Artigo Original

VALORAÇÃO DO DANO ESTÉTICO NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Como citar: Konichi RYL, Fujisawa RK, Miziara ID. Valoração do dano estético no âmbito do direito civil brasileiro. Persp Med Legal Pericia Med. 2023; 8: e230516

https://dx.doi.org/10.47005/230516

Recebido em 04/11/2022
Aceito em 25/05/2023

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Os autores informam não haver conflito de interesse.

VALUATION OF AESTHETIC DAMAGE IN THE SCOPE OF BRAZILIAN CIVIL LAW

Renata Yumi Lima Konichi (1)

http://lattes.cnpq.br/0287972168845427https://orcid.org/0000-0002-5882-1368

Raísa Kyn Fujisawa (2)

http://lattes.cnpq.br/1576287532511418https://orcid.org/0000-0001-6194-3625

Ivan Dieb Miziara (3)

http://lattes.cnpq.br/123456789123https://orcid.org/0000-1234-5678-9101

(1) Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação Faculdade de Medicina da USP, São Paulo/SP, Brasil (autor principal)

(2) Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação Faculdade de Medicina da USP, São Paulo/SP, Brasil (autor secundário)

(3) Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação Faculdade de Medicina da USP, São Paulo/SP, Brasil (orientador)

E-mail: reyumik@gmail.com

RESUMO

Introdução: Os danos estéticos ganharam especial relevância nas últimas décadas, devido valorização dos temas relacionados à imagem e à harmonia corporal. A avaliação desse prejuízo continua sendo bastante imprecisa, porque é um dano objetável pelo observador, mensurável e valioso, entretanto possui grande componente subjetivo, tanto por parte do sujeito que sofre com isso, quanto do examinador. O objetivo deste artigo é expor o cenário atual na valoração do dano estético e propor um novo método universal para auxiliar nesta valoração. Método: Revisão bibliográfica dos artigos open access até o ano de 2022, nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. Resultados: Nenhuma das metodologias existentes se mostrou suficiente para se aproximar da real avaliação dos prejuízos que o dano estético acarretou na vida das vítimas, nenhuma das escalas analisadas avaliou simultaneamente as características inerentes da lesão, os impactos sobre a funcionalidade e os desdobramentos psicoemocionais. Discussão: No Brasil, não existem critérios definitivos para avaliação de dano estético. Atualmente, para referenciar e qualificar o dano estético, além da descrição pormenorizada da afecção, propõe-se o uso de uma escala valorativa, a “Escala gradativa com sete graus”, que é considerada o método mais subjetivo dentre os outros. A dificuldade dessa avaliação é consenso na literatura e as reais repercussões do dano estético não conseguem ser contempladas pelos métodos atuais, impedindo que o julgador atribua indenizações adequadas para o prejuízo da vítima. Conclusão: A fim de contemplar todos os aspectos fundamentais da valoração mais próxima possível do real impacto do prejuízo, para que o julgador defina a compensação pertinente, propomos uma nova metodologia para avaliação do dano estético permanente, composta por quatro tabelas que abordam aspectos objetivos e subjetivos.

Palavras-chave: “dano estético”, “medicina legal”, “responsabilidade civil” e “reparação”.

ABSTRACT

Introduction: Aesthetic damage has gained special relevance in recent decades, due to the appreciation of themes related to image and body harmony. The assessment of this damage continues to be quite imprecise, because it is an objectionable damage by the observer, measurable and valuable, however it has a large subjective component, both on the part of the subject who suffers from it, and on the part of the examiner. This article aims to present the current scenario in aesthetic damage valuation and to propose a new method for this purpose. Method: Bibliographic review of open access articles up to the year 2022, in Portuguese, Spanish and English. Results: None of the existing methodologies proved to be sufficient to approach the real assessment of the damage that the aesthetic damage caused to the victims’ lives, none of the analyzed scales simultaneously evaluated the inherent characteristics of the lesion, the impacts on functionality and the psycho-emotional consequences. Discussion: In Brazil, there are no definitive criteria for evaluating aesthetic damage. Currently, in order to reference and qualify the aesthetic damage, in addition to the detailed description of the condition, it is proposed to use an evaluative scale, the “gradual scale with seven degrees”, which is considered the most subjective method among the others. The difficulty of this assessment is a consensus in the literature and the real repercussions of aesthetic damage cannot be addressed by current methods, preventing the judge from awarding adequate compensation for the victim’s detriment. Conclusion: In order to contemplate all the fundamental aspects of the valuation as close as possible to the real impact of the damage, so that the judge can define the relevant compensation, we propose a new methodology for the evaluation of permanent aesthetic damage, composed of four tables that address objective and subjective criteria.

Keywords: Aesthetic damage, forensic medicine, civil responsibility, and repair.

1. INTRODUÇÃO

A distinção entre a beleza e a feiura é principalmente subjetiva. Ela varia de acordo com a época, o contexto cultural, os valores individuais e do grupo (diretrizes socioculturais). Desta forma, apenas a avaliação das impressões pessoais do perito ou a avaliação única e exclusiva da lesão, desconsiderando os danos não materiais, torna-se inadequada. Se faz necessária, portanto, a análise das sensações e reações que a contemplação da deformidade provoca.

A beleza – instintiva e inconscientemente – é relacionada à noção de saúde. Essa característica transmite a ideia de que a pessoa está saudável, à medida que se infere que a pessoa bela cuida mais de si, e de que tem maiores capacidades. Tais deduções conferem-lhe benefícios em múltiplos aspectos, como um bom desempenho em uma entrevista de trabalho, por exemplo (1). O filósofo alemão Arthur Schopenhauer ilustrou essa correlação em sua obra Metafísica do Belo: “A beleza é uma carta de recomendação que nos dispõe favoravelmente em favor de quem a traz, mesmo antes de lê-la”.

A beleza do corpo humano, a harmonia e a proporção de suas formas, sempre foram um valor da pessoa e um fator de integração no grupo (2). Dado que o dano estético é conceituado como o afeamento da vítima, surge então o problema de como valorar sua gravidade, uma vez que se parte de conceitos eminentemente subjetivos – a beleza e a feiura – para sua avaliação.

A dificuldade dessa avaliação é consenso na literatura, principalmente no aspecto abstrato deste tipo de dano (faceta moral ou psicológica) e das influências de fatores particulares do indivíduo sobre as repercussões deste prejuízo, como: idade, gênero, localização da lesão, estado civil e, inclusive, o “remanescente da capacidade estética”, que seria o estado de beleza anterior ao agravo. Sua complexidade de avaliação transcorre da confluência das perspectivas técnicas e jurídicas na emissão do relatório pericial (3).

Criado del Río evidencia o problema da avaliação do dano estético como “avaliar o dano objetivo, cuja avaliação é subjetiva”. Muito embora seja injusto e impreciso transformar algo essencialmente subjetivo em algo quantificável, é a única forma passível de medi-lo a fim de que o prejuízo seja ressarcido. Por esse motivo, a utilização de um método descritivo é imprescindível (4)(5), uma vez que se trata do único método que o perito possui para atestar a verdadeira natureza da alteração estética, e a importância dos efeitos da perda de atração (3). A descrição deve conter: as características externas da lesão; em caso de dano dinâmico, deve-se descrever o impacto negativo em um ou mais gestos ou movimentos, bem como a frequência de uso do gesto ou movimento; e a localização da lesão, para avaliação de sua visibilidade (2).

As cicatrizes são a causa mais comum e mais discutida dentro de danos estéticos, muito embora, caiba salientar que existem outros comprometimentos psíquicos e orgânicos que produzem desfiguração (como a moon face e o hirsutismo decorrentes de Síndrome de Cushing ou quadros depressivos graves). Serão consideradas indenizáveis as cicatrizes que prejudiquem a imagem da vítima perante outrem, mas não se deve desconsiderar o sofrimento psíquico decorrente da desfiguração (6).

A determinação de uma afecção estética dá-se pela avaliação do médico perito, que é quem a valora e quantifica efetivamente, mas também é imprescindível o conhecimento da opinião do próprio lesionado e, também pode ser adequado, questionar a opinião das pessoas próximas à vítima, uma vez que seus sentimentos e reações interferirão diretamente na vivência do periciando (2). Nesta modalidade de dano, o perito dificilmente consegue se abster da subjetividade da sua apreciação, o que muitas vezes o leva a se ater à apreciação do dano ao corpo (dano material), em detrimento do sentimento da pessoa em relação a esse prejuízo (7)(3).

O desafio encontrado nesse tipo de perícia é como deve-se valorar o dano estético, cuja existência se dá pelos sentidos – principalmente pela visão –, quantificando-o e medindo sua importância, repercussão e gravidade, quando a crítica do grau de fealdade decorrente de uma lesão (a qual gerou responsabilidade civil) é de apreciação de tripla subjetividade: da vítima (própria experiência), do perito médico (que deve expressá-la objetivamente, sem torná-la impessoal) e daquele que irá realizar seu reparo, o juiz (8)(9)(10).

2. METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão bibliográfica com todos os artigos na modalidade open access até o ano de 2022, nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. Foram usados os descritores: “dano estético”, “medicina legal”, “responsabilidade civil” e “reparação”. As plataformas utilizadas para a busca foram: Google Acadêmico, Scielo, LILACS, Virtual Health Library (VHL) e PubMed. A partir daí, foram selecionados 91 artigos (entre publicações em revistas científicas, revistas eletrônicas e dissertações de mestrado e doutorado), sendo excluídos 49 por não abordarem diretamente a questão da valoração do dano estético ou por impedimento de barreira linguística, resultando em um total de 44 publicações. Para este estudo não foi considerado o fator de impacto das revistas devido a limitada quantidade de material disponível na literatura.

Figura 1: Fluxograma da seleção de artigos

3. RESULTADOS

3.1. DIFICULDADES DA PERÍCIA MÉDICA

A prova pericial da avaliação de danos corporais, em todos os quadros jurídicos, é essencialmente médica, assim o laudo médico-legal deve atender a normas específicas de modo a cumprir os objetivos que o documento solicita, de forma a auxiliar os magistrados no entendimento e tomada de decisão (11). No Brasil, não existem critérios definitivos, como um padrão a ser seguido, pela jurisprudência para avaliação de dano estético. Atualmente, para referenciar e qualificar o dano estético, além da descrição pormenorizada da afecção, propõe-se o uso de uma escala valorativa.

O método mais amplamente aplicado é a “Escala gradativa com sete graus” ou Método de Thierry e Nicourt (12), o qual gradua a lesão em grau crescente de gravidade. Entretanto, este método é considerado o mais subjetivo dentre os outros, dependendo exclusivamente do entendimento e percepções do perito. Faz-se indispensável, portanto, que o perito explicite as razões que tecnicamente justificam a inclusão no grau por ele estimado por meio do relato minucioso do exame (13).

Neste tipo de perícia cível exige-se uma descrição pormenorizada e objetiva da relevância estética do dano, levando em consideração o sexo (gênero), idade, profissão, natureza, localização e habitual visibilidade das lesões, interferência com a harmonia usual da dinâmica corporal, entre outros qualificativos. A avaliação deve ser personalizada e individualizada e deve contemplar, além dos fatores supracitados, a situação anterior ao evento e o comportamento da vítima em relação à deformidade. Cabe, ainda, salientar que o indivíduo foi prejudicado em suas realizações pessoais sendo esse prejuízo tanto mais grave quanto mais jovem for a pessoa e quanto mais intensas forem suas atividades de lazer, de dotes físicos e artísticos e de capacidade intelectual (13). Segundo Jean Carrard: “o atentado à estética será tanto mais grave quanto mais bela for a vítima”.

Sobre o momento ideal para a avaliação do dano, sob o ponto de vista cível, seria quando houvesse a estabilização das lesões (máximo da autorrepararão) ou no momento subsequente a melhor reparação estética por correção cirúrgica. Diferentemente da esfera penal, cuja data para avaliação do dano estético permanente é de trinta dias decorridos da data do delito, o tempo médio é de nove meses quando não há necessidade de intervenção cirúrgica ou dezoito meses quando há cirurgia de reparação. O motivo dessa diferença entre o tempo de avaliação ideal nessas duas esferas, cível e penal, é que os objetivos são diferentes: enquanto a primeira visa a classificação do delito, a última almeja avaliar o impacto daquele dano sobre o indivíduo.

Os danos estéticos, em geral, ganharam especial relevância nas últimas décadas, devido valorização dos temas relacionados à imagem e à harmonia corporal (14). A avaliação desse prejuízo, a despeito dos métodos utilizados, continua sendo bastante imprecisa, porque é um dano objetável pelo observador e, portanto, mensurável e valioso (15), entretanto possui um grande componente subjetivo, tanto por parte do sujeito que sofre com isso, quanto do examinador (16). Trata-se de um dano permanente, que pode ou não ser modificado por procedimentos estéticos, cuja avaliação é extraída do conjunto de circunstâncias individuais da parte lesada (17)(14)

3.2. DANO ESTÉTICO

A ideia sobre beleza está em constante mudança e devem ser levados em consideração as sensações e sentimentos do indivíduo, uma vez que o julgamento de beleza e feiura é subjetivo.Atualmente, considera-se dano estético qualquer alteração na aparência externa do indivíduo, seja ela duradoura ou permanente, que cause desgosto ou complexo de inferioridade para a vítima(1). O dano estético é a repercussão permanente do dano sofrido, uma irregularidade física seja ela qual for; de um ponto de vista estático e dinâmico; que causa uma diminuição da atração estética, depreciação da aparência ou alteração pejorativa; e que leva em consideração a apreciação do indivíduo em relação a si e a outras pessoas(11). Está previsto no Código Civil de 2002 em seus artigos 186 e 927, dizendo a respeito também da indenização nos artigos 949 e 951; e na Constituição Federal, artigo 5, incisos V e X(18).

Entende-se por dano qualquer diminuição do patrimônio, quer seja material ou moral, ou seja, é toda lesão a um bem juridicamente protegido. No Brasil, a dignidade da pessoa humana, está prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, e constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, inerente à República Federativa do Brasil (19). Tem por fim assegurar ao homem um mínimo de direitos que devem ser garantidos pela sociedade e pelo poder público, de modo a preservar a valorização do ser humano, resguardando-lhe a liberdade individual e a personalidade. A aparência externa compõe uma das dimensões da personalidade humana, ou seja, o conjunto de características conferem ao indivíduo qualidade de único e inconfundível, bem como a forma que ele se relaciona com os demais. É por meio da imagem que os indivíduos existem para si e para os outros, dando origem ao que Tereza AnconaLopez conceituou como “amor-próprio pela identidade” (20). Assim, justifica-se a conceituação de dano estético.

Alonso, define prejuízo estético como qualquer irregularidade física que seja visível, permanente e ostensivamente feia a olho nu, mas que também deve-se acrescentar outra variável, de vital importância, que é o entendimento da vítima sobre a alteração como efetivamente um prejuízo. Assim, em vista disso, “seus sentimentos são a base da lesão e, portanto, do dano” (21). Para Teresa Ancona Lopez, dano estético trata de “qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa; modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe cause humilhações e desgostos, dando origem, portanto a uma dor moral” (22). Geralmente, resultam de erros médicos, acidentes de trânsito ou agressões físicas mais graves. Para a autora, o dano estético é a constatação objetiva de que, em razão do ilícito, aquilo que foi já não é mais e, por essa simples razão, a vítima sofre (constatação subjetiva) (20).

Outra importante consideração é que o dano estético sempre acarreta prejuízos morais e, eventualmente, prejuízos materiais, uma vez que pode ter reflexos na capacidade laboral e sobre a capacidade de ganho, seja pela repercussão nos relacionamentos ao longo da vida, seja na eficiência social (23)(24). Por isso, há a necessidade de avaliar, durante a perícia, alguns aspectos: a gravidade objetiva do dano (extensão material do prejuízo); as circunstâncias particulares do ofendido (o gênero, a idade, as condições sociais, a profissão, a beleza, entre outros); e, fundamentalmente, se a lesão promovida tem resultado duradouro ou permanente, para que seja indenizável pela atual legislação brasileira (20).

A imagem de um indivíduo é uma construção complexa e com diversas facetas. Além da valoração pela própria pessoa da sua imagem ser de natureza pessoal e particular, a imagem é um patrimônio que se valora externamente na relação interpessoal (18). A sua alteração pode promover múltiplos danos à vítima e, nessas situações, o intento é a reparação integral dos danos. Quando a restituição total da imagem da pessoa não é atingida, o responsável estará incumbido de “compensar” os prejuízos provocados (25). Segundo esse entendimento, Dalligand et al. afirmam que “não devemos perder de vista o fato de que o dano estético não é apenas a deformidade que torna a fisionomia ou a aparência da vítima feia, mas, e primordialmente, as repercussões psicológicas que a alteração estética produziu sobre o assunto” (26). Já o advogado especializado em direito da saúde, Dionísio Birnfeld, consegue resumir de forma clara todas essas repercussões: a piora da situação do ofendido (27).

Do ponto de vista anatomofuncional, a lesão estética pode ser dividida em estática e dinâmica (21). A lesão estática inclui aquela que é percebida a olho nu a partir de um único exame da vítima, afeta principalmente a pele e inclui cicatrizes simples, queimaduras, pigmentação, mutilação, perda ou redução de um perfil ou contorno, também contempla perdas de substâncias, amputações e dismetrias (21). Já a dinâmica é evidenciada a partir dos movimentos da pessoa ou mudanças de atitude, como nos distúrbios da marcha, expressão facial (paralisia facial), gestos anormais (ataxia, apraxia, hemiplegia, tremor, etc.), fala (disartria, gagueira, rouquidão, etc.) e também inclui alterações relacionadas ao odor corporal (halitose, fístulas urinárias, colostomia, etc.) (8). 

O dano estético é dividido, ainda, em permanente ou temporário. Entende-se por lesão permanente ou duradoura aquelas que resultem na alteração da estrutura anatômica ou funcional do órgão quando avaliadas em estado relativamente estabilizado das lesões. Entretanto, há situações em que sua reparação pode ser obtida por meio de tratamento(s) e/ou cirurgias plásticas reparadoras, configurando a lesão, portanto, como temporária. Atualmente, apenas o dano estético permanente é considerado para méritos de reparação na legislação brasileira, muito embora, principalmente nos países europeus, já haja a discussão sobre o mesmo mérito para valorar o dano estético temporário considerando o sofrimento psíquico que ele acarreta.

3.3. MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO DANO ESTÉTICO

Existem diversos métodos desenvolvidos para a avaliação do dano estético. Podemos classificá-los em três diferentes grupos de acordo com seus critérios: descritivo, qualitativo e quantitativo.

O método descritivo consiste na descrição pormenorizada de todas as deformidades ou defeitos que possam ser relevantes para a valoração do prejuízo estético (3). É um meio que o perito possui para demonstrar a natureza da alteração estética, sua importância e os efeitos do afeamento ou diminuição do potencial de atração (17). Não é um método propriamente objetivo porque não há não uso de linguagem padronizada, nem parâmetros capazes de descrever a real perda estética, entretanto é o método mais usado. A descrição deve conter: a natureza da alteração, forma, tamanho, textura e coloração; o grau de visibilidade da lesão; a frequência de utilização do gesto ou aceno alterado; fatores pessoais (idade, gênero, ocupação); sofrimento decorrente da lesão; e a consideração do estado anterior (coeficiente estético anterior). Deve, ainda, analisar a história clínica e todas as situações adversas correlacionadas durante o período de consolidação e pós­consolidação, ademais, descrever as possíveis repercussões que possam se enquadrar no conceito de quantum doloris: dores físicas, sofrimentos psíquicos e sofrimentos morais (3)(4). Além disso, a possibilidade de cirurgia reconstrutiva deve ser relatada (8).

O método qualitativo expressa o dano estético com uma graduação de qualificação ou de situações, mediante a correspondência de uma sequela a um adjetivo associado a um valor de uma escala. Exemplo: Leve, moderado, médio, importante, bastante importante e importantíssimo. Tem como objetivo demonstrar a importância ou a gravidade da perda estética de maneira simples e direta. Entretanto, não é um método que deve ser utilizado exclusivamente ou isoladamente. É usado na maioria dos países europeus.

Por fim, o método quantitativo, ou analítico, expressa o grau de perda estética por meio de uma porcentagem, considerando a integridade estética como 100% e dela subtraindo valores conforme os achados da perícia. Usam como instrumento tabelas, fórmulas estatísticas e matemáticas, de modo que cada tipo de defeito ou deformidade tem um valor. É um método objetivo de valoração do dano, mas não compreendem todos os elementos constitutivos do dano estético.

3.1.1 MÉTODOS VALIDADOS NO BRASIL

MÉTODO DOS 7 GRAUS (THIERRY E NICOURT)

Publicado em 1982 (12), este método consiste em classificar a lesão estética em escala numérica de 1 a 7, dependendo da intensidade da lesão estética com 1/7 indicando lesão leve e 7/7 indicando lesão estética muito grave (12)(28). Por sua simplicidade e facilidade de aplicação, é a escala mais utilizada na atualidade (3). Este método é simultaneamente numérico e qualitativo, sendo usado para valorar danos, sejam eles estéticos ou não.

MÉTODO CLÁSSICO PARA O ROSTO

Publicado em 1972 pelo GREF (Groupe de Recherches d’Esthétique Faciale), é usado para a avaliação da lesão estética facial. Ele consiste na multiplicação de dois coeficientes, um de localização e outro de identificação, ambos variando de 1 a 10 pontos. O coeficiente de localização é obtido a partir da avaliação de 4 variáveis: Topografia; Relação com os orifícios; Relação com as rugas naturais; e Relação com a mímica facial. Já o de identificação é calculado valorizando diversas particularidades da cicatriz: Número e dimensões; Relevo; Textura e coloração; e Forma. Posteriormente, após a multiplicação dos dois coeficientes, obtém-se uma pontuação geral de 0 a 100, que pode ser convertida em um dos sete graus do método Nicourt Thierry (25)(31).

Existem algumas críticas a este método por sua subjetividade, pela complexidade de uso, devido número de variáveis que se manipula, e porque pode ser considerado um pouco abstrato. O método é bastante válido para cicatrizes únicas, mas quando se trata de várias cicatrizes, o cálculo pode chegar a ser mais complexo (29).

MÉTODO MISTO

Com o propósito de facilitar a conceitualização e utilização dos diferentes métodos descritos, surge o método misto para o rosto, que facilita a qualificação da percentagem que se obtém do método clássico mediante a conversão ao método de Thierry e Nicourt (29).

THIERRY e NICOURTCLÁSSICO (ROSTO)
Muito ligeiro1/71 – 3 pontos
Ligeiro2/73 – 9 pontos
Moderado3/79 – 19 pontos
Médio4/719 – 33 pontos
Bastante importante5/733 – 51 pontos
Importante6/751 – 73 pontos
Muito importante7/773 – 99 pontos

MÉTODO AIPE (Análise da Impressão e do Impacto do Prejuízo Estético)

O AIPE foi proposto originalmente, na Espanha, por Dr. Juan Antonio Cobo Plana, para quantificar prejuízos estéticos decorrentes de acidentes (24)(32)(33), sendo traduzido, adaptado culturalmente e validado no Brasil. Apresenta uma maneira de quantificar o processo e percepção do dano estético autorreferenciado e por terceiros, em qualquer região do corpo, através de quatro tabelas de modo sequencial (24)(32).

A primeira tabela visa compreender o impacto do dano estético a ser avaliado, comprovando o dano e analisando o tipo de emoção que desencadeia. A segunda, guia com relação a valoração da categoria do prejuízo estético. Já a terceira, quantifica o nível de impacto em cada categoria. E, por fim, a quarta tabela avalia critérios complementares da injúria estética, associando o dano estético com a comunicação, relação sexual, exposição ou não das áreas do corpo e o impacto disso sobre o trabalho (24)(34).

Esse método se baseia em critérios psicométricos de avaliação e no encadeamento anatomoclínico evolutivo os danos, inferindo uma quantificação pessoal do prejuízo estético de no máximo 100 pontos, sendo 50 pontos referentes à parte estética e 50 pontos ao envolvimento funcional. Essa pontuação é convertida em valores monetários conforme a legislação da Espanha (Lei nº35/2015) (32). O perito utiliza parâmetros de intensidade ou gravidade para avaliar o dano estético e a deformidade, determinar questões que podem ser reavaliadas por outros peritos e aprimorar os princípios de argumentação e mediação expondo a base da avaliação ao julgador (24)(32).

AIPE SIMP/AD

O método AIPE-SimpAd/Brasil (AIPE simplificado e adaptado ao contexto brasileiro) foi utilizado em um estudo piloto e, diferente do original, ainda não foi validado no Brasil. Este método abreviado fundamenta-se no uso de duas tabelas do original que foram modificadas visando um aperfeiçoamento na coleta, no tempo de avaliação e objetivar o seu uso no contexto pericial (35). Essa adaptação foi baseada no fato de que, no atual contexto brasileiro, a pontuação proposta no AIPE é desnecessária, visto que estamos em uma fase inicial da quantificação do dano estético e não há analogia entre os pontos obtidos na avaliação e a nossa legislação (35). Ele também pode ser utilizado para análise do dano estético em qualquer parte do corpo. Além disso, foi acrescentado um item que diz respeito a presença de uma “deformidade permanente”, para ser utilizada também na esfera criminal (35).

3.1.2 OUTROS MÉTODOS

O Código de Processo Civil impõe aos peritos que constem alguns aspectos nos laudos, cumprindo o Art. 473: “Inciso III – Indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou.”. Para o cumprimento dessa tarefa, os peritos e assistentes técnicos necessitam parâmetros que orientem como categorizar o dano estético, objetivando a abordagem subjetiva desse prejuízo. Entretanto, atualmente no Brasil, falta padronização de abordagem na avaliação do dano corporal no âmbito cível. Mais especificamente sobre o dano estético, os métodos de avaliação mais usados são subjetivos, pouco reprodutíveis e pouco científicos, suscitando vieses indesejados. Este estudo se propõe a explanar algumas metodologias estrangeiras, passíveis de serem transpostas e aplicadas no contexto brasileiro, a fim de encontrar opções mais adequadas e precisas para valoração do dano estético nos diferentes cenários, de modo a almejar formas mais justas de indenização, visando a reparação integral do dano corporal.

MÉTODO DE BARROT

Trata-se da conversão dos 7 graus definidos pelo método de Thierry-Nicourt em uma escala percentual. Foi difundido na França a fim de facilitar a transposição do grau do prejuízo estético em um montante econômico: multiplicando-se a porcentagem pelo salário mínimo interprofissional (8,29) (33).

DANO ESTÉTICOTHIERRY – NICOURTBARROT
Muito ligeiro1/714%
Ligeiro ou leve2/729%
Moderado3/743%
Médio4/758%
Bastante importante5/773%
Importante6/788%
Muito importante7/7100%

MÉTODO DAS DISTÂNCIAS PARA CICATRIZES NA FACE

Foi delineado em 1996 por Rouge et al. e mensura o prejuízo estético na face segundo um critério descritivo, a localização, e outros critérios normativos, a distância em que a lesão e suas características (cor, relevo, deformação e ulceração) são percebidas (8)(29)(33). A análise é realizada com o periciando de frente e em perfil, com a iluminação regular. Quanto à localização, as cicatrizes podem ser: centro faciais, periorificiais, lateralizadas ou ocultas no couro cabeludo. E a avaliação da distância à qual o dano é visível é classificada em: distância íntima (50 centímetros) e distância social (3 metros) (8)(29). Dessa forma, o dano é quantificado em 7 graus: muito ligeiro, ligeiro, moderado, médio, bastante importante, importante e muito importante(8)(29)(33).

ESCALACICATRIZCORRELEVODEFORMIDADEULCERAÇÃO
Normal (0)Não visível a 50 cmNão visível a 50 cmNão visível a 50 cmNão visível a 50 cmNão visível a 50 cm
Muito ligeiro (1)Visível a 50 cm (em perfil)Não visível a 50 cmNão visível a 3 mNão visível a 3 mNão visível a 3 m
Ligeiro (2)Visível a 50 cm (de frente)Não visível a 50 cmNão visível a 50 cmNão visível a 3 mNão visível a 3 m
Moderado (3)Visível a 50 cmVisível a 50 cm (em perfil)Visível a 50 cm (em perfil)Não visível a 3 mNão visível a 3 m
Médio (4)Visível a 50 cmVisível a 50 cm (de frente)Visível a 50 cm (de frente)Não visível a 3 mNão visível a 3 m
Bastante importante (5)Visível a 3 mVisível a 3 m (em perfil)Visível a 3 m (em perfil)Visível a 3 m (em perfil)Não visível a 3 m
Importante (6)Visível a 3 mVisível a 3 m (de frente)Visível a 3 m (de frente)Visível a 3 m (de frente)Não visível a 3 m
Muito importante (7)Visível a 3 mVisível a 3 m (de frente)Visível a 3 m (de frente)Visível a 3 m (de frente)Visível a 3 m

MÉTODO RECHARD

Foi descrito em 1990 pelo Dr. Rechard, baseia-se em dois tipos de critérios – subjetivos e objetivos – para estimar quantitativamente o dano estético. Existem três critérios subjetivos que são avaliados de 0 a 0,7 cada: (a) fatores sociais, sociais e acadêmicos; (b) fatores familiares; e (c) estado anterior do ponto de vista estético ou psíquico. O valor obtido em cada uma das variáveis deve ser somado, de modo que os aspectos subjetivos podem variar de 0 a 2,1 pontos, somente (30). Esses critérios são determinados pela impressão única do perito e, o autor, ainda propõe algumas perguntas para ilustrar que, apesar da avaliação do dano estético ter componentes subjetivos, é imprescindível que se utilizem métodos objetivos para avaliá-lo da forma menos injusta possível: “Existe uma diferença entre a feia cicatriz da coxa de um jardineiro de meia-idade e a mesma cicatriz em uma jovem dançarina?”; “Esse homem, francamente feio, por uma feiura idêntica, deve ver seu dano avaliado, de uma maneira diferente do jovem Apolo/modelo de passarela?”; e “”Aquela mulher solteira, que não quer permanecer assim, sofrerá mais de queimaduras do que as do velho que, apesar de ser assim, se encontra jovem?” (29)(33).

Os critérios objetivos dividem-se em seis e têm como base o exame clínico:  peso e altura da pessoa lesada, a partir dos quais podemos calcular a superfície corporal (SCi); área de superfície corporal afetada (SCA), em unidade de cm2; área corporal afetada (coeficiente de visibilidade); idade do sujeito (quanto mais jovem a pessoa afetada, mais tempo terá a lesão estética); e gênero. Em casos de amputações de membros, mutilações de órgãos (nariz, orelha, etc.) ou hemiplegia, este método não deve ser aplicado (29)(30)(36).

  • Coeficiente da zona corporal afetada:
ZONA DO CORPO AFETADACOEFICIENTE
Áreas raramente visíveis (ex: sola dos pés, região axilar)1
Áreas visíveis em caso de nudez (ex: nádegas, púbis, parte interna das coxas)2
Áreas descobertas ao praticar esporte (ex: tórax, abdômen, pernas nos homens)4
Muitas vezes áreas visíveis (ex: braços, couro cabeludo)6
Áreas sempre descobertas (ex: mão, pescoço, pernas nas mulheres)8
Expressão da mímica (ex: rosto)10
  • Idade da vítima – Será levado em consideração o coeficiente de 18 anos dividido pela idade real, o que se explica pela fronteira que existe entre a criança e o adulto, porque a criança, em condições normais, carregará esse defeito por mais anos do que um adulto ou um idoso.
  • Gênero da vítima – Mulheres ♀: 1,4; Homens ♂:1,2; e Mulheres ou homens com idade inferior a 16 anos: 1,6.
  • Distância da percepção visual: Significa a distância na qual é visto por um sujeito normal, com ou sem óculos, a lesão ou defeito estético como um todo (coloração, textura, relevo e consistência) do lesado.
DISTÂNCIA DA PERCEPÇÃO VISUALCOEFICIENTE
Lesão visível a uma distância < 1 metro1
Lesão visível a uma distância < 3 metros3
Lesão visível a uma distância < 6 metros6
Lesão visível a uma distância > 6 metros10

Após a descrição dos critérios, os escores dos critérios subjetivos e objetivos são aplicados à seguintes fórmulas:

  • Valor objetivo é igual à área de superfície corporal afetada por mil, dividida pela área total de superfície corporal do sujeito, multiplicada pela área envolvida, somada ao resultado da multiplicação do coeficiente de idade pelo coeficiente de gênero e, finalmente, o resultado é adicionado ao coeficiente de percepção de distância visual.
    • Valor Objetivo (O) = (SCA x 1.000/SCi) x Zona + (Idade/Sexo) + Distância de percepção visual
  • Valor subjetivo é igual à soma dos critérios subjetivos.
    • Valor Subjetivo (S) = Critérios sociais, escolares e acadêmicos + Familiares + Estado anterior a partir do ponto de vista físico e psíquico

Finalmente, a soma dos critérios subjetivos e objetivos é calculada, resultando em uma pontuação geral de 1 a 100. A partir dela é obtido o qualificador do dano (ligeiro, moderado, médio, importante e muito importante), segundo a tabela a seguir (29)(30)(36): Avaliação final = Objetivo (0) + Subjetivo (S)

ClassificaçãoPontuação
Ligeiro1 – 12
Moderado13 – 25
Médio26 – 45
Importante46 – 70
Muito importante71 – 100

MÉTODO HINOJAL Y RODRÍGUEZ

  1. Para valorar o dano estético em qualquer parte do corpo (exceto face)

Os coeficientes estéticos dinâmico e estático do corpo exceto da face foram descritos por Fernández & Hinojal e Rodríguez & Hinojal e são obtidos através de cálculo (33)(37). No que diz respeito às lesões estéticas dinâmicas, o método as classifica em visíveis (claudicação, amputação, etc) e não visíveis (percebidas de outras formas); e são determinadas as variáveis objetivas (sexo, idade, nível cultural e estado civil), que pontuam até 20, e as subjetivas, que pontuam até 5. O coeficiente estético dinâmico do corpo exceto da face é concluído multiplicando-se as variáveis objetivas e as variáveis subjetivas, tendo um resultado entre 0 e 100 pontos(33)(37). Com relação às lesões estéticas estáticas, são estabelecidos os coeficientes de localização (situação e direção com relação as pregas naturais da pele), que pontuam até 10, e de identificação (dimensão, relevo, coloração e características agravantes como idade, sexo, queimaduras, alterações tróficas e queloides), que pontuam até 10.  O cálculo do coeficiente estético estático do corpo exceto da face é realizado multiplicando-se o coeficiente de localização pelo coeficiente de identificação, tendo um resultado também entre 0 e 100 pontos (33)(37).

  • Para valorar o dano estético em qualquer parte do corpo (inclusive face)

Hinojal e Rodríguez descrevem um método baseado em uma tabela que determina coeficientes específicos para a visibilidade da lesão (extensão, localização e disposição da lesão com as linhas da pele), a morfologia da lesão (aspecto, relevo e coloração) e as características individuais (aparência física do periciando antes de sofrer o dano). E, através de uma fórmula matemática, onde serão aplicados os coeficientes verificados com a tabela, tem-se a pontuação do prejuízo estético(33).

VISIBILIDADE
EXTENSÃOComprimentoPrimeiros 5 cm1 × cm
5 a 10 cm0,5 × cm
10 a 15 cm0,25 × cm
Restante dos centímetros0,10 × cm
LarguraPrimeiros 0,5 cm1
0,5 a 3 cm1,5
3 a 5 cm1,75
> 5 cm1,75 ÷ 0,10 × cm
LOCALIZAÇÃOZona A (região periorificial: pálpebras, nariz e lábios)1,5
Zona B (fronte, maçãs do rosto, bochechas, queixo, nádegas, púbis, parte medial das coxas, peito, seios)1
Zona C (têmporas, mandíbula inferior, pescoço, terço superior do tórax, cabeça exceto couro cabeludo, mãos, face lateral das coxas e pernas)0,5
Zona D (regiões visíveis ocasionalmente: membros superiores, abdome e dorso)0,25
Zona E (regiões raramente visíveis: couro cabeludo, pés e axilas)0,10
RELAÇÃO COM AS LINHAS E DOBRAS DA PELEDiscreta0,75
Indiferente1
Perpendicular1,25
MORFOLOGIA
PARÂMETROSCARACTERÍSTICASCOEFICIENTES
MORFOLOGIA (1+)AspectoNormal0
Anormal0,25
SuperfíciePlana0
Deprimida ou hipertrófica0,25
Queloide0,5
ColoraçãoNormal0
Discromia0,25
CARACTERÍSTICAS PESSOAIS
PARÂMETROSCARACTERÍSTICASCOEFICIENTES
Boa1
Regular1,25
Ruim1,5
Pontuação = visibilidade × morfologia                      características pessoais
  • Casos particulares

Hinojal e Rodríguez propuseram uma outra tabela para quantificar o dano estético em situações específicas: uma única cicatriz; duas cicatrizes; e três ou mais cicatrizes (33). Quando há uma única cicatriz, somam-se os coeficientes de cada parâmetro da tabela; se há múltiplas, somam-se todos os padrões de cada cicatriz separadamente e, depois, linearmente(33). O resultado é interpretado conforme a tabela de prejuízo estético, que está desatualizada conforme a legislação espanhola atual (33).

CARACTERÍSTICASCOEFICIENTE
PARÂMETROSOrigem da cicatrizLesional1
Cirúrgica0
EXTENSÃOComprimento< 0,5 cm0
0,5 a 3 cm1
3 a 5 cm2
> 5 cm3
Largura ou diâmetro< 0,5 cm0
0,5 a 3 cm1
> 3 cm2
LOCALIZAÇÃOGeralZonas não visíveis ou com pelos0
Extremidades1
Tronco2
Face ou regiões íntimas3
LocalParalela às dobras da pele0
Perpendicular às dobras da pele1
PROCESSO DE CICATRIZAÇÃOAdequado0
Hipocrômico ou hipercrômico1
Cicatriz hipertrófica2
Queloide3
RESULTADO FUNCIONAL POSTERIORPrurido1
Fragilidade cutânea1
Fotossensibilidade1
AMPUTAÇÕESCorrigidas ou corrigíveis com prótese10
PERDA DE SUBSTÂNCIASem possibilidade de correção com prótese1 ponto por % de perda de superfície corporal

MÉTODO BARBOZA QUIRÓS (dano estético em face)

Em 2015, Barboza Quirós realizou uma análise dos critérios médico-legais para valoração do dano estético na face em diversos casos criminais na Costa Rica (33). O autor propôs uma tabela para quantificar o prejuízo estético levando em conta a distância para visibilidade da cicatriz, a distância para visibilidade da assimetria da cicatriz, a localização da lesão, a influência da mímica facial na percepção da lesão, a presença de retração, a extensão da lesão e o tipo de cicatriz. E, com a pontuação desta tabela, faz-se uma correspondência com 7 graus de valoração do dano estético: muito leve, leve, moderado, médio, importante, bastante importante e considerável (33).

CICATRIZPONTOS
Não visível à distância de conversação0
Pouco visível à distância de conversação1
Visível à distância de conversação3
Se destaca à distância de conversação5
Pouco visível à distância social6
Visível à distância social8
Se destaca à distância social10
ASSIMETRIAPONTOS
Não visível à distância de conversação0
Pouco visível à distância de conversação1
Visível à distância de conversação3
Pouco visível à distância social6
Visível à distância social8
Se destaca à distância social10
LOCALIZAÇÃOPONTOS
Zona A (regiões mais visíveis da face)5
Zona B (fronte, maçãs do rosto, bochechas e queixo)3
Zona C (têmporas, mandíbula, áreas menos visíveis da face)1
ALTERAÇÃO DA MÍMICA FACIALPONTOS
Se destaca com a mímica facial5
Visível com a mímica facial3
Pouco visível com a mímica facial1
Não visível com a mímica facial0
RETRAÇÃOPONTOS
Deformante5
Retração3
Pouca retração1
Sem retração0
ÁREA AFETADAPONTOS
4 cm25
3 a 3,99 cm24
2 a 2,99 cm23
1 a 1,99 cm22
1 a 0,99 cm21
TIPO DE CICATRIZPONTOS
Queloide5
Cicatriz hipertrófica ou deprimida3
Plana1
1Muito leve0 – 5 pontos
2Leve6 – 10 pontos
3Moderado11 – 15 pontos
4Médio16 – 20 pontos
5Considerável21 – 25 pontos
6Importante26 – 30 pontos
7Muito importante ou muito grave> 30 pontos

AVALIAÇÃO DE CICATRIZES

As cicatrizes são o tipo de sequela mais frequente e mais discutido dentro de danos estéticos. A avaliação da relevância de uma cicatriz na estética é composta por uma pluralidade de fatores como sua orientação, localização e as características próprias da lesão. A orientação da cicatriz é influenciada pelas linhas de expressão, ou regras clássicas da anatomia – as linhas de Langers –, e tem maior importância quando o defeito está situado no rosto. Apresenta maior repercussão quando se apresentam perpendicularmente às linhas de expressão, causando maior alteração quanto mais seguir o traço das rugas típicas de envelhecimento e quanto menos forem paralelas as linhas de Langers (29).

A localização é avaliada, conforme a literatura clássica, por zonas, atribuindo maior relevância àquelas localizadas em zonas visíveis (29)(30)(38)(39). O impacto de cicatrizes no rosto ou nas mãos, que são regiões sempre visíveis, é muito maior do que de cicatrizes nos glúteos, por exemplo, e devem ser valoradas proporcionalmente. O rosto é a zona de maior impacto e de pior adaptação psicológica (2)(29)(33), uma vez que, a maior parte das vezes, somos definidos pelas características faciais individuais (29).

Existem alguns parâmetros para aferir as características próprias da cicatriz (2)(29): (1) sua forma, diferenciando as lineares – retilíneas, não retilíneas ou ramificadas – daquelas cuja área é extensa, ou seja, com comprimento e largura relevantes; (2) seu relevo, visto que quanto maior o relevo, mais perceptível se faz o defeito e a alteração da imagem; (3) seu tamanho (área afetada); sua coloração, ou seja, o contraste cromático em relação à área corporal (discromia); (4) se apresenta retração; (5) sua sensibilidade, pois às vezes produzem dor, prurido ou sensações disestésicas; e (6) seu comportamento em relação a estruturas adjacentes. É notável destacar que a cor da pele do lesionado também deve ser levada em consideração, tendo em vista que as peles brancas cicatrizam de forma mais homogênea do que as peles escuras (29).

As cicatrizes podem se manifestar segundo diferentes tipos de lesão (28)(40):  em boas condições; hipertróficas; tatuadas; discrômicas; alopecia cicatricial; retráteis; e queloides. As lesões que apresentam pouca disparidade em relação ao tom da pele e sem textura particular configuram as cicatrizes em boas condições, gerando bons resultados estéticos. Já as cicatrizes hipertróficas, possuem desnível ao plano dérmico e podem apresentar tons avermelhados ou róseos e podem cursar com prurido, mas geralmente não são dolorosas. As chamadas cicatrizes tatuadas resultam da presença de corpo estranho na pele. Quanto às discrômicas, como o nome já elucida, ostentam alterações ou modificações na cor da pele na região cicatricial, podendo ser hiper ou hipopigmentadas. As lesões em áreas com muitos fâneros – como couro cabeludo, região da barba e sobrancelhas – podem apresentar perda dos pelos, recebendo a nomenclatura da alopecia cicatricial. Cicatrizes retráteis se dão, geralmente, por perda de área de tecido que causam deformidade pela formação de retrações fibrosas, provocando algumas complicações como limitação de movimento e de certas funções. Os queloides, por fim, têm crescimento exacerbado sobre a superfície da pele adjacente, possuem coloração avermelhada, prurido, são dolorosos e tendem a ser recorrentes, mesmo após tratamento cirúrgico (8).

3.4. PARTICULARIDADES NA CRIANÇA

No caso de crianças ou jovens, deve ser considerada uma maior valoração dos danos estéticos, levando em conta que esses indivíduos sofrerão por mais tempo as consequências dos danos sofridos em sua imagem (30) e que isso pode condicionar a formação de sua personalidade e do seu desenvolvimento, principalmente quando as sequelas forem importantes em indivíduos em processo de amadurecimento (2). A perícia nestes casos é ainda mais desafiadora do que a em adultos.

Em indivíduos jovens, haverá um longo período de alterações e evolução do seu corpo até alcançar a idade adulta e, quanto menor a idade, maior será a transformação ao longo dos anos, fato que dificulta a estimativa do dano. Nesse tipo de perícia é fundamental ao perito identificar se trata-se de uma lesão que será reparada com o passar do tempo ou se deixará sequelas permanentes, bem como os prejuízos que esta lesão decorrerá, como as limitações na escolha da profissão, atividades esportivas e de lazer, relações sociais etc. (29).

Ainda mais complexa é a avaliação da percepção do lesionado sobre o dano, uma vez que – por se tratar de um indivíduo em formação – não existe ainda determinação de quem ele é perante a sociedade (seu “papel social”), tornando delicado levar em consideração a opinião de uma criança e fazer uma apreciação do dano segundo o indivíduo, quando este não é capaz de discernir o alcance das suas deformidades (29). Acrescenta-se um terceiro elemento à perícia, em se tratando de menores de idade, a subjetividade dos seus progenitores ou responsáveis legais.

3.5 APRECIAÇÃO NO ÂMBITO CÍVEL E PENAL

Existem diferenças de tratamento quanto a lesão nos âmbitos cível e penal; enquanto no primeiro é caracterizada como dano estético, no segundo se configura como deformidade permanente. A deformidade, sob a luz do Direito Civil – responsável pela regulação das relações entre particulares -, é entendida como um dano extrapatrimonial que promove o afeamento do lesionado, ou seja, uma transformação para pior. Para que seja caracterizada, é necessário que apresente as seguintes características: (1) existência do dano à integridade física da pessoa; (2) apresentar resultado duradouro ou permanente; e (3) deve ensejar dano moral, em outras palavras, a vítima necessariamente deve apresentar um estado “menos feliz” em razão da lesão. É importante elucidar que não há necessidade de a lesão ser visível, desde que possua os critérios anteriores (41). O Código Civil Brasileiro de 2002, a partir do artigo 949, alude ao dano estético: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.

Entretanto, para o Direito Penal – responsável pela criminalização de condutas pelo Estado e a estabelecimento de penas à prática destas – o entendimento de deformidade permanente é diferente do âmbito cível. O Código Penal Brasileiro de 1940 estabelece a deformidade permanente enquanto qualificadora do crime de Lesão Corporal (artigo 129, § 20, IV). Nessa configuração, a resposta do Estado sobre o infrator, causador do prejuízo, será mais severa em comparação ao dano estético, caracterizado pelo Direito Civil (41).

3.6. LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA

O dano estético não conta com particularização na legislação brasileira. Historicamente ele estava atrelado à indenização do dano moral, despido das características inerentes a ele, uma vez compreendia juntamente os prejuízos psíquico, moral e intelectual, e à saúde e atributos físicos do indivíduo (42). Também já foi considerado dano patrimonial, uma vez que pode demandar tratamentos reparadores e afetar a profissão, causando prejuízo pecuniário (24). Com o decorrer do tempo, o dano estético assume especificidade e se afasta do conceito de dano moral. Atualmente, em países europeus, é considerado um dano à parte, e, assim, ganhando importância o seu sistema de valoração e avaliação (43).

O dano estético e o dano moral, ainda hoje, se confundem. Existem Tribunais que entendem o prejuízo estético como parte do dano moral, sem distingui-los. Entretanto, a jurisprudência vem reconhecendo a existência, desvinculada de outras entidades, em inúmeros processos (44). Prova disso é a súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que assegura a cumulação das indenizações pelos danos moral e estético: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. O jurista Sebastião Geraldo de Oliveira (45), desembargador do TRT da 3ª Região, sobre esse entendimento discorre que:

“Mesmo estando o dano estético compreendido no gênero dano moral, a doutrina e a jurisprudência evoluíram para deferir indenizações distintas quando esses danos forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis. O dano estético está vinculado ao sofrimento pela deformação com sequelas permanentes, facilmente percebidas, enquanto o dano moral está ligado ao sofrimento e todas as demais consequências nefastas provocadas pelo acidente.

Desse modo, o dano estético materializa-se no aspecto exterior da vítima, enquanto o dano moral reside nas entranhas ocultas dos seus dramas interiores; o primeiro, ostensivo, todos podem ver; o dano moral, mas encoberto, poucos percebem. O dano estético, o corpo mostra, o dano moral, a alma sente.”

Assim, entende-se que o prejuízo da lesão tem reflexos diferentes sobre a vítima e, portanto, devem ser reconhecidos de forma independente no ordenamento jurídico. Deste modo, “a licitude está em arbitrar um valor que abranja ambas as indenizações, suficiente para tanto, sendo que deve ficar claro no decisório que os valores condizem com a compensação pelos danos estéticos e morais” (Michelle Antunes Espinoza) (42). Apesar das mudanças no entendimento do dano estético pela legislação brasileira, ele ainda não tem previsão própria no ordenamento jurídico, sendo necessária essa particularização para garantia da reparação plena. Contudo, cabe ressaltar que a discussão das esferas patrimonial e extrapatrimonial do dano estético é meramente jurídica, e, portanto, não interfere na avaliação médico-legal, nem se faz pertinente sua discussão pelo especialista (11).

4. DISCUSSÃO

As consequências negativas do dano estético são percebidas principalmente no âmbito familiar e profissional, além do sofrimento induzido pela autoconsciência das feridas ou cicatrizes estéticas (47)(48). Partindo desse entendimento, cabe realizar a análise de cada uma das metodologias expostas nesta pesquisa, levando em consideração seus critérios de avaliação dos componentes objetivos e subjetivos que envolvem o prejuízo estético.

A Escala dos 7 Graus, é o método mais difundido no mundo e, também, o mais aplicado no Brasil para valoração de danos. Entretanto, não dispõe de critérios objetivos de avaliação, ficando à mercê da arbitrariedade do examinador. Desta forma, ele não é reprodutível, carece de técnica e seus resultados dependem da experiência do perito, tornando-o parcial e tendencioso à medida que sofre influência direta das emoções que o periciando desperta, não necessariamente relacionadas ao objeto da análise, a lesão. Todavia, é pertinente salientar que se trata da escala mais simples e de mais fácil aplicabilidade e entendimento.

Em contrapartida, o AIPE é longo e complexo demais para aplicação universal, sendo recomendado seu uso em situações particulares. É um método bem construído que se pauta no encadeamento anatomoclínico evolutivo dos danos e em critérios psicométricos, capaz de avaliar a funcionalidade, valorar a intensidade ou gravidade de cada um dos parâmetros propostos e analisar o tipo de emoção que a deformidade desencadeia à observação. Não tem componente descritivo, o que implica na necessidade de usar outra técnica conjuntamente. Ainda que seja o método que mais considere a subjetividade relacionada ao dano estético, ainda não é capaz de avaliar a fundo o impacto sobre a esfera psicoemocional e social da vítima. O AIPE Simp/Ad, ainda não validado no país, é mais simples (composto por duas tabelas apenas), mas desconsidera as repercussões funcionais e mistura a avaliação nos âmbitos cível e criminal, o que foi considerado por nós como um demérito uma vez que, na esfera criminal, basta a definição do prejuízo como “deformidade permanente” para atribuição da pena (artigo 129, § 20, IV do Código Penal Brasileiro). Esses métodos foram elaborados com base na legislação espanhola, o que é fator de confusão quando tentamos transpor para o contexto nacional.

O método de avaliação para lesões em todo o corpo que consideramos mais objetivo e de maior reprodutibilidade foi de Rechard. É complexo, composto por uma avaliação multiparamétrica constituída por critérios objetivos e subjetivos que são aplicados em uma fórmula matemática. É um dos únicos que considera a influência da profissão, idade e gênero. Entretanto, há uma disparidade do valor atribuído aos critérios objetivos, em detrimento dos subjetivos que pontuam até 2,1 pontos em uma escala de 100. Dessa forma, é uma técnica excelente para avaliar lesões visíveis que não sejam estigmatizantes ou possuam importante componente emocional envolvido. Este método também não é capaz de valorar amputações, mutilações de órgãos ou plegias.

Hinojal e Rodríguez propuseram métodos que se mostraram extensos e de difícil compreensão, com duas tabelas que apresentam objetivos diferentes e vários cálculos matemáticos. Apesar de quantificar o dano estético em qualquer parte do corpo, realizar uma avaliação estática e dinâmica e levar em consideração aspectos do indivíduo, no contexto brasileiro de valoração do prejuízo estético a aplicação da pontuação acaba sendo limitada, pois correlaciona-se diretamente com a legislação espanhola.

O método clássico para o rosto, enquadra-se – como o próprio nome diz – exclusivamente para quantificação do dano estético em região de face e acaba sendo superficial e limitado, utilizando critérios apenas descritivos, desconsiderando a experiência subjetiva do periciando. Outra estratégia para valoração de lesões estéticas em face é o método das distâncias, que apresenta, além de um critério descrito, um critério normativo. Entretanto, consiste numa apreciação puramente objetiva do dano, sem se atentar à funcionalidade comprometida, aspectos individuais do periciando e outro fatores importantes no contexto do prejuízo estético.

E, por fim, Barbosa Quiróz realizou um trabalho no qual determinou a análise da lesão em região de face através de tabelas que constatam o dano de maneira dinâmica e estática, valendo-se de uma descrição detalhada da cicatriz, de fácil execução. Seu resultado é caracterizado em uma escala de 7 graus, facilmente utilizado na prática da perícia no Brasil e, a despeito da ausência de critérios subjetivos, pode ser considerado um bom método para avaliação do prejuízo estético no rosto.

Após realizado levantamento bibliográfico e seleção dos métodos mais pertinentes a serem aplicados no contexto brasileiro, foram apresentados os métodos de valoração de dano estético eleitos pelos pesquisadores aos residentes e professores da Disciplina de Medicina Legal e Perícia Médica. Mediante a apresentação de casos para aplicação dos diversos critérios, foram discutidas as vantagens e desvantagens de cada um deles, bem como sua capacidade de valorar o prejuízo nos mais diversos contextos. A partir daí foram selecionados os quatro métodos que obtiveram consenso sobre sua contribuição para a perícia, a saber: Thierry-Nicourt, Rechard, Barbosa Quiróz e AIPE.

A partir do estudo e análise dos diferentes métodos, bem como da legislação que compreende dano estético, nós pudemos concluir que a utilização ampla do Método dos 7 graus (Thierry-Nicourt), como é feito atualmente, mostra-se insuficiente, uma vez que conta demasiadamente com a subjetividade do examinador e a arbitrariedade de sua classificação. No atual contexto, sugere-se a escolha da escala conforme a situação encontrada na perícia. Em lesões visíveis, cuja lesão não seja estigmatizante ou em indivíduos que não dependam demasiado de sua imagem para suas atividades corriqueiras, nos parece pertinente recorrer a métodos diversos de valoração que sejam munidos de maior objetividade, como o método Rechard ou o método Barbosa Quiróz (para o rosto). Já nas situações em que a lesão seja pouco ou nada visível e que apresente grande carga emocional associada, ou ainda quando a alteração da imagem acarrete importante alteração nas atividades usuais, recomenda-se usar métodos que considerem a subjetividade de maneira sistemática, como o método AIPE em associação com outro(s). Aplicar diferentes métodos para diferentes situações é uma maneira de avaliar com mais precisão a extensão do dano causado na vítima, de modo a fornecer subsídios mais adequados para a definição da reparação mais completa do dano.

Contudo, ficou evidente que nenhuma das metodologias até então propostas se mostrou suficiente para se aproximar da real avaliação dos prejuízos que o dano estético acarretou na vida das vítimas. Nenhuma das escalas analisadas avaliou simultaneamente as características inerentes da lesão, os impactos sobre a funcionalidade e os desdobramentos psicoemocionais. A fim de contemplar todos os aspectos que julgamos fundamentais para a valoração mais próxima possível do real impacto do prejuízo, para que seja exposto ao julgador para que ele defina a compensação pertinente, propomos um novo método.

NOVA PROPOSTA DE VALORAÇÃO DO DANO ESTÉTICO

Tabela 1 – AVALIAÇÃO DA FUNCIONALIDADE (20 pontos)
Prejuízo pecuniário “Perdeu oportunidade de emprego em decorrência da lesão?” “Sofreu demissão relacionada devido a lesão?”6 pontos
Prejuízo na esfera familiar e social Alteração da relação com pessoas próximas e/ou conhecidos Alteração da interação com desconhecidos6 pontos
Prejuízo nas atividades (dano existencial)
“Não pude mais fazer” – Não pode mais realizar uma atividade que antes era parte de sua rotina.2 pontos
“Tive que fazer diferente” – Precisou passar por processo de readaptação ou reabilitação para continuar fazendo determinada atividade.2 pontos
“Tive que fazer o que não precisava antes” – Em decorrência da lesão, teve que incorporar outras atividades obrigatoriamente à rotina.2 pontos
“Tive que fazer com auxílio” – Passou a depender de auxílio para fazer a atividade que antes realizava sozinho(a).2 pontos
Tabela 2 – AVALIAÇÃO OBJETIVA INDIVIDUAL (30 pontos)
Estado anterior à lesão     “O quanto a lesão interferiu na estética comparando com a apresentação antes do dano”
Muita mudança da imagem antes e depois da lesão6 pontos
Moderada mudança da imagem antes e depois da lesão4 pontos
Pouca mudança da imagem antes e depois da lesão2 pontos
Sem alteração da imagem antes e depois da lesão0 pontos
Idade no momento da lesão
Antes do estirão puberal    Referência para o sexo feminino: até 16 anos completos    Referência para o sexo masculino: até 18 anos completos5 pontos
Após o estirão puberal0 pontos
Importância da estética na vida do indivíduo
Muito importante – A estética é fator determinante da autoestima    “Já realizou alguma cirurgia plástica”   “Destina grandes parcelas de sua renda mensal e de seu tempo com cuidados estéticos”9 pontos
Moderadamente importante – A estética tem influência na autoestima, mas não é um fator determinante    “Está se planejando para realizar uma cirurgia plástica”    “Realiza procedimentos estéticos regularmente (micropigmentação, botox, manicure/pedicure, etc.)”    “Destina uma parcela considerável de sua renda mensal e de seu tempo com cuidados estéticos”6 pontos
Pouco importante – A estética tem pouca influência na autoestima    “Nunca realizou procedimentos estéticos invasivos”    “Nega planos para mudança de aparência”    “Não costuma frequentar salão de beleza, barbearia ou clínicas estéticas”3 pontos
Não tem nenhuma importância0 pontos
Profissão exercida no momento da lesão
O trabalho depende da imagem de forma direta – ex. modelos, atores, influencers, etc.7 pontos
O trabalho depende da imagem de forma indireta – ex. secretárias, recepcionistas, apresentadores, esteticistas, vendedores (em situações específicas), etc.4 pontos
Não trabalha com a imagem e o trabalho não depende da imagem0 pontos
Cicatriz estigmatizante – sugestivas de suicídio, violência interpessoal ou autodirigida, ato criminoso, etc.3 pontos
Tabela 3 – AVALIAÇÃO OBJETIVA DA CICATRIZ
Amputações ou plegias – pontuação máxima da tabela, sem necessidade de preencher o restante da tabela30 pontos
Zona do corpo afetada
Face8 pontos
Áreas sempre visíveis – pescoço e mãos6 pontos
Áreas frequentemente visíveis – pernas, pés, antebraços e couro cabeludo (com alopecia cicatricial)4 pontos
Áreas menos visíveis – tórax, abdome, coxas e braços2 pontos
Áreas raramente visíveis – sola dos pés, axilas, couro cabeludo (sem alopecia cicatricial), genitália, nádegas1 ponto
Área da lesão
> 10 cm26 pontos
5 – 10 cm24 pontos
< 5 cm22 pontos
Relação com as linhas de força, rugas ou dobras da pele
Paralelas às linhas de força, rugas ou dobras da pele0 pontos
Perpendicular às linhas de força, rugas ou dobras da pele2 pontos
Relacionada com estruturas adjacentes – Principalmente orifícios (olhos, boca, nariz, orelhas, etc.)4 pontos
Coloração
Mesma coloração da pele adjacente0 pontos
Hipercromia ou hipocromia2 pontos
Relevo
Plana0 pontos
Deprimida ou hipertrófica2 pontos
Presença de retração
Com retração2 pontos
Sem retração0 pontos
Alteração de sensibilidade – parestesia, alodínea, hiperalgesia1 ponto
Presença de alopecia na região cicatricial – em couro cabeludo, barba, cílios ou sobrancelhas1 ponto
Avaliação estática e dinâmica (movimentação, deambulação, mímica e expressões)
Lesão acentuada na avaliação dinâmica2 pontos
Lesão não acentuada na avaliação dinâmica 0 pontos
AVALIAÇÃO SUBJETIVA DA LESÃO (20 pontos)
Dano à identidade – lesão que fere as características pessoais do indivíduo (raciais, sexuais, culturais, etc.)    “Indivíduo mudou sua forma de ser/agir”6 pontos
Dano ao projeto de vida – prejuízo capacidade do indivíduo para concretizar suas expectativas de futuro, seus sonhos, metas e objetivos6 pontos
Dano à liberdade – se, em decorrência da lesão, o periciando teve sua liberdade de escolha limitada     “Deixa de frequentar determinados lugares, tomar certas decisões, viver de acordo consigo ou buscar informações por causa da lesão”4 pontos
Prejuízo sexual* – se há limitação parcial ou total do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual, por sequelas físicas e/ou psíquicas4 pontos
* Excluindo os aspectos relacionados com a capacidade de procriação.

Ele é composto por quatro tabelas que abordam aspectos objetivos (avaliação objetiva individual e avaliação objetiva da lesão) que pontuam até 60 pontos e critérios subjetivos (avaliação da funcionalidade e avaliação subjetiva da lesão) que pontuam até 40 pontos. Esse método varia de 6 a 100 pontos. A distribuição entre critérios objetivos e subjetivos, 60% e 40%, respectivamente, foi entendida por nós como uma forma justa de contemplar o impacto da lesão sobre a vida do indivíduo ainda destacando as características inerentes da deformidade e da vítima. Os conceitos de “dano existencial”, “dano à identidade”, “dano ao projeto de vida”, “dano à liberdade” e “prejuízo sexual”, que não contam com valoração própria na legislação brasileira, foram também incorporados a este trabalho.

Diferentemente de outros métodos, optamos por não usar o critério “sexo”. Tendo em vista que a sociedade e seus valores mudaram muito desde a proposição das primeiras escalas é inadequado valorar mais ou menos o dano em um indivíduo simplesmente por seu do sexo biológico. Entendemos que usar o critério de identidade de gênero também não seria apropriado, visto que cada pessoa é única e a cada uma lhe pesa de forma diferente o dano estético, não sendo cabível generalizações desta monta. Portanto, adotamos o critério de “importância da estética na vida do indivíduo” – que pode ser entendido como “vaidade” – classificado em graus com perguntas orientadoras.

Sobre a idade no momento da lesão e estado civil, por motivos semelhantes aos supracitados, não fizemos distinção entre jovens e idosos, solteiros ou casados. Achamos apenas importante avaliar o impacto em relação ao crescimento, valorando mais o dano quando antes do estirão puberal. Para tanto, foram sugeridas idades limite para os sexos feminino e masculino, mas isso não impede, de forma alguma, a individualização da análise. Cabe ainda ressaltar que, quando a vítima apresenta tenra idade, seja realizado apenas a avaliação objetiva da lesão, uma vez que ela não terá capacidade para responder por si os demais critérios, o que causaria um viés indesejado. Nessas situações é oportuno associar uma explicação sobre o impacto que essa lesão poderá causar no crescimento e desenvolvimento da criança, abordando aspectos como discriminação e bullying.

  1.  CONCLUSÃO

As reais repercussões do dano estético não conseguem ser avaliadas pelos métodos usados atualmente no Brasil impedindo que o julgador atribua indenizações adequadas para o prejuízo da vítima. Mediante a análise das vulnerabilidades e qualidades de cada uma das escalas foi proposto um novo método que busca abranger de forma global os possíveis prejuízos que a lesão estética pode causar.

Em um segundo momento será realizado estudo comparativo a fim de avaliar a reprodutibilidade, disparidade dos resultados e facilidade de aplicação dos métodos estudados, bem como do método proposto.


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