Objetiva-se com o trabalho realizar uma avaliação sobre o  impacto dos quesitos oficiais da pericia médico legal como  possível ferramenta na prevenção da tortura

Resumos

O PAPEL DOS QUESITOS OFICIAIS DA PERÍCIA MÉDICO LEGAL NA PREVENÇÃO DA TORTURA

Os autores informam que não há conflito de interesse.

Marcela Sena Braga (1)

Larissa Yano Souza Martins (1)

Luiz Felipe Guimarães Gualberto Moreira (1)

Felipe Peixoto Lasmar (1)

Fernando Alves Esbérard Leite (2)

(1) Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais

(2) Polícia Civil de Minas Gerais

INTRODUÇÃO/FUNDAMENTOS: O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) definiu o  termo “Ação Forense Humanitária” como “a aplicação da  ciência forense às atividades humanitárias”. (1) 

No que diz respeito à tortura e outras penas ou tratamentos  cruéis, desumanos ou degradantes, o papel da Medicina Legal  se mostra essencial porque busca trazer a reparação  simbólica de vítimas e familiares, além de contribuir com a  sociedade, através da garantia de verdade, justiça, memória e  a perspectiva de se atuar na prevenção de novos episódios.  (2)  

O médico legista emite um parecer especializado sobre até  que ponto as conclusões médicas validam ou não as  alegações de maus tratos. (3) 

OBJETIVOS: Objetiva-se com o trabalho realizar uma avaliação sobre o  impacto dos quesitos oficiais da pericia médico legal como  possível ferramenta na prevenção da tortura. 

MÉTODOS: Revisão da literatura em artigos entre 2021 e 2022, usando as  bases de dados Medline e SciELO. Foram usados, ainda, o  Tratado de Antropologia Forense, o Protocolo de Istambul, as  Diretrizes da resolução nº 414 do Conselho Nacional de  Justiça, de 2 de setembro de 2021 que faz referência aos  quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de  delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura e  outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e o  Caderno de Quesitos Oficiais da Polícia Judiciária Civil para a  Perícia Oficial e Identificação Técnica do Estado de Mato Grosso.

RESULTADOS: Petersen (2022) oferece sua experiência de 30 anos  trabalhando com documentação e prevenção da tortura em  um editorial no qual traz os principais pontos relacionados às  visitas a centros de detenção em diferentes países com uma  análise dos elementos que perpetuam a tortura. Um dos  pontos abordados é o fato de que muitas autoridades foram  capazes de se desvencilhar de acusações porque grande  parte das torturas não deixa marcas físicas. (4) 

Nos quesitos oficiais utilizados nas perícias realizadas no  Brasil, também se percebe uma insuficiência em relação à  investigação da tortura e outros tratamentos degradantes.  Quando se trata de necropsia, questiona-se apenas “A morte  foi produzida com o emprego de veneno, fogo, explosivo,  asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel?”.  Paralelamente, quando se trata de perícia em vivo, no exame  de lesão corporal, questiona-se somente “A ofensa foi  produzida com o emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura  ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar  perigo comum?”. (5) 

O efeito da ameaça como um instrumento de coerção pode  ser altamente maléfico para o indivíduo, gerando estados de  medo e ansiedade que forçam o sujeito a agir contra sua  vontade. (6)

CONCLUSÕES/CONSIDERAÇÕES FINAIS: A importância da medicina legal frente aos episódios de tortura  e maus tratos se mostra muito clara quando se compreende  que a luta contra a impunidade está diretamente relacionada à  prevenção de tais acontecimentos. Os Institutos Médico-Legais  podem ser uma importante ferramenta para que os fatos  relacionados à tortura não sejam ocultados. Os quesitos  oficiais devem ser reformulados de forma a contemplar a  investigação de episódios de tortura e maus tratos porque,  somente dessa forma, tais práticas serão identificadas e  poderão ser relatadas para que políticas públicas sejam criadas  de modo a prevenir a perpetuação da tortura na sociedade.


Referências bibliográficas

1.Machado CEP, Deitos AR, Velho JA, Cunha E. Tratado de Antropologia Forense. 1ed. Campinas, SP: Millenium Editora; 2022. p. 565-566, 751-770.

2.Almada HR, Hernández NB, Salaverría VI, Real EP. Estudio médico-forense de la muerte bajo custodia durante el terrorismo de Estado en Uruguay. Rev  Méd Urug. 2022; 38(2): p1-14. doi: 10.29193/RMU.38.2.6 

3.Série de Formação Profissional. Protocolo de Istambul: manual para a investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos  cruéis, desumanos ou degradantes. [Online]; 2001 [cited 2022 October 10]. Available from:  http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/a_pdf/manual_protocolo_istambul.pdf

4.Petersen HD. Looking back at experiences from 30 years with documentation and prevention of torture. Torture. 2022; 32(1): p14-29.  https://doi.org/10.7146/torture.v32i1-2.130847

5.Polícia Judiciária Civil. Caderno de Quesitos Oficiais. [Online]; 2011 [cited 2022 October 10]. Available from:  https://www.tjmt.jus.br/INTRANET.ARQ/CMS/GrupoPaginas/105/988/Caderno_de_quesitos_oficiais_da_POLITEC.pdf 

6.Pérez-Sales P. Defining and documenting threats in the context of ill-treatment and torture. Medical and psychological perspectives. Torture. 2021;  31(1): p3-18. https://doi.org/10.7146/torture.v31i1.125777