Daniele Muñoz (1)
Pedro Bougleux (1)
Danilo Harada (1)
Daniele Viana (1)
Victor Alexandre Percinio Gianvecchio (1)
Juliana Takitane (1)
Daniel Romero Muñoz (1)
(1) FCMSCSP
INTRODUÇÃO: Nos últimos anos, o tema do feminicídio tem ganhado destaque nas discussões acadêmicas e sociais, dada a sua alarmante prevalência e impacto na sociedade. A violência contra as mulheres é uma questão complexa e multifacetada, cuja compreensão exige uma análise abrangente das variáveis que a influenciam. Em março de 2015, a lei 13.104 alterou o art. 121 do Código Penal e instituiu nova circunstância qualificadora para o crime de homicídio: o feminicídio1. Esse crime é caracterizado como homicídio praticado contra uma vítima mulher em razão das condições do sexo feminino, por exemplo, a violência doméstica e familiar e o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher. Por ser crime comum, qualquer pessoa pode ser autor do feminicídio (homens ou mulheres); apenas a mulher, contudo, pode ser vítima desse crime2. A violência contra a mulher atinge, principalmente, as mulheres jovens; pretas ou pardas; casadas ou que convivem com parceiros íntimos e as que apresentam baixa escolaridade3. Essa violência não é uma preocupação apenas da segurança pública em São Paulo, mas um problema de saúde pública mundial, que afeta cerca de um terço das mulheres2. O Estado de São Paulo, como uma das unidades federativas mais populosas e economicamente desenvolvidas do Brasil, possui características bem distintas dos demais estados e enfrenta desafios significativos no que diz respeito à violência de gênero e à proteção das mulheres. Com o intuito de compreender melhor as características do feminicídio no Estado de São Paulo, foi realizado um estudo para caracterizar o perfil sociodemográfico das vítimas de feminicídio e as características dos crimes ocorridos no período de 2017 a 2022 nesta região. A partir dessa compreensão, poderemos fortalecer as políticas públicas, ações de prevenção e apoio às vítimas, com o objetivo de construir uma sociedade mais segura e igualitária para as mulheres.
OBJETIVO: Descrever o perfil sociodemográfico das vítimas e as características do crime de feminicídio no Estado de São Paulo, no período entre 2017 e 2022.
MÉTODO: Este é um estudo transversal, quantitativo, retrospectivo e descritivo. Foram analisados dados referentes aos crimes de feminicídio ocorridos no Estado de São Paulo, no período de 2017 a 2022. Os dados analisados estão disponibilizados no portal da transparência da Secretaria de Segurança Pública do Estado4 (https://www.ssp.sp.gov.br/transparenciassp/).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:Fizeram parte do estudo 956 casos de feminicídio ocorridos no período de 2017 a 2022 no Estado de São Paulo. A distribuição dos 956 casos nos anos estudados foi de 121 (12,7%) registros em 2017, 136 (14,2%) em 2018, 184 (19,3%) em 2019, 180 (18,8%) em 2020, 140 (14,6%) em 2021 e 195 (20,4%) em 2022. A média anual de casos de feminicídio foi de 159,3 casos. Primeiramente, observa-se um aumento gradual no número de casos ao longo dos anos estudados, com exceção de uma queda em 2021, provavelmente devido a pandemia de COVID-19. Essa tendência ascendente pode indicar a persistência e agravamento do problema do feminicídio na região durante esse período. Em termos proporcionais, os anos com maior incidência de casos foram 2019 com 19,3%, e 2022 com 20,4% do total. Já o ano com menor incidência foi 2017, com 12,7% dos casos. Isso sugere que houve variações ao longo do tempo, destacando a importância de entender as causas e os fatores envolvidos nas flutuações dos números. É importante ressaltar que a análise desses dados apenas revela informações estatísticas. Para uma compreensão mais completa, é necessário considerar outros fatores, como o contexto social, cultural e jurídico, que podem influenciar a ocorrência de feminicídios e as variações ao longo do tempo. Historicamente, a taxa de feminicídio é mais elevada na região Centro-Oeste do Brasil, havendo uma tendência de aumento nas regiões Norte, Nordeste e Sul. No que se refere ao perfil sociodemográfico das vítimas dos casos apresentados, a faixa etária predominante foi de 19 a 40 anos (62,8%) e de 41 a 65 anos (27,1%) quando foram mortas. A menor prevalência se deu até os 11 anos com 14 casos (1,5%). Em 7 casos não havia informações sobre a idade (0,7%). O predomínio de casos de feminicídio na faixa etária de 19 a 40 anos pode ser atribuído a uma combinação de fatores sociais, culturais e individuais. Algumas possíveis explicações incluem: 1. Relações íntimas e conjugais: mulheres nessa faixa etária costumam estar envolvidas em relacionamentos íntimos e conjugais, nos quais podem ocorrer situações de violência doméstica que, em alguns casos extremos, levam ao feminicídio. 2. Fatores de poder e controle: essa faixa etária é caracterizada por uma fase em que as mulheres podem estar desafiando normas de gênero estabelecidas, buscando independência e tomando decisões que podem desagradar parceiros ou pessoas próximas. Isso pode levar a situações de violência e tentativas de controle, que podem culminar em feminicídio. 3. Vulnerabilidades específicas: mulheres jovens e adultas podem estar em situações de vulnerabilidade socioeconômica, enfrentar dificuldades emocionais, lidar com dependência econômica ou enfrentar discriminação de gênero, o que pode aumentar o risco de serem vítimas de feminicídio. No entanto, é importante ressaltar que o feminicídio pode ocorrer em qualquer faixa etária, e essas explicações não devem ser generalizadas a todas as situações. Cada caso é único e deve ser analisado individualmente, considerando os fatores específicos que podem ter contribuído para o crime. Quanto à raça/cor, 340 (35,6%) eram pardas, 546 (57,1%) brancas, 59 (6,2%) pretas e 5 (0,5%) amarelas4. Em seis casos (0,6%) a cor da pele foi ignorada. Em 2019, no Brasil, 66% das mulheres assassinadas eram negras5. Em termos relativos, a taxa de homicídios de mulheres negras foi de 4,1 por cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa para mulheres não negras foi de 2,5 por cada 100 mil habitantes5. Isso significa que o risco relativo de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 1,7 vezes maior do que o de uma mulher não negra, em outras palavras, para cada mulher não negra morta, aproximadamente 1,7 mulheres negras são mortas5. Essas estatísticas destacam a desigualdade e o maior risco enfrentado pelas mulheres negras no Brasil. Vale ressaltar que a composição étnica do Estado de São Paulo possui particularidades em relação ao restante da população. No Censo de 2010, 63,9% dos habitantes paulistas se declararam brancos, 29,1% pardos, 5,5% pretos, 1,4% amarelos e 0,1% indígenas. No conjunto dos demais Estados, a composição segundo raça/cor é distinta, com população majoritariamente parda ou preta (55,2%)6. Quanto ao local de ocorrência do crime, 635 (66,4%) ocorreram em ambiente domiciliar e 208 (21,8%) em via pública. Os outros 113 (11,8%) fatos ocorreram em demais localidades, com destaque para comércio e serviços com 21 (2,2%) casos e unidades rurais com 17 (1,8%) casos. No Brasil, no ano de 2019, foram registradas 3.742 mortes violentas de mulheres, tendo 33,3% dos crimes ocorrido nas residências5. Esse percentual é próximo da proporção de feminicídios, em relação ao total de homicídios femininos registrados pelas Polícias Civis dos estados, no mesmo ano5. Segundo o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020”, 35,5% das mulheres que sofreram homicídios dolosos em 2019 foram vítimas de feminicídio7. É possível perceber que o Estado de São Paulo apresenta uma grande prevalência de feminicídios em ambiente domiciliar, assim como o restante do país. Essa prevalência indica que o contexto de violência familiar e doméstica tem grande impacto nos casos avaliados, sendo um fenômeno social que evolui gradativamente, iniciando com violência psicológica/verbal e culminando na violência física. A forma mais grave de tal fenômeno é a morte da vítima, o feminicídio7. Com relação ao período do dia, 202 (21,1%) ocorreram durante a madrugada, 219 (22,9%) pela manhã, 224 (23,4%) à tarde e 283 (29,6%) à noite. Em 28 (3%) casos o horário foi incerto. Mais uma vez o estado de São Paulo segue a tendência do país com o predomínio dos fatos ocorrendo à noite. A prevalência, conforme a literatura, da violência contra as mulheres cometida por parceiro íntimo é maior nas mulheres jovens, pretas/pardas e com baixa escolaridade.
A região Sudeste, não obstante, mostrou declínio anual médio da mortalidade feminina por agressões no período de 2002 a 20128. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2021, mostra que, em 2020, o Estado de São Paulo estava entre os Estados com menores taxas de feminicídio (0,8 por 100 mil mulheres), em comparação ao Estado com maior taxa (3,6 por 100 mil mulheres), que foi Mato Grosso. Ele ainda trouxe o perfil sociodemográfico das vítimas pelo país: jovens (74,7%); raça negra (61,8%); morte na residência da vítima (54%); os crimes ocorreram mais frequentemente à noite (49,8%)9.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Feminicídio é o extremo da violência de gênero contra a mulher. Em São Paulo, no período de 2017 a 2022, as mulheres jovens e brancas foram as principais vítimas e o crime ocorreu, com maior frequência, durante a noite. Nesse estudo, assim como no restante do mundo, os principais autores são os parceiros íntimos (40 a 70% dos casos), por isso, a violência contra mulher ocorre predominantemente no domicílio da vítima. É importante ressaltar que, o perfil sociodemográfico das vítimas de feminicídio no Estado de São Paulo e as características do crime corroboram a literatura, exceto em relação à cor da pele: as principais vítimas de feminicídio em São Paulo foram registradas como brancas. Como mostra o estudo, em São Paulo, nota-se que está havendo um crescimento desse tipo de crime, sendo de extrema importância a implementação de políticas públicas para preveni-lo.
Referências bibliográficas
1. Bitencourt CR. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva Educação SA; 2019.
2. World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Genebra: WHO; 2013.
3. Dias LB, Prates LA, Cremonese L. Perfil, fatores de risco e prevalência da violência contra a mulher. SANARE – Revista de Políticas Públicas. 2021;20(1):102-14. DOI: https://doi.org/10.36925/sanare.v20i1.1555
4. Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo [homepage na internet]. Portal da transparência [acesso em 06 jul. 2023]. Disponível em: https://www.ssp.sp.gov.br/transparenciassp/
5. Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, coordenadores. Atlas da Violência 2021. São Paulo: FBSP; 2021.
6. IBGE. Censo Demográfico 2010 (resultados preliminares); Fundação Seade.
7. Araújo SMC, Rabello PM, Soriano EP, Moreira MHBA, Bento MIC, Almeida AC. Violência contra a mulher: uma revisão da literatura. Research, Society and Development. 2021;10(14). DOI: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.21616
8. Leite FMC, Mascarello KC, Almeida APSC, Fávero JL, Santos AS, Silva ICM, Wehrmeister FC. Análise da tendência da mortalidade feminina por agressão no Brasil, estados e regiões. Ciência & Saúde Coletiva. 2017;22(9):2971–8. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.25702016
9. Fórum Brasileiro de Segurança Pública [homepage na internet]. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 [acesso em 25 jun. 2023]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/10/anuario-15-completo-v7-251021.pdf