legal Pericia Med. 2023; 8: e230203

https://dx.doi.org/10.47005/230203

Recebido em 27/10/2022
Aceito em 05/02/2023

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Os autores informam não haver conflito de interesse.

VIRTUAL EXPERT EVALUATION IN JUDICIAL MEDICAL EXPERTISE: CURRENT SITUATION, AFTER TELEMEDICINE´S REGULATION IN BRAZIL

Gabriel Sato Ikuhara Cavalcanti Picos (1)

http://lattes.cnpq.br/6676615351278665https://orcid.org/0000-0002-1392-6721

Renata Luciana Moraes (2)

http://lattes.cnpq.br/3390341773285593https://orcid.org/0000-0001-7099-730X

Verônica Scriptore Freire e Almeida (3)

http://lattes.cnpq.br/4169232054882169 –  https://orcid.org/0000-0001-5811-7779

Thaylisse Bezerra Correia (4)

http://lattes.cnpq.br/0868445646066861/https://orcid.org/0000-0002-3259-7249

(1) Mestrando em Direito da Saúde pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA, Assis – SP, Brasil.
(autor principal)

(2) Professora da Graduação em Direito da Faculdade Anhanguera, Assis-SP, Brasil. (autor secundário)

(3) Doutora Professora de Graduação e Mestrado em Direito da Saúde, da Universidade Santa Cecília, Santos -SP, Brasil. (orientadora)

(4) Pós-Graduanda em Saúde da Família, Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP, Assis-SP, Brasil.(revisão)

ortopicos@gmail.com

RESUMO

Introdução: Haja visto o desentendimento entre as diversas searas em relação à validade da telemedicina medicina, direito, justiça, legislações, doutrinas, ciências complementares -, evidenciou-se a necessidade de realizar esse estudo. Objetivo: Discutir a relação entre a legislação atual vigente em outubro de 2022, após a regulamentação da telemedicina no Brasil, com a possibilidade da utilização de tecnologias, em perícias médicas judiciais, ou, teleperícia nesse país. Metodologia: Esse trabalho teórico e qualitativo, tem cunho descritivo e explicativo, via pesquisa bibliográfica, busca em bases de dados, assim como análise de doutrinas, legislações e jurisprudências relacionadas, e através de uma abordagem hermenêutica ontológica, relacionar as variáveis, vantagens e riscos, com o embasamento histórico, teórico, doutrinário e técnico científico. Discussão: A Resolução número 317, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e jurisprudências nacionais sobre o uso da teleperícia médica, contrastam com posicionamento da comunidade médica nacional, através do Conselho Federal de Medicina (CFM), cujo entendimento resta evidente via pareceres e resoluções, quanto à inoperabilidade de tal prática atualmente. Conclusão: A situação contemporânea nacional da teleperícia é rudimentar, abstendo-se de substrato científico, ferramentas ou outras metodologias que possibilitem sua implementação ética, justa, legal e isenta de influências externas, nas atuais condições.

Palavras-chave: Prova Pericial, Telemedicina, Direito da Saúde, Judicialização da Saúde, Consulta Remota, Telediagnóstico.

ABSTRACT

Introduction: In the context of disagreement between different fields of medicine, law, justice, legislation, doctrines and complementary sciences regarding telemedicine, the need to carry out this study became evident. Objective: To discuss the relationship between the current legislation in force in October 2022, after the regulation of telemedicine in Brazil, with the possibility of using technologies, in judicial medical expertise or telemedicine in that country. Methodology: This theoretical and qualitative work has a descriptive and explanatory nature, through bibliographic research, searching in databases, as well as analyzing doctrines, legislation and related jurisprudence, and through an ontological hermeneutic approach, relating the variables, advantages and risks, with the historical, theoretical, doctrinal and scientific technical basis. Discussion: Resolution number 317, of the National Council of Justice (CNJ) and national jurisprudence on the use of medical teleexpertise, contrast with the position of the national medical community, through the Federal Council of Medicine (CFM), whose understanding remains evident through opinions and resolutions, regarding the inoperability of such a practice currently. Conclusion: The contemporary national situation of teleexpertise is rudimentary, abstaining from scientific substrate, tools or other methodologies that allow its ethical, fair, legal implementation, free from external influences, under current conditions.

Keywords: Expert Testimony, Telemedicine, Health Law, Health’s Judicialization, Remote Consultatio, Telediagnostics.

1. INTRODUÇÃO

A possibilidade de implementação da teleperícia médica em processos judiciais tem sido tópico de discussões polêmicas, opiniões, jurisprudências, pareceres e resoluções divergentes, principalmente, em consequência do avanço acelerado e regulamentação da telemedicina após a situação de calamidade devido à pandemia do Coronavírus (1,2).

Os principais apoiadores da teleperícia argumentam sobre possíveis benefícios acerca da implementação da tecnologia em processos judiciais, como a possibilidade de diminuição de gastos do Estado e maior celeridade nos atos processuais, negligenciando, a relevância do assunto à sociedade e às partes de um processo judicial, os quais podem ter seus direitos constitucionais prejudicados, consequentemente às alterações legislatórias desfundamentadas de base teórica e científica quanto à matéria principal, que é o ato pericial médico e suas especificidades (1,3,4).

A Resolução número 317, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Jurisprudências nacionais sobre o uso da teleperícia médica, contrastam com posicionamento da comunidade médica nacional, através do Conselho Federal de Medicina (CFM), cujo entendimento resta evidente via pareceres e resoluções, quanto à inoperabilidade de tal prática atualmente (5–19).

Haja visto o desentendimento entre as diversas searas, medicina, direito, justiça, legislações, doutrinas, ciências complementares, evidenciou-se a necessidade de realizar esse estudo, objetivando discutir a relação entre a legislação atual vigente em outubro de 2022, após a regulamentação da telemedicina no Brasil, com a possibilidade da utilização de tecnologias, em perícias médicas judiciais, ou, teleperícia nesse país.

2. METODOLOGIA

Esse trabalho teórico e qualitativo, tem cunho descritivo e explicativo, via pesquisa bibliográfica, busca em bases de dados Scielo, Pubmed, Medline e Google Acadêmico, jornais, revistas, artigos científicos, livros e consensos nacionais e internacionais, assim como análise de doutrinas, legislações e jurisprudências relacionadas ao tema principal deste feito, a possibilidade da implementação da teleperícia, nas perícias médicas em processos judiciais no Brasil, após a regulamentação da telemedicina, e através de uma abordagem hermenêutica ontológica, relacionar as variáveis, vantagens e riscos, com o embasamento histórico, teórico, doutrinário e técnico científico.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

A sociedade encontra-se à mercê da tecnologia (2). Doutrinas, antigos paradigmas, códigos processuais, entre outras variáveis no Direito, Medicina e ciências multidisciplinares encontram-se em constante evolução diretamente proporcional aos avanços tecnológicos (20,21) .

A regulação exercida pelo Direito, nos impõe limites ou leis, para que possamos usufruir da liberdade, a qual resta limitada à de outrem (22,23). Sendo a anarquia e a tirania diferenciadas pela alternância da presença e ausência da liberdade e autoridade, respectivamente (22). Assim como a sociedade, os magistrados também são balizados, tendo como fundamento, base e limite judicial, a lei (23).

A perícia médica em processo judicial se faz necessária quando o Juiz necessita de esclarecimento de assunto técnico que requer conhecimento técnico médico científico específico(24).

A Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas – ABMLPM, foi fundada em 01 de abril de 2011, oriunda da união da Associação Brasileira de Perícias Médicas e a Associação Brasileira de Medicina Legal, com responsabilidades sobre a especialidade médica Medicina Legal e Perícia Médica, reconhecida em 2008 pelo convênio entre a Associação Médica Brasileira (AMB), CFM e a Comissão Nacional de Residência Médica- CNRM (25).

A Lei n. 12.842, de 10 de julho de 2013, conhecida como Lei do “Ato Médico”, em seu artigo 4º, reserva a perícia médica, como sendo atividade privativa do médico(26).

A perícia médica judicial em processos judiciais, como prova técnica, fundamentada e baseada em conhecimento médico fático-científico, é ciência de grande valia na elucidação e elaboração de juízo de valor do Magistrado, em outra área de conhecimento, medicina legal e perícias médicas. A sentença do julgador não necessariamente está adstrita ao entendimento, na íntegra, do trabalho do expert, porém, na maioria das vezes o entendimento final do magistrado está vinculado ao laudo pericial médico-legal(27,28).

O ato pericial entre médico e periciando é extremamente relevante, podendo ser considerada o principal meio de prova em algumas áreas do direito, podendo ser classificado simplificadamente como extrajudicial ou judicial e direto ou indireto(27).

Sobre as diferenças entre as relações distintas entre médico e paciente e a relação perito e do periciando, Silva (2017), p.5, conclui que:

Na relação médico-paciente o objetivo é a busca pelo tratamento e cura de uma doença, consequentemente haverá a construção de uma cumplicidade que fortalece o vínculo de confiança entre ambos. Na relação médico-periciando, o objetivo é o esclarecimento da justiça através de um exame de natureza médica    da análise de documentos, determinado por uma autoridade e cujo desfecho pode ter um impacto importante na vida do periciando.  Uma situação difícil, na qual o médico perito e o periciando não compartilham os mesmos interesses. O médico perito compromissado com a justiça e o periciando interessado, apenas, num posicionamento a seu favor. Desta forma, conseguimos compreender tanto as semelhanças quanto as diferenças entre as relações estudadas.(29)

Dentre as principais dificuldades enfrentadas no cotidiano de um perito médico são as simulações por parte do periciando, necessitando que o expert esteja sempre atento a essa possibilidade, cujo diagnóstico não é realizado por adivinhação, mas sim pela experiência, conhecimento da fisiopatologia, apresentações e história das doenças, semiologia, testes especiais e, essencialmente, exame físico(30,31).

Devido a sua natureza investigativa, a relação entre o perito e o periciando não conta com objetivo comum, cooperação ou autonomia do periciado, enquanto o perito visa prestar esclarecimentos e auxílio ao Juiz com a finalidade da justiça social (29,32).

Os primórdios da telemedicina no Brasil provêm do século passado, sem definição de modalidades ou muitas informações, evoluindo lentamente ao longo dos anos(1,21). Durante a pandemia da Covid, houve um avanço importante, decorrente da liberação provisória pelo CFM enquanto perdurasse o período de calamidade (21,33)

A Resolução n. 2.314/2022, do Conselho Federal de Medicina (2022), além de regulamentar a telemedicina, traz em seu artigo 1º, que a telemedicina por definição se trata do: “exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação(TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde.”(6).

A Telemedicina tem como focos principais a saúde e o paciente, não estando a modalidade de teleperícia inclusa nas modalidades regulamentadas da telemedicina (6).

Durante a Pandemia, com o mesmo argumento da liberação da telemedicina o INSS e o CNJ implementaram o uso de tecnologias em suas perícias médicas (5,18,19)

Após tentativas de conter as liberações da teleperícia por parte do CFM, ministério público e magistrados tornaram sem efeito pareceres do CFM (7,18,19).

Mesmo após o fim do estado de calamidade pública o entendimento jurisprudencial tem sido de apoio à teleperícia, contrariando as ponderações do Conselho Federal de Medicina(18,19).

Conforme consta no artigo 92, do capítulo XI, do Código de Ética Médica (CEM), é vedado ao médico assinar laudos periciais ou médico-legais sem ter realizado o exame pessoalmente. Além do CEM e Legislação, os peritos médicos devem cumprir as normas dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e CFM (8)

O Código de Processo Civil (CPC), traz em seus artigos: 464, que a prova pericial é composta por exame, vistoria ou avaliação, e, 473, que o laudo pericial deve conter análise técnica ou científica realizada pelo perito, assim como o método utilizado, devendo esse ser aceito predominantemente pelos especialistas da área de conhecimento (3).

São princípios fundamentais que regem a profissão do médico a autonomia e liberdade profissional, não tendo obrigação de prestar serviços que cursem contra os ditames de sua consciência, além de não poder, sem exceções, permitir imposições ou restrições que possam prejudicar a eficiência e correção da sua função (8)

4. DISCUSSÃO

É evidente a simbiose entre os avanços tecnológicos e a área da saúde, perpassando pela cirurgia robótica, fertilização in vitro, mapeamento genético, pesquisas com células tronco, endoscopia, artroscopia, cirurgia a laser e até a própria telemedicina, já descrita neste feito.

A Medicina Legal e Perícia Médica é uma especialidade médica que atua auxiliando o judiciário, na busca dogmática de evidências e provas, com rigor técnico-científico, onde a verdade, transparência, assim como a isenção de opinião e de fatores externos devem prevalecer. Porém, o quão antagônico seria assumir essa dúvida, indecisão e incerteza, quanto à possibilidade da implementação da teleperícia, em uma especialidade, balizada na plausibilidade e evidência científica, cuja premissa de que a clínica é soberana, onde os exames complementares, como o nome já diz, são complementares ao exame clínico, podendo, em alguns casos sugerir alguma alteração, porém, raramente confirmar alguma doença e praticamente nunca sugerir, confirmar ou quantificar dano ou lesão, assim como relacioná-las a algum fato, possível origem ou nexo causal (34,35)

Para o expert atingir a excelência são necessários anos de experiência, formação sólida, conhecimentos em múltiplas especialidades médicas, atenção aos detalhes, zelo à ciência, ética, imparcialidade, conhecimento integrado de diversas ciências e atualização constante (35).

No que se refere ao pragmatismo histórico global de que a clínica é soberana, assim como à tendência mundial, resta confirmada por obra da Associação Médica Americana, a qual leciona que o médico deve considerar sua história detalhada, achados significantes do exame físico e testes clínicos(36)

Mesmo na perícia médica direta, com a disponibilidade de realizar o exame físico do periciando, não é incomum existirem divergências entre peritos e assistentes técnicos, seja na valoração de um dano ou na verificação de incapacidade. Além disso, não é incomum periciandos amplificarem suas queixas ou dores ao perito, ou até mesmo simularem doenças, principalmente frente à possibilidade de ganho secundário, dependendo da razão e motivação da perícia (30,31).

Além das particularidades e dificuldades já citadas, proibições do órgão responsável pela regulamentação da profissão médica o perito fica impossibilitado de realizar exame físico, mensurações fidedignas e testes especiais em possível perícia indireta ou à distância.

É de suma importância frisar, conforme leciona Silva (2021, p.86), que:

uma conclusão médico-pericial sempre tem implicações legais, administrativas, previdenciárias ou criminais, sendo de suma responsabilidade para o perito a emissão de suas opiniões nos laudos, pareceres e relatórios que vier a emitir. Portanto, o perito médico não pode esquecer nunca que é responsável pelos atos e atos errôneos podem acarretar consequências ou penalidades. (37).

O entendimento do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira e Medicina Legal e Perícias Médicas convergem à contrariedade da possibilidade da implementação do uso de tecnologias em perícias médicas nas condições atuais (6–13,17).

A complexidade e as dificuldades de traduzir a ciência de qualidade em leis, direitos e justiça, não são novidade, e enquanto não temos metodologia científica, dogma, diretrizes, estudos e legislação quanto ao uso da tecnologia em perícias médicas judiciais, nos resta refletir quanto à história, evolução, essência da especialidade médica, autonomia médica, ciência, medicina baseada em evidências e referencial teórico em contraste com a metamorfose legislativa e suas possíveis consequências (4,28).    

A situação atual médico jurídica processual, relacionada à demora nas demandas judiciárias, suscita discussões com o intuito de solucionar os mais variados problemas. A premissa de termos passado por período de calamidade não é justificativa plausível para legisladores assumirem decisões arriscadas a abdicar da justiça e ética, negligenciando os possíveis riscos e consequências decorrentes desses atos.(7–17)

Os principais possíveis benefícios do uso da tecnologia para a realização de perícias médicas judiciais seriam: maior celeridade nos atos processuais, redução da poluição, devido à teoria de que a realização pudesse ser de onde os envolvidos estivessem, facilidade de acesso, frente à má distribuição de médicos no amplo território nacional, e principalmente a diminuição de tempo e gastos para todas as partes e instituições (1,3,4)

Diante do exposto, riscos, responsabilidades, deveres, princípios, direitos do perito, médico, quem não pode se deixar enganar, nem tampouco se enganar (30), lhe resta a dialética de seguir as normas do Conselho Federal de Medicina ou as recomendações de seu superior hierárquico ou jurisprudências, dependendo da sua área de atuação como perito judicial (7–17).

Após pesquisa bibliográfica de literatura nacional e internacional, não foram encontrados estudos com evidência científica sobre a efetividade da interação entre a arte pericial e o uso da tecnologia da telemedicina, na coesão médico-jurídica do ato pericial médico, em processos judiciais. As limitações deste estudo foram: o pequeno intervalo de tempo desde a regulamentação da telemedicina nesse país, falta de estudos de qualidade, com evidência científica, a longo prazo e se tratar de um estudo exclusivamente teórico, sendo necessários estudos futuros longitudinais com qualidade e evidência científica(38).

5. CONCLUSÃO

Concluiu-se irrefutável a inaplicabilidade de teleperícia médica em processos judiciais na atualidade, sob a ótica do Conselho Federal de Medicina, entidade responsável pela classe médica. Apesar da regulamentação da telemedicina no Brasil, não há legislação vigente, estudos com evidência científica ou diretrizes que garantam a segurança e validação da teleperícia, tampouco, sobre possível enquadramento da perícia médica judicial com auxílio de tecnologia como parte integrante da telemedicina, a qual, conceitualmente refere-se aos cuidados à saúde, baseada na relação entre médico e paciente e não aborda as peculiaridades, vieses e desafios da relação entre perito e periciando, detalhados neste feito.

A arte pericial não pode ser descrita em palavras, porém, tentarei descrever parte das evidências desperdiçadas em utópica relação “perito x tela x periciando”, em troca da atual perícia direta convencional, cujas nuances captadas pelo expert, emergem desde o contato inicial com o periciando, verificando a aparência, atenção e reação ao ser chamado, os quais seriam perdidos às custas do clicar em um botão verde na tela, pelo aperto de mão, via um tato apurado do examinador, dezenas de informações são possíveis de serem colhidas, da mesma forma que pelo olfato do perito às primeiras palavras e ao contato mais próximo ao examinado, além do ritmo, cadência, outras características da marcha ao adentrar, velocidade e fácies ao sentar, também não seriam possíveis de se mensurar.

As situações normativa e legislativa da teleperícia contemporânea nacional, quanto à longínqua possibilidade do uso de tecnologia em perícia médica judicial, são rudimentares, além de negligenciar a ciência, não considerando as especificidades descritas nesse trabalho, abstendo-se de substrato científico, ferramentas ou outras metodologias que possibilitem sua implementação com ética, justiça social, legalidade, respeito à classe médica e autonomia do perito.

Não se pode admitir justificativas de celeridade processual, orçamento, decisões ou até mesmo leis, sem evidência científica ou posicionamento técnico científico, isento de conflito de interesse, que sobrepujem a autonomia do médico perito, arriscando os direitos fundamentais, de justiça e de igualdade das partes de lide judicial, em que se faça necessária perícia médica.

É mandatório aos legisladores e outros poderes de nosso país, assim como aos Conselhos Estaduais e Federal de Medicina, ponderar a relevância dos avanços tecnológicos na coesão direito e medicina, a matéria, de suma importância, que a perícia médica ocupa em um processo judicial frente às possíveis influências externas, financeiras, comerciais e de poder na tomada de futuras decisões, devendo prevalecer a ciência, critérios técnico-científicos, justiça social, direitos do ser humano, mandamentos ético profissionais e autonomia do perito aos tópicos de conflitos de interesse.


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