Artigo de Revisão

TELEPERÍCIA NO BRASIL: REVISÃO DE LITERATURA E ANÁLISE SOB A ÓTICA DA MEDICINA LEGAL

Como citar: Fujisawa RK, Konichi RYL, Miziara ID. Teleperícia no Brasil: revisão de literatura e análise sob a ótica da medicina legal. Persp Med Legal Pericia Med. 2023; 8: e230515

https://dx.doi.org/10.47005/230515

Recebido em 04/11/2022
Aceito em 02/05/2023

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Os autores informam não haver conflito de interesse.

TELEFORENSICS IN BRAZIL: LITERATURE REVIEW AND ANALYSIS FROM THE POINT OF VIEW OF FORENSIC MEDICINE

Raísa Kyn Fujisawa (1)

http://lattes.cnpq.br/1576287532511418https://orcid.org/0000-0001-6194-3625

Renata Yumi Lima Konichi (2)

http://lattes.cnpq.br/0287972168845427https://orcid.org/0000-0002-5882-1368

Ivan Dieb Miziara (3)

http://lattes.cnpq.br/3120760745952876https://orcid.org/0000-0001-7180-8873

(1) Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação Faculdade de Medicina da USP, São Paulo/SP, Brasil (autor principal, revisão bibliográfica).

(2) Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação Faculdade de Medicina da USP, São Paulo/SP, Brasil (autor secundário, revisão bibliográfica)

(3) Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação Faculdade de Medicina da USP, São Paulo/SP, Brasil (orientador)

E-mail: raisa.kyn@hc.fm.usp.br

RESUMO

Introdução: A telessaúde vem se desenvolvendo e expandindo progressivamente. O uso das tecnologias visa levar serviços de saúde à toda população de maneira segura, conveniente, eficiente e efetiva; diminuir o tempo de espera pelo atendimento; ultrapassar as dificuldades geográficas, socioeconômicas e culturais, evitando o deslocamento desnecessário da equipe de saúde ou do paciente; e reduzir os custos. Material e método: Revisão de literatura com análise de artigos e publicações nas bases de dados Lilacs, Pubmed, Scielo e Embase, para levantamento de dados referentes às perícias médicas com o uso da telemedicina, avaliando as técnicas utilizadas nas diferentes áreas médico-periciais e estabelecendo a viabilidade da teleperícia e quais situações a utilização de recursos tecnológicos da telemedicina é possível para fins periciais; levando-se em consideração a legislação vigente no Brasil. Discussão: A teleconsultoria é amplamente utilizada em outros países e pode ser utilizada substancialmente em todos os domínios da medicina legal e perícia médica. Em algumas áreas, fazendo-se algumas ressalvas, a própria avaliação do indivíduo pelo perito pode ser feita a distância. Conclusão: A teleperícia é possível, porém com ressalvas e precauções. É imprescindível a triagem para selecionar as perícias viáveis a distância, a elaboração de normas específicas para esse modelo de atendimento, o respeito à autonomia do profissional que optar por realizar ou não a perícia remota, o emprego de equipamentos e materiais de alta qualidade e, por fim, a contratação de equipe com proposta de estabilidade, para que seja capacitada e atue conforme as diretrizes estabelecidas.

Palavras-chave: telemedicina, telessaúde, e-saúde, teleperícia, forense, Covid-19.

ABSTRACT

Introduction: Telehealth has been developing and expanding. The use of technologies aims to delivery health services to the entire population in a safe, convenient, efficient, and effective way; decrease the waiting time for care; overcome geographic, socioeconomic, and cultural difficulties, avoiding unnecessary displacement of the health team or the patient; and reduce costs. Material and methods: Literature review with analysis of articles and publications in Lilacs, Pubmed, Scielo and Embase databases, to collect data regarding forensic medicine using telemedicine, evaluating the techniques used in different medical-forensic areas and establishing the viability of the teleforensics and which situations the use of telemedicine technological resources is possible for forensic purposes; according to the current law in Brazil. Discussion: Teleconsulting is widely used in other countries and can be used substantially in all fields of forensic medicine. In some areas, with some reservations, the assessment of the subject by the expert can be done remotely. Conclusion: Teleforensics is possible, but with limitations and precautions. Screening is essential to select viable remote evaluation, developing specific standards for this model of care, respecting the autonomy of the professional who chooses to perform remotely or not, using high quality equipment and materials and, finally, hiring a team with stability, so they can be trained and act according to the established guidelines.

Keywords: telemedicine, telehealth, e-health, teleforensics, forensic, Covid-19.

1. INTRODUÇÃO

A telemedicina é definida como um método de serviço médico interposto por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs) utilizadas para assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde; deve respeitar os requisitos do Nível de Garantia de Segurança-2 (NGS2), o padrão da infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e as definições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) (1–3). Desde 1959, a telessaúde simboliza ampliação do acesso ao serviço de saúde, versatilidade, redução dos custos, menos tempo despendido e pacientes mais comprometidos com o seguimento (4).

A telessaúde envolve diversas áreas e a telemedicina abrange várias modalidades como: teleconsulta, teleinterconsulta, telediagnóstico, telecirurgia, telemonitoramento ou televigilância, teletriagem e teleconsultoria. O avanço tecnológico da informática, especialmente no âmbito das telecomunicações, possibilitou a inserção da telemedicina nos serviços de saúde, melhorando a prática médica, desde que seja preservada uma boa relação médico-paciente e seja mantida a cautela com a confidencialidade (1,3).

A telessaúde no Brasil tem como objetivo levar serviços de saúde à toda população de maneira segura, conveniente, eficiente e efetiva; diminuir o tempo de espera pelo atendimento; ultrapassar as dificuldades geográficas, socioeconômicas e culturais, evitando o deslocamento desnecessário da equipe de saúde ou do paciente; e reduzir os custos dos serviços de saúde. Acabou sendo substancial após o início da pandemia, reduzindo o fluxo de pessoas, principalmente aquelas com comorbidades e mais vulneráveis às doenças, disponibilizando serviços de saúde em áreas remotas e conectando os pacientes às equipes de especialistas que geralmente estão disponíveis apenas nos grandes centros (3,5,6).

Além disso, no Brasil e no mundo, há uma tendência a maior longevidade da população, trazendo consigo um aumento na prevalência dos agravos crônicos de saúde e da demanda dos serviços de saúde (3). O uso da tecnologia na área médica viabiliza o acompanhamento mais frequente do paciente, possibilitando as intervenções precoces que diminuem as agudizações e intercorrências e, assim, reduzem os custos da assistência em saúde e melhoram a qualidade de vida do paciente (1).

No ano de 2019, de acordo com o IBGE, 84% dos domicílios no Brasil tiveram acesso e utilizaram internet, sendo que em 99,5% dos casos o acesso também se deu por meio de telefone celular (7). Sendo assim, pode-se considerar que o acesso à internet é amplo no Brasil, facilitando a implementação da telemedicina (5). A Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 foi estruturada pelo DATASUS e tem como objetivo estabelecer a saúde digital no Brasil com a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), bem como associá-la com projetos de Governo Digital e outras políticas públicas e de saúde, em continuidade com diretrizes e ações do Sistema Único de Saúde (SUS) (6,8).

A Associação Médica Mundial e o Conselho Federal de Medicina ainda consideram o atendimento presencial como sendo superior à assistência realizada a distância. Com o uso autorizado da telessaúde durante a pandemia do Covid-19 no Brasil, observaram-se muitas fragilidades no sistema, sobretudo no que diz respeito à segurança dos dados dos pacientes. Existe então a necessidade de uma revisão imediata das normas e leis que fiscalizam e regulamentam a atuação dos profissionais na telemedicina (1).

A perícia médico-legal é um ato médico, científico e elaborado por um profissional habilitado, o médico perito, a fim de produzir uma prova técnica e esclarecer a justiça sobre um fato (5,9,10).

Quando o assunto é a perícia médica, lidamos com um problema social também, uma vez que os indivíduos que solicitam os benefícios previdenciários por incapacidade temporária ou permanente dependem desse valor para suprir necessidades básicas de alimentação, moradia, entre outros (5). No próprio Código de Processo Civil, de 2021, a lei permite o uso de recursos tecnológicos para esclarecimento dos fatos, como consta no art. 236, §3º, orienta que os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial e que esses atos podem ser realizados através de videoconferência ou outros meios tecnológicos (11).

2. MATERIAL E MÉTODO

O trabalho foi realizado com o propósito de explorar as possibilidades do uso da telemedicina no âmbito das perícias médicas. Dessa forma, foi feita uma coleta qualitativa de dados, na tentativa de compreender as melhores alternativas de aplicação da teleperícia através de uma revisão de literatura realizada com pesquisa de artigos e publicações nas bases de dados Lilacs, Pubmed, Scielo e Embase; com o uso dos descritivos: “telemedicina”, “telessaúde”, “e-saúde”, “teleperícia” e “forense”, além de buscas na legislação brasileira e no Conselho Federal de Medicina, das normas, resoluções, leis e protocolos vigentes.

3. RESULTADOS

3.1. A PERÍCIA MÉDICA NO CENÁRIO DA PANDEMIA DO COVID-19

O surto do covid-19 se iniciou em dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, mas tomou proporções globais em questão de pouco tempo, chegando ao Brasil em fevereiro de 2020. O novo coronavírus (vírus Sars-Cov-2) apresenta alta infectividade e é o agente etiológico de uma síndrome gripal que, em alguns casos, apresenta intensa resposta inflamatória e evolui desfavoravelmente para pneumonia e síndrome respiratória aguda grave (12,13).

Com o surto do Sars-Cov-2 houve um processo de isolamento social repentino, com a paralisação de diversos serviços, inclusive as atividades médico-periciais que, no Brasil, foram suspensas no dia 18 de março de 2020, após determinação do Tribunal Regional do Trabalho com o Ato nº 003/2020/TRT14/GP, artigo 2º, item V (12). Porém, em 15 de abril de 2020, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.989, permitindo o uso da telemedicina durante a crise do coronavírus (9,13,14); e em 30 de abril de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 317 permitindo a realização de perícias assistenciais ou para benefícios previdenciários por incapacidade através de meios eletrônicos (9,12). E, devido ao acúmulo de ações nesse período e levando em consideração que o processo deve ser concluído em tempo satisfatório, de acordo com a Constituição Federal de 1988, em 19 de maio de 2020, o Comitê de Crise do CNJ determinou a viabilidade das perícias presenciais desde que: (1) a perícia presencial fosse indispensável; (2) houvesse avaliação minuciosa da condição local quanto à evolução da pandemia e regras de distanciamento social; e (3) fossem cumpridas as normas sanitárias, de higiene etc. (12).

Apesar do parecer do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 2012, descrevendo a possibilidade da realização de perícias médicas administrativas por videoconferência e das diversas propostas para a realização de teleperícia, seguindo as normas da telemedicina redigida pelo CFM na Resolução nº 1.643/2002 (atualmente já revogada) e na Portaria nº 467/ 2020, o próprio CFM destacou, com o Parecer nº 03/2020 e a Resolução nº 10/2020, que a perícia técnica efetuada à distância estaria infringindo o Código de Ética Médico (CEM) (12,15). Dessa maneira, o Juizado Especial Federal, em 24 de julho de 2020, alterou a Portaria nº 10.587.376 que dispunha sobre a prática das perícias médicas nos consultórios dos peritos durante a pandemia do Covid-19 (12).

3.2. LEGISLAÇÃO ATUAL

O pós-pandemia no Brasil nos trouxe várias atualizações no âmbito da saúde digital. A mais recente delas é a Resolução do CFM nº 2.314, de 05 de maio de 2022, criada para disciplinar o exercício da medicina e garantir os preceitos éticos e legais no que diz respeito a telemedicina; definida pela prática da medicina através das Tecnologias Digitais, de Informação e Comunicação (TDICs) para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde. Ainda nessa resolução, o CFM reitera que a consulta presencial continua sendo a referência no atendimento ao paciente e que a telemedicina não a substitui (1).

No presente momento, temos em vigência o CEM atualizado em 2019, que trata sobre “Auditoria e perícia médica” em seu capítulo XI e que, em seu art. 92, dispõe da necessidade de se realizar o exame médico-legal presencialmente, artigo este que entra em confronto com a Resolução nº 317 do CNJ, de 2020 e também atualmente ativo, que permite a utilização de TDICs em perícias que avaliam benefícios assistenciais ou previdenciários por incapacidade (16)(17).

Porém, desde 15 de abril de 2020, pela Lei nº 13.989 aprovada pelo Congresso Nacional, a telemedicina foi autorizada durante a crise da Covid-19, em caráter emergencial e em todo o território nacional (14). Bem como, em 30 de março de 2021, através do artigo 6º da Lei nº 14.131, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) foi autorizado, até o dia 31 de dezembro de 2021, a liberar o benefício por incapacidade temporária por até 90 dias para os segurados e sem possibilidade de prorrogação, sendo efetuada nos moldes de uma perícia indireta, de forma remota, sem a necessidade da avaliação presencial e mediante atestado médico e documentos complementares que evidenciem a doença alegada como causa da incapacidade (18).

Recentemente, em 30 de março de 2022, foi publicada a Portaria nº 673 do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), que estabelece a possibilidade da substituição da perícia presencial pela avaliação pericial a distância e as condições necessárias para que isso ocorra. Essa portaria leva em consideração as perícias para verificação de capacidade laboral nas solicitações de auxílio por incapacidade temporária com duração menor que 90 dias portaria (19).

Outro fator importante a ser discutido é a segurança de informação de dados. Em 2007, com a Resolução nº 1.821 (modificada pela Resolução nº 2.218/2018) o CFM já ditava algumas normas técnicas quanto à digitalização e uso dos sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes, através do Manual de Certificação para Sistemas de Registro Eletrônico em Saúde (20). Em 27 de dezembro de 2018, foi publicada a Lei nº 13.787 que também estabelece sobre a digitalização do prontuário do paciente, bem como determina normas sobre a utilização de sistemas informatizados para a sua guarda, armazenamento e manuseio; de modo a garantir a integridade, a autenticidade e a confidencialidade do documento digital (21).

Através da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018 (alterada pela Lei nº 13.853/2019), foram disciplinados os cuidados que devemos tomar com os dados pessoais, que são informações relacionadas a pessoa natural identificada ou identificável. Essas determinações são válidas para todas as pessoas, física e jurídica; todas as esferas, sendo incluído o meio tecnológico; e em todo o território nacional. E tem o objetivo de proteger a liberdade, a privacidade, o desenvolvimento econômico e tecnológico, os direitos humanos e o livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo (22).

3.3. TELESSAÚDE

O uso da telemedicina já vem sendo difundido desde 1960, porém, a pandemia do Covid-19 proporcionou um rápido avanço das tecnologias disponíveis para realização de videoconferências (23).

A telessaúde (telecare, e-health e telehealth) pode ser descrita como a utilização da tecnologia para prestar assistência ou educação relativas as áreas da saúde. Apesar de ser usada, por alguns autores, como sinônimo, a telemedicina é uma modalidade da telessaúde (24,25). A OMS, em 2019, adotou o termo saúde digital para referir-se a telessaúde.

O surgimento e fortalecimento da telessaúde é o resultado de condições socioculturais e demográficas. Principalmente em um país de grande diversidade cultural e territorial, diferenças sociais e econômicas, como o Brasil, onde o acesso à saúde – em seus mais diversos territórios e contextos – torna-se um desafio. No contexto da pandemia de SARS-CoV-2, sua necessidade tornou-se ainda mais evidente, visto que – em decorrência das medidas de isolamento social para contenção das infecções – ficou explícita a urgência de levar saúde à casa dos pacientes, dispondo de profissionais especializados e exames complementares, bem como de medidas de comunicação e educação em saúde.

É composta por diversas modalidades, contemplando temas como: assistência, prevenção, promoção de saúde e educação (6,13).

3.3.1 Telemedicina

Há diversas definições para a Telemedicina, visto que ainda não há um consenso na literatura para delimita-la, mas – muito embora divirjam em alguns pontos – é comum o seu entendimento como o uso de tecnologias para a prática da medicina, seja de forma assistencial, educacional ou de pesquisa. O CFM define telemedicina como o “exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde.” (CFM 2002). A definição da OMS (2019), dá destaque ao seu exercício “especialmente nos casos onde a distância é um fator crítico”.

Apesar de existirem discordâncias quanto aos termos, para este estudo, entendemos na como a modalidade de telessaúde que abrange especificamente as interações à distância com profissionais médicos (25). A telemedicina utiliza categorias de atividades como: educacionais e treinamentos; pesquisa multicêntrica; e assistência, que também se subdivide.

Categorias de atividades da Telemedicina
Atividades educacionais e treinamentosAcesso a centros de referência com compartilhamento de experiências, resultados, transmissão de cirurgias e compartilhamento e treinamento de novas técnicas, etc.
AssistênciaAtividades de assistência médica a distância (segunda opinião especializada, monitoramento de pacientes, análise e emissão de laudos; e teleconsultas).
Pesquisa multicêntricaColaboração entre centros de pesquisa com possibilidade de padronização de métodos, otimização de tempo e custo; e compartilhamento de dados.
(Wen, 2008; Hassibian & Hassibian, 2016; Jani et al, 2017).

Modalidades da Telemedicina assistencial
TeleassistênciaAuxílio médico remoto a um profissional de saúde.
TeleconsultaConsulta médica, remotamente.
Tele-expertiseAuxílio médico especializado a outro médico.
TelemonitoramentoInterpretação remota dos dados de acompanhamento médico de um paciente e quando apropriado, orientação de cuidados.

A telemedicina emerge, atualmente, como um recurso que diminui custos a partir da telessaúde, uma vez que disponibiliza cuidados e atenção a diferentes espaços, que beneficia a comunidade e que promove respostas rápidas, principalmente no campo da Atenção Primária à Saúde (6).

3.3.2 Teleconsulta

Essa modalidade, possibilita que a consulta médica seja feita remotamente, ampliando o acesso à assistência médica para a população. Sua regulamentação principal motivo de discussão dos órgãos reguladores, profissionais e sociedades de classe e, por isso, existem diferenças entre os países quanto à sua prática. Como, quando e quem pode usufruir da telemedicina – sobre as teleconsultas principalmente -; bem como o contato direto entre médicos e pacientes, sem a mediação de uma instituição ou de outro profissional saúde, são motivos de controvérsias (13), uma vez que o tema envolve fatores culturais e socioeconômicos, como também interesses sociais, profissionais, comerciais e econômicos.

A qualidade na assistência, o aumento eventual de diagnósticos equivocados, a utilização exagerada, a insegurança de dados e de informações privadas, bem como a possiblidade de se tornar um vetor de desemprego de profissionais médicos – conforme apontado pela revista AMF (2018) – são questões levantadas quanto aos malefícios dessa nova prática médica. Há quem defenda que as teleconsultas são uma oportunidade melhorar o acesso a serviços de saúde, diminuir o deslocamento dos pacientes, reduzir os custos em saúde, aproximar o acesso à especialista, principalmente em regiões remotas; outros creem que ela é uma ameaça à assistência médica e a própria carreira médica (13).

3.3.3. Teleassistência

Contempla atividades de assistência médica à distância, como: segunda opinião especializada; monitoramento de pacientes; análise e emissão de laudos; e teleconsultas. Desta forma, proporciona auxílio a um profissional de saúde, por um médico, remotamente (13).

3.3.4. Tele-expertise ou teleconsultoria

Essa modalidade de telessaúde permite médicos solicitem a opinião de um ou mais médicos especialistas, por meios digitais, quando surgirem dúvidas em relação a um diagnóstico ou escolha de tratamento relacionado a outra disciplina médica. Deste modo, evita-se que os pacientes precisem aguardar por uma consulta com um especialista, além de eliminar os custos associados; e a rápida troca de conhecimentos favorece a qualidade dos diagnósticos e tratamentos, vez que se tornam melhor fundamentados (13).

3.3.5 Telediagnóstico

Segundo o Ministério da Saúde, é o serviço que “utiliza as tecnologias da informação e comunicação para realizar serviços de apoio ao diagnóstico através de distâncias geográfica e temporal” (26). A Resolução n° 2.227/18 do CFM, define o telediagnóstico como a transmissão de gráficos, imagens e dados para emissão de laudo ou parecer (13).

De forma simplificada, como o próprio nome indica, trata-se do diagnóstico efetuado a distância, seu principal benefício reside na melhoria do acesso a métodos diagnósticos essenciais à saúde, principalmente nas áreas remotas – distantes dos grandes centros urbanos. Diversos exames diagnósticos podem se valer das tecnologias da informação e comunicação, dependendo da transmissão de sinais biológicos, como sinais elétricos e imagens médicas ou radiológicas (27).

3.3.6 Telemonitoramento

A Resolução n° 2.227/18 do CFM, o caracteriza como uma ação feita de acordo com a orientação e supervisão médica para monitoramento – à distância – de parâmetros de saúde ou doença do local onde o paciente se encontra, até um centro especializado de monitoramento, interpretação e análise, sendo uma das mais importantes aplicações da telemedicina. Dá-se através da obtenção direta de imagens, sinais e dados de equipamentos ou dispositivos agregados ou implantáveis no paciente (13). Nessa modalidade, o registro e a transmissão de dados podem ser realizados pelo próprio paciente ou por um profissional de saúde.

Ele traz reflexos positivos no que diz respeito à desospitalização, saúde preventiva, diagnóstico precoce, aumento na expectativa de vida e conforto. Trata-se de um importante instrumento para enfrentar o crescimento dos custos com as doenças crônicas não transmissíveis, pelos sistemas nacionais de saúde, um dos notáveis desafios na prestação de serviços de saúde mundialmente (28).

3.3.7. Telerregulação

Entende-se telerregulação por um conjunto de ações em sistemas de regulação cuja finalidade é proporcionar respostas pertinentes às demandas existentes. Em última análise, visa proporcionar a assistência em saúde adequada, por meio da garantia do acesso e equidade aos serviços de saúde. Em seu escopo, também abrange a avaliação e o planejamento das ações – inteligência reguladora operacional à gestão. Atualmente, tem importante relevância à Atenção Primária em Saúde (1).

3.3.8. Tele-educação

O serviço de tele-educação integra o conjunto de ações de telessaúde, utilizando tecnologia para aperfeiçoamento de conhecimentos de alunos e profissionais. Objetiva contribuir para a educação permanente dos profissionais, sem precisar deslocá-los de suas atividades diárias no território (27).

3.3.9. Teleperícia

A perícia médica se caracteriza por um conjunto de procedimentos técnicos cujo objetivo é esclarecer um fato de interesse da justiça, e o perito é o técnico incumbido pela autoridade de esclarecer o fato da causa, auxiliando, desse modo, na formação da convicção da autoridade judicial. Dessa forma, a perícia é um meio de prova, e o perito médico, um auxiliar imparcial e de confiança do juiz. Assim, a teleperícia seria a perícia médica realizada através de videoconferência associada ao estudo virtual dos documentos médico-legais (15,29).

Diferentemente da perícia indireta – como nos casos em que o periciando já é falecido ou não pode comparecer à perícia médica por algum motivo – que consiste na avaliação dos documentos médico-legais do processo e das informações colhidas com familiares ou pessoas próximas, quando o exame físico do periciado é inviável (5,9).

O apoio da tecnologia digital no âmbito judiciário das perícias médicas, assim como na medicina assistencial, também visa superar os obstáculos sociais, culturais, geográficos e econômicos, para que se possa alcançar toda a população (5,9).

 Considerando que, através da telemedicina, conseguimos conectar o paciente a uma equipe com elevada expertise, na área da perícia médica não é diferente, a teleperícia viabiliza que o periciando seja entrevistado por um perito especialista mesmo que estejam em locais distintos, inclusive no âmbito criminal (30).

A adesão dos meios digitais na perícia dependerá do preparo das instituições e dos participantes envolvidos. Luxton et al. propõem etapas essenciais para a implantação da teleperícia: 1) Avaliação das necessidades com pesquisas sobre a demanda e análise dos recursos, custos e tipos de tecnologia a ser utilizada; 2) Compra de equipamentos e instalação da infraestrutura, levando-se em consideração o sigilo e a segurança de dados  com o desenvolvimento de documentação técnica; 3)  Revisão do estatuto e políticas da instituição, com elaboração de novas regras quando necessário; e 4) Capacitação e coordenação, com investimento em educação e treinamento dos profissionais (31).

Inúmeros países já implementaram o uso da teleperícia com sucesso, investindo em tecnologia de ponta para diminuir as limitações do exame remoto. Além disso, nos locais mais afastados onde o atendimento presencial é difícil e dispendioso, há risco do serviço nem ser feito, levando a um prejuízo maior do que as eventuais restrições que a teleperícia apresenta (15). Outra conveniência da teleperícia é proporcionar a comunicação com os tribunais e estabelecimentos prisionais para discussão de pareceres técnicos, através de teleconsultorias (32).

Uma das fragilidades na teleperícia é a vulnerabilidade do sigilo processual (29), por isso é imprescindível a elaboração de normas e sua fiscalização para que este seja garantida (33). No Reino Unido, dentro do sistema de justiça criminal, as instalações digitais são conectadas por meio de uma rede segura e nenhuma gravação de qualquer tipo é permitida (33).

Além disso, alterações clínicas ao exame físico relevantes podem passar desapercebidos sob a ótica de uma câmera, como impressões olfativas do periciado, contato visual e aspectos vistos do seu corpo inteiro (movimentos psicomotores). São fatores a serem adaptados com tecnologia avançada, ajuste da disposição da câmera em sala apropriada e capacitação para uso desse método de avaliação (31).

3.4. CAMPOS DE APLICAÇÃO DA TELEPERÍCIA

3.4.1. Perícias em vítimas de violência sexual

Segundo dados do IGBE, 1 em cada 7 adolescentes sofreu algum tipo de violência sexual no Brasil (34). Frente a uma suspeita de abuso sexual infantil são necessários profissionais habilitados a realizar o acolhimento; a entrevista; e o exame médico-legal para investigação, coleta de vestígios e diagnóstico. A falta de competência para tais condutas pode suscitar avaliações incompletas, diagnósticos incorretos e procedimentos descabidos; levando até ao comprometimento das investigações e da segurança da vítima (35).

Alguns estudos foram realizados a fim de comparar a efetividade da entrevista presencial e à distância em vítimas infantis (30,36–38), não sendo demonstrados padrões consistentes de diferenças entre os modos de entrevista. Dickinson et al. (2021), em pesquisa realizada com crianças de idades entre quatro e oito anos, concluiu que nos casos em que a entrevista pericial é a melhor opção, a modalidade à distância é uma escolha razoável (30).

Sobre as percepções dos adolescentes vítimas de violência sexual, Stavas et al. (2018) obteve que a telemedicina é amplamente aceita, mesmo em situações nas quais o abuso envolveu tecnologia e nos diversos graus de conhecimento tecnológico. Este estudo avaliou – além da tele-entrevista – o exame médico, cuja colposcopia foi realizada por médico assistente, com uma câmera de alta resolução acoplada ao equipamento, e transmitida para um médico perito, que pode avaliar o exame e conversar com o examinado e seu cuidador (39).

Em estudo de 2014, com o objetivo de avaliar a qualidade e acurácia diagnóstica dos exames de abuso sexual em crianças, Miyamoto et al. compararam aqueles realizados em hospitais com acesso à telemedicina e hospitais semelhantes, sem esse recurso. A qualidade e a precisão do exame foram avaliadas independentemente por revisão especializada de documentos médico-legais, registros fotográficos ou em vídeo. Mediante essa análise, foi demonstrado que os hospitais que dispunham do recurso da teleperícia apresentaram avaliações de qualidade significativamente mais altas, exames mais completos e diagnósticos mais precisos (35). 

Existem meios que fazem a telemedicina ficar mais fidedigna, como o exame sexológico feito com colposcópio integrado à uma câmera de vídeo de alta resolução, no qual a imagem é transmitida ao consultor. Ou quando o especialista está disponível para videoconferências em tempo real com o profissional e o paciente, viabilizando a discussão do caso, bem como a interpretação em conjunto dos achados do exame físico. Em alguns locais, o orientador mantém um sistema instalado no seu computador, permitindo que se forneça a assistência de sua casa, a qualquer hora do dia. Além do suporte através do contato telefônico para esclarecimento de dúvidas (35).

Em locais de difícil acesso, as vítimas são mais dificilmente examinadas de forma integral no âmbito forense pela falta de profissionais capacitados para tal avaliação, necessitando de encaminhamentos para unidades especializadas em violência sexual, situação que traz risco de degradação dos vestígios, pelo tempo decorrido, e maior desgaste emocional à vítima e seus familiares. Como já pormenorizado anteriormente, o uso de meios digitais pode aproximar essas vítimas dos especialistas situados nos grandes centros, possibilitando discussões dos casos e orientações aos médicos menos experientes (35).

3.4.2. Perícias em idosos vítimas de violência

A telessaúde mostra-se como uma oportunidade de cuidado com a população geriátrica, vez que a porcentagem de idosos vem aumentando no mundialmente e, com ela, a prevalência de pessoas com deficiência cognitiva, em virtude de patologias como a demência de Alzheimer. Portanto, cada vez mais, esses adultos apresentarão dificuldades para cuidar de si mesmos, apresentando-se em risco para situações de abuso (físico, sexual, psicológico, financeiro ou negligência do cuidador) ou autonegligência. A fim de garantir o correto acompanhamento e cuidado, faz-se necessária avaliações periódicas desses pacientes, seja do ponto de vista médico-assistencial, seja do médico-legal, como a avaliação da capacidade civil (40).

A experiência estadunidense, no estado do Texas, evidenciou a importância do tema para a prática médica e sua necessidade de sua introdução na formação acadêmica. As avaliações periciais foram feitas via FaceTime – devido sua ampla disponibilidade e por garantir criptografia de ponta a ponta, com acesso por senha – com o auxílio do especialista do Serviço de Proteção a Adultos, que acompanha o caso (41). Desta forma, conseguiram expandir o acesso a esse serviço para áreas remotas e garantir avaliações periódicas com maior frequência, pois diminui a fila de espera e a avaliação pode ser feita de casa, visto que o exame físico presencial, geralmente, não se faz necessário nessas situações. Identificaram como problemas desse método os problemas ocasionais de conexão e o alto custo do desenvolvimento de uma plataforma específica para tanto (41).

3.4.3. Perícias psiquiátricas

A telepsiquiatria forense pode ser definida como o uso de tecnologias de telecomunicação para prestar serviços em saúde mental no contexto médico-legal (33). Tem sido cada vez mais utilizada em países como EUA, Síria, Austrália e Inglaterra, ampliando o acesso e rentabilizando a avaliação técnica (15,32).

As perícias psiquiátricas mais comumente solicitadas e realizadas são as criminais, para avaliação da imputabilidade penal, ou seja, para a análise do grau de sanidade mental do indivíduo à época do delito; as cíveis, para verificar a capacidade em exercer os direitos de vida cível; e as administrativas, para avaliação da capacidade laborativa, qualificação de situações que enquadrem recebimento de algum benefício, entre outros (29). Algumas características são importantes para a boa execução da perícia psiquiátrica: capacidade técnica; conhecimento da legislação vigente; cumprimento das normas éticas relacionadas ao processo pericial; e habilitação para o cargo de perito (42).

Uma perícia psiquiátrica realizada de forma remota, pode ser prejudicada levando em consideração que a avaliação do periciado, quando presencial, já se inicia na sala de espera, pois ao chamar o periciado é feita uma primeira análise sobre: sua forma de andar; sua interação com o acompanhante, se estiver presente, e com outras pessoas; entre outros. Além disso, a análise do nexo de causalidade pode ficar prejudicada em casos mais complexos, ao se avaliar poucas variáveis isoladamente (29).

Entretanto, o exame físico na perícia médica psiquiátrica envolve essencialmente a apreciação do exame do estado mental do periciado: aparência, comportamento durante a avaliação, lucidez, psicomotricidade, orientação, inteligência, linguagem, memória, pensamento com seu curso, forma e conteúdo, senso, percepção, humor, vontade, pragmatismo, afeto, atenção e crítica. Isto posto, a perícia psiquiátrica é viável e não apresenta prejuízos comparando-se com a avaliação presencial em grande parte dos casos (15).

A perícia psiquiátrica remota também tem mostrado utilidade singular no atendimento das vítimas de violência doméstica, crianças vítimas de abuso sexual e indivíduos em centros de detenção (32). Além disso, há muitas situações em que os quadros clínicos são evidentes que, mesmo com a avaliação clínica através do meio digital não sendo tão rica quanto a presencial, é possível determinar a presença de tal patologia  (32). E tem sido amplamente utilizada por órgãos da justiça para elucidação e produção de pareceres e laudos forenses, esclarecimento de incertezas sobre temas da especialidade e prestar testemunho; tanto no âmbito penal (em tribunais, estabelecimentos prisionais etc.), quanto no civil (32,33).

Em Nottinghamshire, um condado da Inglaterra, foi instituído um serviço de telepsiquiatria forense responsável pelos atendimentos de indivíduos reclusos em uma unidade de baixa segurança, dentre os serviços realizados estão as avaliações periciais para produção de relatórios médico-legais e os planejamentos de alta, com as avaliações de periculosidade (33).

Muito profissionais adotaram a telepsiquiatria apenas para reuniões, supervisão, educação e administração, mas não para fins clínicos. Existe um receio no uso dos meios digitais entre os especialistas que pode estar relacionado com preconceito, defensividade profissional, dúvidas sobre a utilidade, resistência à mudança, falta de experiência ou treinamento e preocupação sobre seu efeito na comunicação e na confidencialidade (33). Mas de acordo com Saleem et al., a literatura conclui que a telepsiquiatria é confiável, aceitável e econômica no cenário forense, ponderando-se a necessidade de um consentimento informado para se realizar a entrevista por meio digital, o periciado deve ser informado dos riscos associados à telepsiquiatria e dos limites de privacidade e confidencialidade.

De acordo com Luxton et al., a avaliação remota é confiável para realizar entrevistas com a maioria dos réus, inclusive que apresentam sintomas psicóticos. Além disso, também é vantajoso no que diz respeito a segurança do perito, já que na avaliação presente pode haver risco à integridade física quando o periciado está descompensado e/ou agressivo; há uma preservação da confidencialidade em situações em que terceiros (agentes penitenciários, funcionários da instituição etc.) insistem em permanecer juntamente na avaliação; e evitam a contenção do periciado durante a entrevista (31).

3.4.4. Perícias de dpvat (danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre)

No Brasil, enfrentamos um fenômeno de demandas processuais numerosas e repetitivas, com consequente necessidade de rápida decisão. O seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) é uma delas, sendo uma indenização obrigatória, que objetiva ressarcir as vítimas de acidente de trânsito e prescreve após três anos após o estabelecimento inequívoco da incapacidade. Dessa forma, a teleperícia seria um meio para a gestão processual agilizar os litígios que envolvem o seguro DPVAT (43).

Neste cenário, políticas judiciárias direcionadas às metas e produtividade de juízes e tribunais foram adotadas pelo CNJ a fim de frear a acentuada judicialização. Ainda assim, entre os anos de 2009 e 2018 houve um aumento de 32% no número de processos (43).

Em 2020, com o aval para realização das perícias através de meios eletrônicos, foram tomadas algumas providências para a realização das teleperícia, foram selecionados 15 processos, exigidos exames atualizados (realizados em até um ano da data da perícia), agendada reunião prévia para esclarecimento da execução das perícias e feita intimação para o comparecimento do periciado à teleperícia ao escritório de seu advogado, à sala de videoconferência disponibilizada ou para o acesso ao Sistema Webconferência designado. Além disso, determinou-se que apenas o perito, o autor e o assistente técnico teriam acesso à sala; que o início da perícia seria gravado, para fins de identificação; e que o médico perito e o assistente preencheriam um formulário pré-determinado. Finalizada a avaliação pericial, seria realizada uma conferência entre o conciliador e os advogados das partes, na qual seriam informados do resultado da perícia com a exposição do formulário preenchido. Em março de 2021, foram realizadas mais 10 perícias através de meios eletrônicos, nos mesmos moldes das anteriormente citadas (43). 

Dessa forma, o uso de tecnologias de informação permitiu ao Poder Judiciário um desenlace dos litígios de forma mais rápida, mais barata e respeitando-se a integridade do processo (43).

3.4.5. Perícias previdenciárias

É sabido que no Brasil existe uma população com altos níveis de pobreza e vulnerabilidade social, agravados pela pandemia de COVID-19, que trouxe taxas maiores de desemprego e falta de assistência em saúde. Essa problemática certamente foi acompanhada de maiores demandas ao sistema de previdência social no Brasil (29).

O trabalhador contribuinte tem sua subsistência assegurada pela Previdência Social, através dos benefícios previdenciários, quando incapacitado de realizar suas atividades laborais; quando desempregado involuntariamente; na maternidade; na senectude; e após determinado tempo de contribuição; bem como seus dependentes, em casos de reclusão ou morte do segurado (44,45). Dessa forma, esses auxílios previdenciários são de extrema importância para o cidadão brasileiro, já que o segurado provavelmente fará uso desse direito em algum momento de sua vida e sendo garantia de uma renda num período de maior fragilidade e dificuldade (45).

Para o deferimento dos auxílios por incapacidade, seja temporária ou permanente, o segurado deve passar por uma perícia médica obrigatoriamente. Com o surto do covid-19, no início de 2020 houve a suspensão dessas perícias do INSS e, consequentemente, a paralização no fornecimento de novos benefícios previdenciários. Nesse contexto da pandemia, permitiu-se o uso da teleperícia buscando reduzir a fila de mais de 750 mil contribuintes aguardando perícia médica para concessão do auxílio da previdência (45).

Em 2020, o Tribunal de Contas da União, através de uma medida cautelar, aprovou a implementação de um projeto piloto para realização de perícias médicas de forma remota, para análise de requerimento inicial do auxílio por incapacidade temporária, sem possibilidade de prorrogação do benefício, limitando-se aos segurados de empresas que firmaram o acordo com o INSS por meio do “Termo de adesão de participação da experiência piloto para realização de perícias médicas com uso de telemedicina, enquanto perdurarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus”. O projeto pretendido estabeleceu que a teleperícia seria desempenhada através da plataforma Teams; os documentos médico-legais seriam previamente enviados; e o periciado estaria nas instalações da própria empresa, responsável pelo acesso à sala da teleperícia, na presença do médico do trabalho para realização dos testes necessários, logo, a realização da teleperícia restringiu-se a empresas de médio e grande porte, que possuíssem médico do trabalho (5,45,46).

3.4.6. Perícias em indivíduos sob tutela do estado

O uso da teleperícia em instituições prisionais vem sendo amplamente utilizada e aprimorada em países como Austrália, África do Sul e Estados Unidos (47). 

A telepsiquiatria, poderá ganhar-se tempo e dinheiro, reduzindo a necessidade de deslocação do especialista ao local, outro tanto sucedendo com o transporte de reclusos, que envolve questões de segurança e despesas consideráveis (32). É descrita, inclusive, a possibilidade da realização de exame físico mediante um profissional da enfermagem presente e capacitado para realizar algumas constatações e executar algumas tarefas (manipulação e posicionamento correto de aparelhos como estetoscópio, eletrodos etc.) (47).

Entre os obstáculos apontados para a instalação de um serviço de telepsiquiatria prisional, assinalam-se as resistências das equipes médicas, as dificuldades de coordenação de um serviço desta natureza e a própria cultura prisional, onde as questões da segurança têm prioridade sobre as da saúde (32).

A equipe prisional necessita de treinamento em telessaúde e equipamentos de qualidade para se colocar essa modalidade em prática, já que algumas informações e alterações podem ser mais difíceis de serem captadas pela avaliação remota (47).

3.4.7. Perícias post-mortem

Os médicos legistas têm como função geral realizar exame de corpo de delito, seja em vítimas de agressão, de abuso sexual, entre outros; coletar vestígios; e realizar exame externo post-mortem e necrópsia em casos de mortes violentas ou suspeitas (48). 

            Na Holanda, membros da equipe médica, autoridade policial ou profissional da área jurídica podem, a qualquer momento, solicitar orientação ou informação ao médico legista. Inicialmente é realizado um contato telefônico para, a partir deste, o legista ponderar sobre a necessidade de um encontro presencial junto ao demandante ou se o caso pode ser concluído unicamente com a ligação. Há diversas variáveis que influenciam na acurácia do esclarecimento fornecido através da chamada telefônica, como: horário de atendimento, experiência de trabalho do legista, entre outros (48). 

            Em estudo realizado por Smits et al. foi constatado que diversas instituições fizeram uso da tele-expertise com médicos legistas, como: hospitais; clínicas; e lares de idosos. E dentre os profissionais que mais utilizaram esse serviço estão: médicos (intensivistas, clínicos, neurologistas, cirurgiões, cardiologistas, emergencistas etc.); investigadores criminais; responsáveis pela coordenação de transplantes; e enfermeiros. Na maioria das vezes, o esclarecimento foi acerca da causa da morte, contudo, houve também diligências sobre a realização de exames, questões administrativas e preenchimento da declaração de óbito, definição da hora estimada da morte e da identidade do indivíduo. O aconselhamento telefônico foi falho em 11,6% dos casos analisados e envolviam, majoritariamente, dúvidas quanto a causa do óbito. Esses lapsos podem ser explicados pela deficiência no conhecimento forense, carga de trabalho excessiva, interpretação interpessoal errônea e negligência (48).

Trabalhos realizados na Inglaterra e na Holanda compararam a acurácia da orientação que médicos legistas forneciam a distância, confrontando essas instruções com a causa da morte diagnosticada por um patologista após a necrópsia; foram observadas inconsistências em 17% e 30%, respectivamente. E a literatura apresenta-se divergente quanto a influência dos anos de experiência dos médicos legistas para chegar a um diagnóstico correto da causa da morte (48).

3.4.8. Perícias no cenário de catástrofe

                Situações de catástrofe envolvem emergências médicas, com necessidade de intervenção imediata, onde há incompatibilidade entre o número de vítimas e a capacidade de suporte (equipe e materiais para manejo adequado dos pacientes). A catástrofe compreende um cenário em que há uma demanda súbita, inesperada, excessiva e insuficiente de cuidados médicos de urgência (49).

            Por sua vez, a medicina de catástrofe consiste num sistema de organização, logística e socorro; com o desempenho de profissionais direcionando a triagem e visando o suporte e o encaminhamento das vítimas às unidades de saúde para tratamento definitivo. Tenta-se manter acesso restrito à área onde ocorreu o desastre e estruturar algumas zonas para melhor organização do fluxo de trabalho e atendimento: 1) Zona de Apoio, próxima à região da catástrofe, para suporte logístico de resgate e salvamento das vítimas; 2) Zona de Concentração e Reserva, onde são realizadas triagem, assistência pré-hospitalar para estabilização das vítimas e posterior evacuação, neste local que foi aventada a implementação da telemedicina; 3) e Zona de Recepção e Reforços, local onde se concentram os recursos que chegam ao local e que serão manejados conforme o planejamento (49).

            Com a implementação da telemedicina nas situações de catástrofes, há a possibilidade de utilizar o conhecimento do médico especialista e mantê-lo atuando no seu local de trabalho habitual, nos cuidados com as vítimas já encaminhadas. Além disso, se houver exames disponíveis no local (raio X, ultrassom, eletrocardiograma etc.) pode-se realizar a interpretação dos resultados a distância, com expertise de médicos especialistas. E, através dos meios de comunicação digitais, fica muito mais viável a comunicação entre profissionais, poupando tempo, economizando recursos e permitindo a formação de conhecimento (49).

            Além dos contextos já citados, outro âmbito de atuação da telessaúde seria na identificação das vítimas, principalmente numa etapa inicial em que não se disponha dos dados convencionais como nome, data de nascimento, número de documentos etc.; pode-se utilizar das impressões digitais, imagens, entre outros (49).

4. DISCUSSÃO

A teleconsultoria com médicos mais experientes e especialistas pode ser utilizada substancialmente em todos os domínios da medicina legal e perícia médica. Em alguns campos, fazendo-se algumas ressalvas, a própria avaliação do indivíduo pelo perito pode ser realizada a distância.

Da revisão da literatura, sobretudo nos casos infantis, é possível inferir que o uso da teleperícia nos casos de abuso sexual parece ser uma alternativa viável para levar um serviço especializado a populações que não dispõe dele, através de tele-expertise, uma vez que a relevância do uso da teleperícia no contexto de violência sexual advém da falta de profissionais qualificados para atender às vítimas dessa qualidade de crime tão prevalente no país, especialmente em regiões periféricas.

Considerando-se a população idosa, o aumento da expectativa de vida é um marcador de melhoria da saúde, mas traz consigo novos desafios de avaliação, vigilância e assistência, sendo necessários novos métodos para saneá-los, como a teleperícia.

No que diz respeito ao exame médico pericial no âmbito da psiquiatria, considerando-se que o exame físico na perícia médica psiquiátrica envolve fundamentalmente a apreciação do exame do estado mental do periciado e também a boa aceitação apresentada pelo Judiciário, esse tipo de teleperícia apresenta-se conveniente e vantajosa no Brasil.

A avaliação pericial de DPVAT já foi colocada em prática, demonstrando sua viabilidade e uma boa saída para o desenlace dos litígios de forma mais rápida e barata, porém foi realizada de forma breve e pontual, necessitando de maiores apreciações e testes.

Em algumas situações, os indivíduos sob tutela do Estado também podem valer-se da teleperícia para serem avaliados sem o deslocamento do profissional e do detido.

No que concerne a perícia post mortem, as tecnologias digitais podem auxiliar médicos menos experientes através da consultoria, da mesma forma que pode ser utilizada na tele-educação. 

As situações de catástrofes, apesar das tentativas de evitá-las, ainda são muito prevalentes no mundo. Além de medidas para prevenção, convém o aperfeiçoamento de procedimentos para diminuir os danos e agilizar as condutas, como a identificação de pessoas precocemente, quando ainda não se dispõe de dados convencionais de identificação.

A perícia médica através de meios eletrônicos deve ser feita com ressalvas e precauções. Uma delas é garantir ao perito a autonomia para determinar que, quando necessário, a perícia seja reagendada e realizada de forma presencial; conforme prevê o CNJ com a Resolução nº 317/2020. Bem como, nenhum perito ou periciado deve ser compelido a realizar ou se submeter a avaliação médico pericial a distância contra sua vontade.

Outra necessidade é a formulação de normas mais específicas para o uso dos meios tecnológicos na perícia médica e sua devida fiscalização a fim de preservar o sigilo processual da teleperícia e manter a execução das teleperícia de forma íntegra, ética e adequada. Cabe ressaltar que as responsabilidade e deveres éticos dos peritos devem ser mantidos e respeitados. 

Dispor de tecnologia de ponta é primordial para o máximo aproveitamento da teleperícia; evitando falhas, atrasos e distorções na comunicação e na imagem. Além do exposto, para uma execução satisfatória da avaliação do periciado a distância, faz-se mandatória elaboração de uma diretriz prática de trabalho, com desenvolvimento de módulos de treinamento para o uso das tecnologias de comunicação a serem utilizadas por uma equipe a ser contratada de forma estável, para atuar por longo prazo.

E, por fim, para otimizar o fluxo das perícias, cabe a elaboração de um método de triagem para indicar e definir o modelo de avaliação a ser aplicada: teleperícia ou perícia presencial.

5. CONCLUSÃO

A teleperícia é possível, porém com ressalvas e precauções. Uma forma de otimizar o fluxo das perícias seria através de uma triagem a fim de discriminar quais casos seriam avaliados de forma presencial e a distância. É imprescindível a elaboração de regulamentação com normas específicas para esse modelo de atendimento no que diz respeito a ética, responsabilidade médica, sigilo processual, atuação e execução das avaliações. Assim como os médicos peritos estarão sujeitos às punições caso não sigam as regras pré-estabelecidas, devem ter o direito de optar pela realização da avaliação remota ou rejeitá-la. Além do mais, faz-se necessário o emprego de equipamentos e materiais de alta qualidade e a contratação de equipe com proposta de estabilidade, para que sejam capacitados e atuem conforme diretrizes estabelecidas.


Referências bibliográficas

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