Os autores informam que não há conflito de interesse.
Antonio Frabetti
Dra. Carmen Miziara
Giuliana Patricio
Eduardo Koniz
VIctor Covolo
Gabriel Medeiros
(Todos) FMABC
INTRODUÇÃO: Ao nascer, os seres humanos são os mamíferos mais indefesos, visto o longo período de formação do encéfalo decorrente do processo de neuroplasticidade, o qual sofre forte influência ambiental(1,2,3). Abuso e negligência infantil são atos ou omissões de cuidados potencialmente capazes de causar danos físicos ou mentais, reais ou potenciais, impetrados contra menores de 18 anos(4). A criança vítima de abuso é mais suscetível a desenvolver transtornos mentais que variam de acordo com o tipo de maus-tratos(5,6,7,8). Esse ciclo de violência movimenta eixos hormonais e de neurotransmissores que são responsáveis por alterações anatômicas e estruturais no encéfalo destes pacientes(9). Este estudo ganha maior importância e proporções uma vez que o Brasil é líder nas estimativas de maus-tratos contra crianças no mundo.
OBJETIVOS: O presente estudo busca dar luz à discussão sobre os maus-tratos infanto juvenis e suas
repercussões para uma população em que, de acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MMFDH), apenas nos primeiros 5 meses de 2022 notificou 4486 denúncias
contra menores de idade.
Deste modo, expondo alterações de comportamento e distúrbios físicos compatíveis com o abuso e
a negligência infantil, servidores do sistema de saúde poderão agir mais ativamente no processo de
prevenção e intervenção destes ambientes, visto que a violência interfere no desenvolvimento
estrutural e bioquímico cerebral com consequências irreparáveis.
MÉTODOS: Este estudo foi realizado no Centro Universitário FMABC, por meio da revisão narrativa de literatura na base de dados pubmed, aplicando os descritores ‘‘Child Abuse’’ e ‘’Brain Development’’, com o boleano ‘’and’’. O tempo de busca foi de 2016 a 2022. Os critérios de inclusão foram artigos em idioma inglês e espanhol. A seleção partiu da análise dos títulos e dos contidos nos resumos (abstract).
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Durante o desenvolvimento infantil, o volume e a proporção de matéria branca e cinzenta no cérebro se altera em decorrência da poda neural. Este curso é guiado por processos que dependem da experiência vivida e pela que deveria ter sido experimentada(10,11).a)O corpo caloso é responsável pela conexão inter-hemisférica, comunicação e designação de tarefas e sua redução foi constante nos pacientes que sofreram abuso infantil. Ademais, foi visto que esta região reduziu mais em homens que sofreram negligência e em mulheres que sofreram abuso sexual(12,13,14,15). Neste caso, a clínica mais comum nestes pacientes era o processo de lateralização hemisférica visto no ”pensamento preto e branco” do transtorno de personalidade limítrofe(16), além de transtorno ansioso, crises de pânico, aumento de instabilidade afetiva e transtorno de personalidade antissocial(17). b) Quando a clínica era interpretada como amnésias, episódios dissociativos e ansiogênicos, a manifestação mais comum era a redução do volume hipocampal(1,4,18,19), o qual sofria maior redução quando o evento adverso ocorrera anteriormente ao desmame(20).c) Essencialmente ligada ao sistema emocional, o corpo amigdaloide sofre o processo de KINDLING, sendo visto nestes pacientes episódios de convulsões e perda do controle esporádico e, consequentemente, violência impulsiva(19). Além disso, pela conexão com córtex cingulado anterior, casos de ansiedade intensa também se tornaram presentes, além do maior volume de massa cinzenta no giro temporal superior(21). d) O vermis cerebelar está intimamente ligado à resposta ao estresse e, em casos de abuso e negligência infantil, seu desenvolvimento é prejudicado, o qual se manifesta por meio de distúrbios como autismo, esquizofrenia, transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e depressão(19). Além disso, situações de estresse como o abuso infantil prejudicam o desenvolvimento do estriatum, o que causa sua hipoestimulação e contribui para a antecipação do sistema de recompensas, o que está intimamente ligado a quadros de comportamento psicopático(22,23,24,25,26). e) Ambientes de estresse crônico levam a hiperestimulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal(HHA), o que a longo prazo, se manifesta clinicamente como deficiência imunológica, comprometimento cognitivo, crescimento inibido, atraso na maturidade sexual, hipertensão essencial e obesidade visceral(9,27,28) f) O polimorfismo da enzima MAO-A é chamado de gene lutador e predispõe indivíduos ao comportamento antissocial mediante ambiente desfavorável. Deste modo, crianças maltratadas com o genótipo que confere altos níveis de MAO-A estavam menos propensas a desenvolver problemas antissocial, enquanto que homens que foram maltratados e que tinham baixos níveis de MAO-A eram 3x mais propensos a serem condenados por crime violento antes do 26 anos quando comparado com os que eram portadores do genótipo protetor(4,29). g) O cérebro é organizado em redes e sua alteração é a base para psicopatologias(30). Um estudo que comparou vítimas e não vítimas de maus-tratos durante a infância mostrou uma centralidade marcadamente reduzida em regiões do córtex cingulado anterior esquerdo, polo temporal e giro frontal medial, regiões importantes na regulação emocional, atenção e cognição social(31,32,33). Entretanto, quando comparados esses grupos e analisadas as regiões da ínsula anterior direita e precuneus, regiões ligadas a autoconsciência e pensamentos autorreferenciais, havia aumento do volume destas regiões no grupo de vítimas de abuso(34,35,36). h) Em estudo de morfometria baseada em voxel, foi estudado as diferentes manifestações mediante diferentes tipos de abuso. Quando estudado o abuso verbal, a maior diferença foi a diminuição de massa cinzenta no córtex auditivo primário(37) além da diminuição da integridade do fascículo arqueado esquerdo, o que está ligado a um QI verbal menor nestes pacientes(38). Quando analisados casos de abusos presenciados quando criança, observou- se uma redução da massa cinzenta no giro lingual direito(área 18 de Brodmann) e de outras
porções do córtex visual além da diminuição do fascículo longitudinal inferior esquerdo, o que está
associado ao déficit de memória visual especialmente quando os eventos adversos ocorriam entre 7 e
13 anos. Quando analisado o abuso sexual, observou diminuição da massa cinzenta em regiões do
córtex visual envolvidas no reconhecimento facial e afinamento de porções do córtex somatossensorial
envolvidas no processamento de sensações táteis dos genitais. Este afinamento foi mais significativo
em pacientes do sexo feminino, as quais tinham regiões do córtex somatossensorial ligados ao clitóris
e área genital estendida afinadas.(39,40).
CONCLUSÃO:
porções do córtex visual além da diminuição do fascículo longitudinal inferior esquerdo, o que está
associado ao déficit de memória visual especialmente quando os eventos adversos ocorriam entre 7 e
13 anos. Quando analisado o abuso sexual, observou diminuição da massa cinzenta em regiões do
córtex visual envolvidas no reconhecimento facial e afinamento de porções do córtex somatossensorial
envolvidas no processamento de sensações táteis dos genitais. Este afinamento foi mais significativo
em pacientes do sexo feminino, as quais tinham regiões do córtex somatossensorial ligados ao clitóris
e área genital estendida afinadas.(39,40).
Referências bibliográficas
Abuso infantil e negligência e o cérebro – uma revisão. J Psiquiatria Psicológica Infantil. 2000 Jan;41(1):97-116
Panzer A. The neuroendocrinological sequelae of stress during brain development: the impact of child abuse and neglect. Afr J
Psychiatry (Johannesbg). 2008 Feb;11(1):29-34. doi: 10.4314/ajpsy.v11i1.30252. PMID: 19582322.
Teicher MH, Samson JA, Anderson CM, Ohashi K. The effects of childhood maltreatment on brain structure, function and connectivity.
Nat Rev Neurosci. 2016 Sep 19;17(10):652-66. doi: 10.1038/nrn.2016.111. PMID: 27640984
De Bellis MD.A psicobiologia da negligência.Child Maltreatment 2005;10(2):150-172.
Felitti, VJ, Anda, RF, Nordenberg, D., Williamson, DF, Spitz, AM, Edwards, V., … Marks, JS (1998). Relação de abuso infantil e família
disfunção para muitas das principais causas de morte em adultos. O Estudo de Experiências Adversas na Infância (ACE).American
Journal of Preventive Medicine, 14(4), 245-258
Finkelhor, D., Ormrod, RK, & Turner, HA (2007). Polivitimização e trauma em uma coorte longitudinal nacional.Desenvolvimento e
Psicopatologia, 19(01),https:// doi.org/10.1017/S0954579407070083.
MacKenzie, MJ, Kotch, JB, & Lee, L.-C. (2011). Rumo a um modelo de risco ecológico cumulativo para a etiologia dos maus-tratos
infantis.Serviços para crianças e jovens Revisão, 33(9),638-1647.https://doi.org/10.1016/j.childyouth.2011.04.018.
Masten, AS, & Wright, MO (1998). Modelos cumulativos de risco e proteção de maus-tratos infantis.Jornal de agressão, maus-tratos e
trauma, 2(1), 7-30.https:// doi.org/10.1300/J146v02n01_02.
Charmandari E,KinoT, Souvatzoglou E,Chrousos GP.Estresse pediátrico: mediadores hormonais e desenvolvimento humano.Horm Res.
2003;59(4):161-79
Bandura, A. (1973). Agressão: Uma análise de aprendizagem social.Oxford, Inglaterra: Prentice-Hall. Bandura, A. (1978). Teoria da
aprendizagem social da agressão.O Jornal de Comunicação, 28(3), 12-29.
Dodge, KA, Bates, JE, & Pettit, GS (1990). Mecanismos no ciclo de violência.Ciência, 250(4988), 1678-
1683.https://doi.org/10.1126/science.2270481
Teicher, M. H. et al. Childhood neglect is associated with reduced corpus callosum area. Biol. Psychiatry 56, 80–85 (2004).
Teicher, M. H. et al. Preliminary evidence for abnormal cortical development in physically and sexually abused children using EEG
coherence and MRI. Ann. NY Acad. Sci. 821, 160–175 (1997)
De Bellis, M. D. & Keshavan, M. S. Sex differences in brain maturation in maltreatment-related pediatric posttraumatic stress disorder.
Neurosci. Biobehav. Rev. 27, 103–117 (2003)
Juraska, J. M. & Kopcik, J. R. Sex and environmental influences on the size and ultrastructure of the rat corpus callosum. Brain Res. 450,
1–8 (1988).
Teicher, M. H. Wounds that time won’t heal: the neurobiology of child abuse. Cerebrum 4, 50–67 (2000).
Kaplow JB,WidomCS.A idade de início dos maus-tratos infantis prediz resultados de saúde mental a longo prazo. J Anorm Psychol
2007;116(1):176-187.
Noble KG, Tottenham N, Casey BJ. Perspectivas da neurociência sobre disparidades na prontidão escolar e desempenho
cognitivo.Future Child. Primavera de 2005;15(1):71-89.
Teicher MH, Andersen SL, Polcari A, Anderson CM, Navalta CP, Kim DM. As consequências neurobiológicas do estresse precoce e
maus-tratos na infância.Neurosci Biobehav Rev 2003;27(1-2):33-44.
Andersen, S. L. & Teicher, M. H. Delayed effects of early stress on hippocampal development. Neuropsychopharmacology 29, 1988–
1993 (2004).
Naude H, du Preez CS, Pretorius E. O impacto do abuso infantil como estressor ambiental traumático na plasticidade da inteligência.
CARSA 2003;4(2):10-26.
Hanson, J. L., Hariri, A. R. & Williamson, D. E. Blunted ventral striatum development in adolescence reflects emotional neglect and
predicts depressive symptoms. Biol. Psychiatry 78, 598–605 (2015).
Takiguchi, S. et al. Ventral striatum dysfunction in children and adolescents with reactive attachment disorder: a functional MRI Study.
BJPsych Open 1, 121–128 (2015).Mehta, M. A. et al. Hyporesponsive reward anticipation in the basal ganglia following severe
institutional deprivation early in life. J. Cogn. Neurosci. 22, 2316–2325 (2010).
Boecker, R. et al. Impact of early life adversity on reward processing in young adults: EEG-fMRI results from a prospective study over 25
years. PLoS ONE 9, e104185 (2014).
Hanson, J. L. et al. Cumulative stress in childhood is associated with blunted reward-related brain activity in adulthood. Soc. Cogn.
Affect. Neurosci. 11, 405–412 (2015).
Dillon, D. G. et al. Childhood adversity is associated with left basal ganglia dysfunction during reward anticipation in adulthood. Biol.
Psychiatry 66, 206–213 (2009)
Flinn MV.Evolução e ontogenia da resposta ao estresse aos desafios sociais na criança humana.Developmental Review.Vol 26(2) Jun
2006, 138-174.
Susman EJ.Psicobiologia do comportamento antissocial persistente: Estresse, vulnerabilidades precoces e a hipótese de
atenuação.Neurosci Biobehav Rev 2006:30(3):276-389
Heide KM, Solomon EP.Biologia, trauma de infância e assassinato: Repensando a justiça. Int J Law Psych 2006:29(3);220-233
van den Heuvel, M. P. & Hulshoff Pol, H. E. Exploring the brain network: a review on resting-state fMRI functional connectivity. Eur.
Neuropsychopharmacol. 20, 519–534 (2010).
Stevens, F. L., Hurley, R. A. & Taber, K. H. Anterior cingulate cortex: unique role in cognition and emotion. J. Neuropsychiatry Clin.
Neurosci. 23, 121–125 (2011).
Ross, L. A. & Olson, I. R. Social cognition and the anterior temporal lobes. Neuroimage 49, 3452–3462 (2010).
Amodio, D. M. & Frith, C. D. Meeting of minds: the medial frontal cortex and social cognition. Nat. Rev. Neurosci. 7, 268–277 (2006).
Teicher, M. H., Anderson, C. M., Ohashi, K. & Polcari, A. Childhood maltreatment: altered network centrality of cingulate, precuneus,
temporal pole and insula. Biol. Psychiatry 76, 297–305 (2014).
Cavanna, A. E. & Trimble, M. R. The precuneus: a review of its functional anatomy and behavioural correlates. Brain 129, 564–583
(2006).
Craig, A. D. How do you feel — now? The anterior insula and human awareness. Nat. Rev. Neurosci. 10, 59–70 (2009)
Tomoda, A. et al. Exposure to parental verbal abuse is associated with increased gray matter volume in superior temporal gyrus.
Neuroimage 54, S280–S286 (2011).
Choi, J., Jeong, B., Rohan, M. L., Polcari, A. M. & Teicher, M. H. Preliminary evidence for white matter tract abnormalities in young adults
exposed to parental verbal abuse. Biol. Psychiatry 65, 227–234 (2009)
Choi, J., Jeong, B., Polcari, A., Rohan, M. L. & Teicher, M. H. Reduced fractional anisotropy in the visual limbic pathway of young adults
witnessing domestic violence in childhood. Neuroimage 59, 1071–1079 (2012)
Tomoda, A., Navalta, C. P., Polcari, A., Sadato, N. & Teicher, M. H. Childhood sexual abuse is associated with reduced gray matter
volume in visual cortex of young women. Biol. Psychiatry 66, 642–648 (2009).
1.