Renato de Assis Pinheiro
(1) Advogado especialista em Direito Médico, Conselheiro Jurídico e Científico da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética – ANADEM, Brasília/DF, Brasil. Autor principal.
E-mail: renato@renatoassis.com.br
Na última década, o fenômeno das redes sociais revolucionou a forma pela qual toda a sociedade se comunica, impactando nas relações pessoais e sobretudo nas profissionais, principalmente através da democratização da publicidade e do aumento da concorrência, em todos os setores.
O fenômeno do culto à beleza também é um aspecto primordial no nosso estudo, por levar milhares de pessoas em todo o mundo a perseguir o pa-drão de beleza imposto pela sociedade. O encontro destes fenômenos, so-mado a certos problemas estruturais do nosso país mais a seguir aborda-dos, levou um grande contingente de médicos a buscar seu espaço no setor privado, muitos deles empreendendo com seu próprio negócio nas princi-pais capitais do país, enfrentando a grande concorrência de médicos, e ou-tros profissionais da saúde.
Este movimento mercadológico impactou negativamente na relação médi-co-paciente, que se tornou uma relação em profunda crise, sobretudo nos tratamentos eletivos, e especialmente nos estéticos. Esta crise elevou a mercantilização da medicina a níveis inéditos, piorando a experiência vivida pelos pacientes e agravando ainda mais o problema da judicialização.
Neste estudo, abordamos a relação de causa e consequência entre os fe-nômenos inicialmente apontados, e as distorções às regras de responsabi-lidade civil identificadas nas decisões judiciais. Analisamos dados da judi-cialização da medicina no Brasil, verificando decisões judiciais e seus fun-damentos, sobretudo as condenações baseadas na publicidade médica nas redes sociais.
A publicidade médica possui um papel central neste quadro, trazendo efei-tos nos tribunais brasileiros bastante preocupantes para toda a classe mé-dica, como o crescente volume de decisões judiciais nas quais os critérios de responsabilidade civil adotados fogem dos padrões tradicionais. Há ca-sos em que a obrigação de meio deu lugar à obrigação de resultado, e ou-tros em que a responsabilidade subjetiva deu lugar à objetiva, criando-se um contexto em que até simples intercorrências cirúrgicas e eventos adver-sos não evitáveis podem ser imputadas ao médico. Muitas decisões judici-ais são motivadas por problemas como negligência informacional, vícios no consentimento do paciente, promessa de resultado incerto, e até a promo-ção de desinformação através da publicidade médica nas redes sociais.
O objetivo da publicidade médica deve ser a informação, sendo a atração de pacientes uma mera consequência. Quando desvirtuada de seu conceito original, a publicidade médica gera a inevitável aproximação da relação médico-paciente, a uma mera relação de consumo. Como consequência, o Poder Judiciário pode alterar a forma de responsabilização dos médicos, causando prejuízos irreversíveis aos direitos dos médicos de forma global.
É indispensável que o Estado e a Sociedade Civil, sobretudo as entidades médicas e os Conselhos de Medicina, regulem e fiscalizem adequadamente a publicidade médica nas redes sociais, impondo os limites necessários para defesa dos direitos dos pacientes e da sociedade, assim como dos próprios médicos.