Analisar os processos de responsabilidade civil por alegado erro médico em oftalmologia do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) em casos de complicações cirúrgicas.

Resumos

PROCESSOS JUDICIAIS POR COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS EM OFTALMOLOGIA: ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ENTRE 2011 E 2023 NO ESTADO DE SÃO PAULO

Carlos Eduardo Harder Esgaib (1)

Eduardo Costa Sá (2)

Daniele Muñoz (3)

Victor Alexandre Percinio Gianvecchio (4)

Daniel Romero Muñoz (5)

(1) Médico pós-graduando do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

(2) Professor Adjunto e Coordenador da unidade curricular de Medicina Legal da Escola Paulista de Medicina (EPM)/ Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

(3) Professora do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

(4) Professor de Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

(5) Coordenador do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

INTRODUÇÃO: O número de demandas judiciais por alegado erro médico tem aumentado nos últimos anos em todas as especialidades médicas. Na oftalmologia, as demandas concentram-se nos procedimentos cirúrgicos que sofreram algum tipo de complicação pós operatória.

OBJETIVO: Analisar os processos de responsabilidade civil por alegado erro médico em oftalmologia do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) em casos de complicações cirúrgicas.

MÉTODO: Análise de 143 processos listados na jurisprudência do sítio eletrônico do TJSP julgados entre 11 de agosto de 2011 e 3 de abril de 2023. A pesquisa foi realizada introduzindo-se os termos: complicação – cirurgia – oftalmologia.

RESULTADOS: Foram selecionados 84 casos para o trabalho. Sessenta casos foram de cirurgia de catarata (71%), oito casos de cirurgia refrativa (9,5%), cinco casos de exérese de pterígio (5,9%), três casos de perfuração ocular (3,6%), três casos de transplante de córnea (3,6%), dois casos de descolamento de retina (2,4%), dois casos de plástica ocular (2,4%), e um caso de vitrectomia (1,2%). Quanto ao propósito da cirurgia: setenta e seis casos (90,5%) foram de obrigação de meio (sem obrigação de resultado). Oito cirurgias (9,5%) foram de obrigação de fim (com obrigação de resultado). Quanto a utilização de laudo pericial: todos os casos incluídos (n=84) utilizaram laudo pericial para a elucidação do caso. Quanto ao julgamento: 20 réus foram condenados (23,8%), e 64 (76,2%) foram absolvidos. Dentre os casos condenados, 13 (65%) foram de cirurgias em regime de mutirão, sendo todos por infecção pós operatória. Dentre os condenados, apenas um caso (5%) tinha o propósito de fim e 19 (95%) tinham o propósito de meio. Dentre os casos que tiveram o propósito de fim, sete (87,5%) foram absolvidos e um (12,5%) foi condenado.

DISCUSSÃO: A cirurgia da catarata é o procedimento mais demandado judicialmente em números absolutos porque é a cirurgia mais realizada na oftalmologia5,6,7. Sendo assim, não deve ser encarada como a cirurgia que tem maior risco de complicações. Houve casos em que ocorreu a condenação do hospital mas não há a condenação do médico. Principalmente nos casos de infecção pós operatória, em que a esterilização dos materiais foi questionada ou a estrutura fornecida foi duvidosa. Neste sentido, chama a atenção as cirurgias realizadas em regime de mutirão. Foram maioria entre os condenados. Este regime prejudicou a relação médico paciente e aumentou os riscos de infecção. Além disso, criou uma expectativa destacada da realidade nos pacientes, pois não se conseguiu uma abordagem individualizada e conscientização quanto às possíveis complicações. Consequentemente, o paciente entendeu que o procedimento teria obrigação de fim. Porém, a cirurgia de catarata tem como essência a obrigação de meio. Esta situação impulsiona o paciente a gerar uma demanda judicial. Não foi observada relação entre cirurgia com obrigação de fim (resultado) e condenação. Ou seja, mesmo a cirurgia tendo sido proposta com obrigação de resultado e não tendo alcançado o desfecho prometido, não foi alvo de condenação, na grande maioria dos casos. Talvez, a boa relação médico paciente possa ter feito a diferença nestes casos. Em todos os casos, houve necessidade de um perito médico para diferenciar se houve somente resultado adverso, como complicações inerentes a qualquer procedimento, usualmente: infecção e hemorragia, ou se houve real falha técnica do médico, apesar da conduta ter sido correta. O laudo pericial foi uma ferramenta utilizada como prova para elucidar as demandas em 100% dos casos analisados. E, na grande maioria, favoreceu o réu.

CONCLUSÃO: as cirurgias em regime de mutirão aumentam o risco de complicação, de infecção, de demandas judiciais e de condenações dos médicos e hospitais. As cirurgias com obrigação de fim (resultado) não são as mais demandadas ou condenadas judicialmente na oftalmologia. A prova pericial é fundamental para o esclarecimento dos casos e para se fazer justiça, sendo imprescindível para o esclarecimento de alguns casos, em especial, no que se refere a aplicação ou falhas de determinadas técnicas específicas. Descritores: responsabilidade civil, erro médico, cirurgia, oftalmologia


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