Artigo Original

A PERÍCIA MÉDICA COMO AUXILIAR DA JUSTIÇA EM PROCEDIMENTOS CÍVEIS, PENAIS E TRABALHISTAS

Como citar: JCD Elia. A perícia médica como auxiliar da justiça em procedimentos cíveis, penais e trabalhistas. Persp Med Legal Pericia Med. 2023; 8: e230929

https://dx.doi.org/10.47005/230929

Recebido em 05/09/2023
Aceito em 05/12/2023

Baixar PDF

Os autores informam não haver conflito de interesse.

THE MEDICAL EXPERTISE AS JUSTICE ASSISTANT IN CIVIL, CRIMINAL AND LABOR PROCEEDINGS

João Carlos D’ Elia (1)

https://lattes.cnpq.br/8906370284629350https://orcid.org/0009-0006-9565-8308

Membro da ABMLPM, sócio administrador da D’ Elia Consultoria e Serviços de Saúde Ltda. – Penápolis-SP

Email: deliaconsultorias@gmail.com

RESUMO

Introdução: Alguns Juízes e Tribunais têm a compreensão de que a perícia para avaliação do dano corporal pode ser feita por profissionais da área da saúde, não necessariamente médicos. O objeto do presente estudo é demonstrar que é condição necessária o conhecimento da Medicina para a correta avaliação do dano corporal e suas sequelas. Material e Método: A base metodológica foi a pesquisa da legislação federal e das Leis estaduais que regulamentam a perícia e o conhecimento necessário para a avaliação do dano corporal. Resultados: A avaliação do dano corporal só é possível com o domínio do conhecimento das doenças e suas manifestações, desde patologias pré-existentes, natureza da lesão com tipificação do instrumento ou meio que a produziu, terapias aplicadas, definição e quantificação de sequelas, possibilidade de recuperação com procedimentos complementares, portanto, da semiologia médica completa. Os ritos processuais, penal e previdenciário, já estabelecem que a Perícia para avaliação de lesão, do nexo causal e da incapacidade é de competência exclusiva do médico servidor público concursado (vistor oficial). O Código do Processo Civil e a legislação trabalhista não definem especificamente a perícia para avaliação do dano corporal. Discussão e Conclusão: A avaliação de dano corporal no âmbito da Justiça Civil e Trabalhista demanda o mesmo nível de conhecimento técnico e científico que as perícias realizadas no âmbito da Justiça Penal e Previdenciária, portanto, exige formação em Medicina, preferencialmente com especialização em Medicina Legal e Perícias Médicas.

Palavras-chave: dano corporal, perito médico, perícia médica, perícia trabalhista

ABSTRACT

Introduction: Some judges and courts understand that the expert evaluation for assessing bodily injury can be carried out by health professionals, not necessarily doctors. The object of the present study is to demonstrate that knowledge of medicine is a necessary condition for the correct assessment of bodily injury and its sequelae. Material and Method: The methodological basis was the research of federal legislation and state laws that regulate the expertise and knowledge necessary for the assessment of bodily injury. Results: The assessment of bodily damage is only possible with mastery of knowledge of diseases and their manifestations, from pre-existing pathologies, nature of the injury with typification of the instrument or means that produced it, applied therapies, definition and quantification of sequelae, possibility of recovery with complementary procedures, therefore, of complete medical semiology. The procedural, criminal and social security rites already establish that the expert evaluation to assess injury, causal link and disability is the exclusive responsibility of the public servant doctor (official inspector). The Civil Procedure Code and labor legislation do not specifically define the expertise for assessing bodily injury. Discussion and Conclusion: The assessment of bodily harm within the scope of Civil and Labor Justice demands the same level of technical and scientific knowledge as the expertise carried out within the scope of Criminal and Social Security Justice, therefore, it requires training in Medicine, preferably with a specialization in Legal Medicine and Medical Expertise.

Keywords: bodily injury, medical expert, medical expertise, labor expertise.

1. INTRODUÇÃO

Existe na legislação uma aparente lacuna na definição e abrangência da atividade pericial quando envolve a avaliação do dano corporal em processos cíveis que visam a reparação indenizatória com ou sem cobertura securitária e quando tramitam pela Justiça do Trabalho.

Juízes e Tribunais têm entendido que a avaliação do dano corporal e do nexo causal pode ser estabelecida por meio da análise anatômica e funcional do sistema musculoesquelético (movimentos e deformidades) e complementarmente pela avaliação sobre as condições em que o trabalho é exercido (em perícias da Justiça do Trabalho).

Por sua vez, os ritos processuais, penal e previdenciário são regulamentados pela legislação federal e por Leis estaduais com definição clara da competência exclusiva do médico servidor público concursado (vistor oficial) para estabelecer o dano corporal e graduar a incapacidade decorrente das lesões.

O presente estudo se propõe a estabelecer porque a perícia para a avaliação de DANO CORPORAL só pode ser realizada por profissional com formação em Medicina, independentemente do tipo de ação. Para tal, se propõe a definir conceitualmente a PERÍCIA MÉDICA e sua aplicabilidade em todo e qualquer rito processual.  

2. MATERIAL E MÉTODO

Tendo como referência a metodologia do trabalho científico (1) foi realizada uma pesquisa exploratória com leitura seletiva da legislação pátria sobre perícias em geral, sobre a estrutura e funcionamento dos institutos médico-legais e da perícia médica no âmbito da Previdência Social.

Por meio de pesquisa crítica foi analisada a legislação que define as competências do profissional em medicina na determinação qualitativa e quantitativa de deficiências apresentadas pelas pessoas, e/ou na avaliação de agentes que possam estar na sua origem e desenvolvimento. Foi realizada especificamente a análise da legislação sobre o Atestado Médico e suas implicações, pois possui repercussões correlatas às periciais em casos de doenças e danos corporais.

Pelo estudo dirigido da literatura científica sobre a avaliação do dano corporal decorrente de alguma causa objeto de ação judicial, são estabelecidos elementos essenciais para que todos os fatores que atuam na linha do tempo, desde condições pré-existentes até possibilidades de intervenções futuras visando a consolidação das lesões, sejam considerados na perícia.

O material bibliográfico foi coletado junto à legislação federal, Leis estaduais, normas do Ministério do Trabalho e Emprego, artigos e teses sobre a perícia médica.

3. RESULTADOS

3.1. ASPECTOS HISTÓRICOS

No Brasil, a primeira referência à perícia oficial se dá no campo do Direito em 1832 através do “Código de Processo Criminal” que estabelece a necessidade de realização de exames de corpo de delito para a formação da culpa, conforme os artigos 134-140 (2).

A regulamentação da atividade pericial como competência do profissional de medicina foi feita pela primeira vez ainda no Império, em 16 de abril de 1856 através do Decreto nº 1746 (3) que cria a Secretaria de Polícia da Corte com dois médicos efetivos e dois médicos consultantes.

“Art. 1º A Secretaria da Polícia da Côrte será composta:

      § 3º De dous Medicos Effectivos

             De dous Medicos Consultantes.

“Art. 8º A’ Secção Médica incumbe:

     Os corpos de delicto, e quaesquer exames medicos, necessarios para averiguação dos crimes e factos como taes suspeitos.”

Em 07 de abril de 1886 foi criada a primeira estrutura médica da polícia estadual pela Lei nº 18 (4) promulgada pelo presidente da província de São Paulo, que viria a se tornar no futuro, o Instituto Médico Legal (IML).

“LEI N. 18

Artigo 1.° – Fica o governo da provincia autorisado a despender, desde já, a quantia de trez contos e seis centos mil réis, (Réis 3:600$000) com o serviço medico policial da capital, sendo a mesma quantia repartida egualmente como gratificação mensal aos dois medicos encarregados desse serviço.”

Em 1933 é criado o Conselho Médico-Legal no Estado de São Paulo pelo Decreto 6.118 (5):

Art. 1.º – O Serviço Medico-legal do Estado, direta mente subordinado á chefia de Policia, compreende:

a) O Gabinete Medico-legal da Capital;

b) os postos Medico-legais Regionais

Artigo 2.° – Mediante requisição das autoridades judiciarias ou policiais do Estado, o Serviço Medico-legal procederá:

a) a exames de corpo de delito no vivo:

b) a exames no morto. precedidos ou não de exumação:

e) a exames de sanidade fisica.

§ unico – Os exames de sanidade mental serão feitos no Manicomio Judiciario:

Art. 4.° – O pessoal do Gabinete Medico-legal é composto de:

a) onze medicos legistas;

b) um medico legista anatomo- patologista;

c) um medico radiologista;

d) um medico legista toxicologista;

Art. 6.° – Os Posto Medicos-legais Regionais são tantos quantos as Delegacias Regionais de Policia, e junto a estas funcionam.

§ unico – Cada Posto terá como funcionario apenas um medico legista, exceto o de Santos, onde haverá dois.

Art. 7.° – O provimento de cargo de medico legista do Gabinete e dos Postos será feito mediante concurso.

Art. 11 – Na capital, a função de perito medico, perante a Policia, somente poderá ser exercida:

a) por medicos legistas do Gabinete Medico-legal:

b) pelo professor e pelos assistentes da Cadeira de medicina Legal da Faculdade de medicina e cirurgia de São Paulo:

c) pelo professor e pelos docentes livres de medicina Publica da Faculdade do Direito de São Paulo:

d)pelos psiquiatras de estabelecimentos oficiais.

Art. 12 – Na comarca da Capital,e naquelas em cuja séde houver Posto Medico – legal Regional,as pericias relativas a acidentes no trabalho serão, mediante requisição do juiz do feito,realizadas pelos medicos legistas, sem direito destes a remuneração.”

3.2. LEGISLAÇÃO FEDERAL

3.2.1. Constituição Federal (6)

  • Artigo 5º …
    • XIII: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
  • Artigo 21. Compete à União
    • XXIV: organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
  • Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
    • XVI: organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;
    • XXIII – seguridade social;
  • Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
    • XI – procedimentos em matéria processual;
    • XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
  • Artigo 40…
    • § 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:

I – por incapacidade permanente para o trabalho, no cargo em que estiver investido, quando insuscetível de readaptação, hipótese em que será obrigatória a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a concessão da aposentadoria, na forma de lei do respectivo ente federativo;

  • Artigo 201…
    • I – cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada;

3.2.2. Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (7)

  • Art. 168 – Será obrigatório o exame médico do empregado, por conta do empregador. (redação pela Lei 6.514/1977)

§ 1º – Por ocasião da admissão, o exame médico obrigatório compreenderá investigação clínica e, nas localidades em que houver, abreugrafia.

§ 2º – Em decorrência da investigação clínica ou da abreugrafia, outros exames complementares poderão ser exigidos, a critério médico, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado para a função que deva exercer.

§ 3º – O exame médico será renovado, de seis em seis meses, nas atividades e operações insalubres e, anualmente, nos demais casos. A abreugrafia será repetida a cada dois anos.

§ 4º – O mesmo exame médico de que trata o § 1º será obrigatório por ocasião da cessação do contrato de trabalho, nas atividades, a serem discriminadas pelo Ministério do Trabalho, desde que o último exame tenha sido realizado há mais de 90 (noventa) dias.

  • Art.195 – A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.
    • § 2º – Arguida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato em favor de grupo de associado, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho.

3.2.3. Código do Processo Civil (8)

  • Art. 156. § 3º. Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para a manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados.
  • Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
  • Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.
  • Art. 468. O perito pode ser substituído quando:

I – faltar-lhe conhecimento técnico ou científico;

II – sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado.

  • Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

I – a exposição do objeto da perícia;

II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;

III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

  • § 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.
    • § 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.
    • § 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.
  • Art. 475. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico.
  • Art. 478. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados, a cujos diretores o juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame.

3.2.4. Código do Processo Penal (9)

  • Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
    • VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
  • Art. 149.  Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
  • Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
  • Art. 159.  O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.          
  • Art. 162.  A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.
  • Art. 163.  Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.   
  • Art. 168.  Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.        
  • Art. 682.  O sentenciado a que sobrevier doença mental, verificada por perícia médica, será internado em manicômio judiciário, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado, onde Ihe seja assegurada a custódia. 

3.2.5. Lei 605/1949 – dispõe sobre o repouso semanal remunerado (10)

  • Art. 6º Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.
    • o   § 1º São motivos justificados:

a) os previstos no artigo 473 e seu parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho;

e) a falta ao serviço com fundamento na lei sobre acidente do trabalho;

f) a doença do empregado, devidamente comprovada.

  • § 2º A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.(Redação dada pela Lei nº 2.761, de 26.4.56)

3.2.6. Regime Geral da Previdência Social – Lei 8.213/91 (11)

  • Art. 42…
    • § 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
  • Art. 43…
    • § 1º Concluindo a perícia médica inicial pela existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho, a aposentadoria por invalidez será devida:
  • Art. 58…
    • § 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
  • Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
    • § 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias.
    • § 11.  O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária, será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso daquele que indeferiu o benefício.

3.2.7. Lei nº 13846/2019 (12):

  • Art. 30. Fica estruturada a carreira de Perito Médico Federal, no âmbito do quadro de pessoal do Ministério da Economia, composta dos cargos de nível superior de Perito Médico Federal, de provimento efetivo.
    • § 3º São atribuições essenciais e exclusivas dos cargos de Perito Médico Federal, de Perito Médico da Previdência Social e, supletivamente, de Supervisor Médico-Pericial da carreira de que trata a Lei nº 9.620, de 2 de abril de 1998, as atividades médico-periciais relacionadas com:     

I – o regime geral de previdência social e assistência social:    

a) a emissão de parecer conclusivo quanto à incapacidade laboral;   

b) a verificação, quando necessária à análise da procedência de benefícios previdenciários;  

c) a caracterização da invalidez;

d) a auditoria médica.   

V – o exame médico-pericial componente da avaliação biopsicossocial da deficiência de que trata o § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no âmbito federal, para fins previdenciários, assistenciais e tributários, observada a vigência estabelecida no parágrafo único do art. 39 da Lei resultante da Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019;    

3.2.8. Lei nº 10876/2004: cria a carreira de Perícia Médica da Previdência Social (13)

  • Art. 2º Compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico da Previdência Social…
    • I – emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários;
    • II – inspeção de ambientes de trabalho para fins previdenciários;
    • III – caracterização da invalidez para benefícios previdenciários e assistenciais; e
    • IV – execução das demais atividades definidas em regulamento.
      • Parágrafo único. Os Peritos Médicos da Previdência Social poderão requisitar exames complementares e pareceres especializados a serem realizados por terceiros contratados ou conveniados pelo INSS, quando necessários ao desempenho de suas atividades.

3.2.9. Lei do ato médico – Lei 12.842/2013 (14)

  • Art. 4º São atividades privativas do médico:
    • XII – realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;
    • XIII – atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas;

3.2.10. Portaria 3.214 – 1978 – Ministério do Trabalho (15)

“Aprova as Normas Regulamentadoras – NR – do Capítulo V, Título

II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas a Segurança e

Medicina do Trabalho”

NR 7 – PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO DE SAÚDE OCUPACIONAL – PCMSO

  • 7.4.1 Compete ao empregador:

c) indicar médico do trabalho responsável pelo PCMSO.

  • 7.5.2 Inexistindo médico do trabalho na localidade, a organização pode contratar médico de outra especialidade como responsável pelo PCMSO.
  • 7.5.6 O PCMSO deve incluir a realização obrigatória dos exames médicos:

a) admissional;

b) periódico;

c) de retorno ao trabalho;

d) de mudança de riscos ocupacionais;

e) demissional.

  • 7.5.19 Para cada exame clínico ocupacional realizado, o médico emitirá Atestado de Saúde Ocupacional – ASO, que deve ser comprovadamente disponibilizado ao empregado, devendo ser fornecido em meio físico quando solicitado.
  • 7.5.19.1 O ASO deve conter no mínimo:

e) definição de apto ou inapto para a função do empregado;

f) o nome e número de registro profissional do médico responsável pelo PCMSO, se houver;

g) data, número de registro profissional e assinatura do médico que realizou o exame clínico.

  • 7.5.19.2 A aptidão para trabalho em atividades específicas, quando assim definido em Normas Regulamentadoras e seus Anexos, deve ser consignada no ASO.
  • 7.5.19.5 Constatada ocorrência ou agravamento de doença relacionada ao trabalho ou alteração que revele disfunção orgânica por meio dos exames complementares do Quadro 2 do Anexo I, dos demais Anexos desta NR ou dos exames complementares incluídos com base no subitem 7.5.18 da presente NR, caberá à organização, após informada pelo médico responsável pelo PCMSO:

3.2.11. Portaria 397 – 2002 – Ministério do Trabalho e Emprego – CBO (16)

Definição das profissões:

  • 2251: médicos clínicos

Descrição Sumária:

Realizam consultas e atendimentos médicos; tratam pacientes e clientes; implementam ações de prevenção de doenças e promoção da saúde tanto individuais quanto coletivas; coordenam programas e serviços em saúde, efetuam perícias, auditorias e sindicâncias médicas; elaboram documentos e difundem conhecimentos da área médica.

  • 2251-06: médico legista

3.3. LEGISLAÇÕES ESTADUAIS

As polícias científicas são órgãos da administração pública presentes em grande parte dos estados brasileiros. A função da polícia científica é, de modo geral, coordenar as atividades dos institutos de criminalística, dos institutos médico-legais e, na maioria das vezes, do instituto de identificação da unidade da federação da qual faz parte.

As polícias científicas estão subordinadas diretamente às secretarias de segurança pública ou órgãos equivalentes — salvo em alguns estados onde permanecem como integrantes da estrutura da Polícia Civil —, trabalhando em estreita cooperação com as polícias civil e militar. São dirigidas por chefes de polícia científica, cargo privativo de peritos oficiais com autoridade científica em determinada área, denominados peritos criminais, peritos papiloscopistas, peritos odonto-legistas ou peritos médico-legais.

A polícia científica é especializada em produzir a prova técnica (ou prova pericial), por meio da análise científica de vestígios produzidos e deixados durante a prática de delitos. Ela também edita normas, ações conjuntas e implementa políticas de atendimento à população.

Compete às polícias científicas, essencialmente:

  • A realização das perícias médico-legais e criminalísticas;
  • Os serviços de identificação;
  • O desenvolvimento de estudos e pesquisas em sua área de atuação.

Antes da criação das polícias científicas (com data variando em cada estado), as perícias criminais ficavam a cargo das polícias civis, razão pela qual determinados estados da federação ainda possuem seus departamentos técnico-científicos vinculados às suas respectivas polícias judiciárias.

O instituto médico-legal (IML) é responsável pelas perícias em seres humanos, vivos ou mortos. Realiza perícias médico-legais e odontológicas requisitadas pelas autoridades policiais, judiciárias, administrativas ou Órgãos do Ministério Público. Desenvolve pesquisas científicas relacionadas com a medicina legal e realiza cursos/palestras para a sociedade civil, acadêmica e instituições governamentais. Possui as áreas de perícias no vivo, no morto e de laboratório.

Os institutos médico-legais (IMLs) estão presentes em todos os estados brasileiros e somam mais de 381 unidades: 35 em capitais, 29 em regiões metropolitanas e 317 no interior.

“O IML é o órgão oficial que realiza necropsias em casos de morte por causas externas, ou seja, que decorrem de lesão provocada por violência (homicídio, suicídio, acidente ou morte suspeita) e também de envolvidos em ocorrências da Polícia Civil. Seus serviços são fundamentais para a proteção dos direitos humanos e para o fortalecimento do arcabouço probatório e a consequente redução da impunidade”.

Lista por unidade da Federação:

  • Acre: departamento de polícia técnica e científica
  • Alagoas: perícia oficial do Estado de Alagoas
  • Amazonas: departamento de polícia técnico científica
  • Bahia: departamento de polícia técnica
  • Distrito Federal: departamento de polícia técnica
  • Espírito Santo: superintendência de polícia técnico-científica
  • Goiás: superintendência de polícia técnico-científica
  • Maranhão: superintendência de polícia técnico-científica
  • Mato Grosso: diretoria geral de perícia oficial e identificação técnica
  • Mato Grosso do Sul: coordenadoria geral de perícias
  • Minas Gerais: superintendência de polícia técnico-científica
  • Pará: centro de perícias científicas Renato Chaves
  • Paraíba: Instituto de polícia científica
  • Paraná: polícia científica
  • Pernambuco: gerência geral da polícia científica
  • Piauí: departamento de polícia técnico-científica
  • Rio de Janeiro: departamento geral de polícia técnico-científica
  • Rio Grande do Norte: instituto técnico-científico de perícia
  • Rio Grande do Sul: instituto geral de perícias
  • Rondônia: polícia técnico-científica
  • Roraima: polícia científica
  • Santa Catarina: polícia científica
  • São Paulo: superintendência da polícia técnico-científica
  • Sergipe: coordenadoria geral de perícias
  • Tocantins: superintendência da polícia técnico-científica

3.4. LEGISLAÇÃO EM PORTUGAL E OUTROS PAÍSES EUROPEUS

A medicina legal é uma especialidade concomitantemente médica e jurídica que utiliza conhecimentos técnico-científicos da medicina para o esclarecimento de fatos de interesse da justiça. O especialista médico praticante é denominado médico legista.

A busca da harmonização de várias legislações na Comunidade Europeia permitiu no âmbito da avaliação do dano corporal o conhecimento das peculiaridades de cada país no trato das lesões e na sua valoração para fins penais e indenizatórios.

Desta forma, em novembro de 1988 (17) foi realizado em Paris um colóquio para a avaliação do dano corporal nos países da comunidade europeia, onde foram constatadas as seguintes características:

  • Na França e Bélgica a avaliação do dano corporal no âmbito da reparação civil é feita por médicos com formação especializada em medicina legal;
  • Na Inglaterra e Irlanda, a função é exercida por médicos “lato senso”, sendo empiricamente selecionados pelos juízes os que melhor atendem às necessidades da Justiça;
  • Na Alemanha, Holanda e Dinamarca, qualquer médico pode ser requisitado para cumprir o papel de avaliar o dano corporal;
  • Na Itália, Espanha, Portugal, Grécia e Luxemburgo, mesmo não existindo a especialidade médica em medicina legal, a metodologia para tal prática é doutrinariamente estabelecida e os médicos são escolhidos para o mister tendo em vista sua notória especialização.

“As perícias de avaliação do dano corporal são realizadas por médicos peritos em gabinetes médicos, seguindo as normas em vigor no INMLCF e tendo em consideração as tabelas de avaliação do dano corporal publicadas em Diário da República.

Estas perícias são feitas nos Serviços de Clínica e Patologia Forense das Delegações de Lisboa, Porto e Coimbra ou nos 27 Gabinetes Médico-Legais e Forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF).” (18)

Tais informações colhidas do colóquio de Paris permitem constatar que na comunidade europeia não existe divergência quanto à obrigatoriedade de formação em medicina para avaliar dano corporal, buscando-se o consenso para definir a capacitação dos médicos em perícias judiciais para melhor atenderem às demandas da Justiça.

“Portanto, ser médico clínico ou ser médico perito são posturas, são posicionamentos totalmente diferentes, sendo necessário a quem faz atividade médica pericial que saiba efetivamente desenvolvê-la.

Portanto, não podemos continuar a ter médicos que servem para tudo, que são especialmente clínicos, mas que também oferecem atividade pericial. Porque, seguramente, se ninguém há de se pôr nas mãos deste clínico que vem, num dia positivo, portanto, não podemos nos pôr nas mãos de qualquer médico quando queremos ser periciados; devemos querer alguém que verdadeiramente tenha essa formação.

Impõe-se, de fato, uma formação adequada e é isso que a União Europeia está tentando promover: médicos que tenham competência, que não é o mesmo que improvisação; que sejam rigorosos, que não é o mesmo que severidade; e que sejam objetivos, que, obviamente, não é o mesmo que inflexibilidade. É por isso que este documento, que foi aprovado e que tenta harmonizar essas questões para o futuro, estabelece que, futuramente, no âmbito dos países da União Europeia, só os médicos – de qualquer especialidade – que sejam titulares de um diploma universitário, que os capacite e os reconheçam como médicos capazes para trabalhar na perícia, é que poderão continuar a avaliar danos corporais – pelo menos, para os tribunais.

Privativamente, cada um vai aonde quer, mas os tribunais só aceitarão avaliações de danos dos médicos que tenham diploma universitário que os reconheçam como tendo sido treinados, com uma formação específica na atividade pericial, independentemente da especialidade que tenham. Notem que isso não é novo no âmbito da União Europeia. Na França, há mais de 35 anos que nenhum tribunal aceita uma avaliação de danos corporais que não seja feita por um médico que tenha um diploma universitário, que o capacite e o reconheça como perito com preparação especializada. Em Portugal, há muito tempo fazemos isso. Começamos com os cursos de avaliação do dano corporal no final dos anos 1980, com o professor Oliveira Sá, que foi o meu mestre. (18)”

4. DISCUSSÃO

A prova pericial é compreendida na sua forma mais simples como o recurso usado pelo julgador para a análise dos fatos atinentes à lide através do auxílio de um expert de sua confiança que reproduza de forma objetiva e imparcial a verdade objetiva de uma condição que exija conhecimento técnico.

Neste sentido, equivaleria a um testemunho sobre um determinado elemento que deva ser objeto de análise pelo juiz no exercício da magistratura para o julgamento de uma lide. Seria uma reprodução fotográfica de uma prova, passível de reanálise, sem nenhuma informação complementar que possa contribuir para a compreensão dos fatores que poderiam ter atuado desde a origem do elemento analisado até as possíveis consequências futuras.

Conforme o tipo de prova pericial buscada pelo juízo, a análise básica do elemento probatório, com dados objetivos e descritivos, já contempla a informação necessária para o julgamento da lide.

Por outro lado, determinadas provas periciais demandam ao expert informações complementares, sem as quais, o julgamento da lide fica prejudicado pela ausência de referência às múltiplas possibilidades que atuam na origem, consolidação e repercussões do elemento de análise.

Nestes casos, a função pericial transcende à reprodução fotográfica da prova e adentra a profundidade de todo o conhecimento científico e técnico para informar e descrever ao juízo todos os elementos que de alguma forma interferiram na condição constatada e documentada quando da análise objetiva.

“A partir do momento em que o perito emite juízo de valor sobre os fatos, externando sua impressão sobre a possibilidade de terem sido originados por outros acontecimentos ou autores, e, eventualmente de virem a produzir outros efeitos, ele acaba por considerar não só a realidade dos fatos, estática e imutável, mas passa a trabalhar com probabilidades, baseadas nos princípios do expert, adquiridos por meio de sua experiência.” (19)

É o caso do exame de corpo de delito para constatar as lesões corporais, conforme se constata em todas as legislações europeias, latino-americanas e na legislação pátria federal e dos Estados.

Conforme levantamento feito, em todos os Estados da Federação cabe ao médico legista (contratado por concurso público) a realização das perícias decorrentes de inquéritos policiais e de ritos processuais penais em que exista a ocorrência de algum dano corporal ou psíquico à vítima.

Da mesma forma, com relação à Previdência Social as perícias são de competência dos médicos peritos admitidos por concurso público que atuam na avaliação dos segurados para estabelecer os diagnósticos e graduar a incapacidade com o objetivo de deferir a concessão de benefícios previdenciários.

Para justificar a ausência em atividades laborais públicas ou privadas são legalmente reconhecidos atestados fornecidos por médicos e odontólogos (estes, na especificidade dos procedimentos da atividade profissional).

Na CLT consta que a avaliação dos riscos ambientais que podem determinar insalubridade e periculosidade é feita por médicos do trabalho e engenheiros do trabalho.

As Normas Regulamentadoras sobre segurança e medicina do trabalho estabelecem a competência exclusiva do Médico para atestar a saúde, a doença, a aptidão e inaptidão para o trabalho.

Pela CBO (classificação brasileira de ocupações) existe na descrição da profissão do médico, entre outras atribuições, a de realizar perícias.

A Lei 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico, define que “é atividade privativa do médico a realização de perícia médica e exames médico-legais”, com exceção de exames de caráter complementar (laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular (inciso XII, Artigo 4º). Já o exercício profissional da odontologia é regulado pela Lei 5.081/1966, que determina que “compete ao cirurgião-dentista proceder à perícia odontolegal em foro civil, criminal, trabalhista e em sede administrativa” (inciso IV, Artigo 6º). Estas duas profissões são as únicas da área da saúde que possuem legislação própria definindo o exercício profissional na atividade pericial administrativa e judicial.

Por sua vez, o Código do Processo Civil define genericamente a atividade pericial como sendo auxiliar da Justiça e a prerrogativa do Juiz em nomear o perito de sua confiança, que tenha expertise na área técnica ou científica a ser elucidada, como previsto no Artigo 465.

Através da história foram sendo apresentadas várias definições sobre Medicina Legal (20), sempre no sentido da necessidade do mais amplo conhecimento médico a serviço da Justiça:

  • “É a contribuição da medicina e da tecnologia e ciências afins às questões do Direito, na elaboração das leis, na administração judiciária e na consolidação da doutrina” (Genival Veloso de França)
  • “É o ramo da medicina que reúne todos os conhecimentos médico que podem ajudar a administração da Justiça” (Vargas Alvarado)
  • “É uma disciplina que utiliza a totalidade das ciências médicas para dar respostas a questões judiciais” (Bonnet)
  • “É a aplicação dos conhecimentos médicos aos problemas judiciais” (Ambroise Paré);
  • “Arte de pôr os conceitos médicos a serviço da administração da Justiça” (Lacassagne)

A perícia para a avaliação do dano corporal é requisitada em processos cujas alegações das partes são documentadas por relatórios, atestados, prontuários de internações, de ambulatórios e consultórios médicos.

A discussão pericial exige a análise de todas as comorbidades pré-existentes, o detalhamento da etiopatogenia e dos procedimentos terapêuticos aplicáveis às doenças e danos decorrentes de lesões, o que demanda o conhecimento médico, pois não pode ser limitada à descrição fotográfica de uma condição física e mental do periciando.

O dano corporal deve ser compreendido na linha do tempo como todo o sofrimento sentido pela vítima, desde a lesão inicial até sua consolidação, o que passa necessariamente pela compreensão do “quantum doloris”, dos períodos temporários de incapacidade total e parcial, assim como as sequelas definitivas e suas repercussões na capacidade de trabalho, para os atos da vida civil, para suas relações afetivas e sociais.

Da mesma forma, há necessidade de estabelecer o NEXO CAUSAL considerando a condição da vítima antes de ter sido objeto da lesão (comorbidades), o elemento que causou a lesão, a forma e condições ambientais em que se produziu, a terapia utilizada (compatível ou não com condutas protocolares), fatores que interferiram nos procedimentos médicos adotados e seus efeitos no resultado, assim como sobre possibilidades de terapias complementares.

“A existência do nexo causal entre traumatismo e dano é um pressuposto óbvio do ressarcimento do dano e, portanto, da sua valoração médico-legal”.

“A teoria da causalidade adequada é aquela dominantemente aceita na doutrina jurídica portuguesa. Visa excluir o nexo de causalidade quando os danos resultam de desvios fortuitos, quando ocorreu uma evolução extraordinária, imprevisível, improvável e anormal.” (17)

São sete as condições clássicas para se estabelecer o nexo de causalidade entre o trauma e o dano, conforme Muller e Cordonnier (1925) posteriormente consolidados por Simonin (21) que se utilizam até a atualidade (22), com pequenas adaptações feitas por outros autores (Franchini, Penteado):

  • Natureza adequada do traumatismo para produzir as lesões evidenciadas
  • Natureza adequada das lesões a uma etiologia traumática
  • Adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão
  • Encadeamento anátomo-clínico
  • Adequação temporal
  • Exclusão da pré-existência do dano relativamente ao traumatismo
  • Exclusão de uma causa estranha ao traumatismo

Para exemplificar, cita-se o seguinte caso fictício de dano corporal com finalidade indenizatória envolvendo ações no âmbito trabalhista, criminal, previdenciário e securitário:

“A.B., sexo masculino, 45 anos de idade, trabalha em empresa metalúrgica há 10 anos como soldador. Possui seguro de acidentes pessoais por parte da empresa, está devidamente registrado com contribuições regulares à Previdência Social.

Em 20 de dezembro de 2019, durante o trabalho, teve uma discussão com seu chefe imediato, que o empurrou, vindo a cair de altura de dois metros, com ferimento superficial em dorso do pé direito.

Levado ao pronto socorro local, foi atendido, realizados exames de raios X, feita sutura e liberado para residência, com atestado para afastamento do trabalho por 15 dias.

Evoluiu com infecção, foi internado após cinco dias e depois de vários procedimentos cirúrgicos foi submetido à amputação de membro inferior direito acima do joelho.

Continuou afastado até junho de 2021, quando após colocação de prótese e processo de reabilitação, foi remanejado para uma função administrativa na mesma empresa no controle e análise da qualidade da soldagem na fabricação dos produtos.

Entrou com ações contra a Previdência requerendo Auxílio-acidente e/ou aposentadoria; contra a seguradora requerendo o seguro devido pela incapacidade parcial e permanente decorrente de acidente pessoal; contra o seu chefe agressor criminalmente pela lesão; contra a empresa requerendo indenização por danos materiais, morais e estéticos.

Foi solicitada a perícia em todos os processos.”

Em termos descritivos objetivos, a perícia constata AMPUTAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR DIREITO ACIMA DO JOELHO e todas as consequências decorrentes do prejuízo funcional para os atos da vida civil, para o trabalho e repercussões sociais em geral.

Tal informação oferecida ao julgador é objetiva e corresponde à realidade da condição do periciando, porém, para estabelecer a responsabilidade pelo dano, ficam lacunas que só podem ser preenchidas pelo profissional de medicina considerando a integralidade de sua formação o que o torna capacitado para analisar todos os elementos que participam da etiopatogenia da doença e as particularidades dos procedimentos terapêuticos e possíveis complicações.

Apenas o profissional de medicina possui a formação integral que o torna apto para realizar a análise pericial que contemple considerar:

  • Condições clínicas pré-existentes: o periciando pode ser portador de diabetes, doença arterial obstrutiva crônica, deficiência imunológica adquirida ou congênita, neuropatia de diferentes etiologias, condições estas que foram determinantes para a evolução de um ferimento até a amputação;
  • Condições ambientais em que ocorreu a lesão: o ferimento pode ter ocorrido em ambiente contaminado por material biológico ou químico, que causaram agravamento da lesão; agentes físicos podem ter influenciado no comprometimento tecidual lesionado (calor, umidade, frio);
  • Análise de todos os exames de saúde ocupacional a que o periciando foi submetido, dos documentos médicos juntados aos autos, dos exames e prontuários com os respectivos procedimentos descritos;
  • Condições e forma do tratamento instituído: atendimento inicial pode ter sido retardado com sutura após 8hs do ferimento; limpeza da ferida inadequada quando da sutura; material e local de atendimento com relação à assepsia;
  • Cuidados com a ferida até a cicatrização: curativos, avaliações médicas;
  • Atendimento quando identificada a complicação por infecção ou necrose: desbridamento, antibioticoterapia, cuidados com manutenção da vascularização dos tecidos;
  • Procedimentos cirúrgicos subsequentes após internação e os motivos que levaram à amputação: presença de alguma inadequação ou ineficácia da terapia; complicações relacionadas a outras comorbidades;
  • Procedimento cirúrgico de amputação: nível adequado para protetização; cicatrização do coto; neuromas; apoio adequado para a prótese;
  • Indicação de prótese: tipos e funcionalidades;
  • Reabilitação profissional: avaliação da condição sequelar e capacidade funcional;
  • Possibilidade de novos procedimentos para ampliar a capacidade laborativa e para a vida civil.

O conhecimento médico da fisiopatologia e das comorbidades, assim como a análise de todos os documentos relacionados aos procedimentos médicos realizados para o tratamento da lesão inicial e de suas complicações, são ESSENCIAIS para esclarecer o NEXO CAUSAL e SUBSIDIAR o juízo na valoração do dano e indenização pecuniária.

Em sendo comprovada pela perícia médica a participação de outros fatores além do trauma inicial que causaram a evolução para a amputação, fica descaracterizado o nexo causal para finalidade securitária, assim como minimizada a penalidade criminal ao autor e a penalidade cível ao empregador.

Com relação à Previdência Social, tais elementos que atuaram na evolução além do trauma, não têm nenhuma influência na determinação da origem acidentária e nem nos benefícios decorrentes da incapacidade.

Todos os elementos citados e que podem ter alguma participação no estabelecimento do NEXO CAUSAL, assim como na evolução para o resultado consolidado das lesões, dependem necessariamente do conhecimento das doenças, sua fisiopatologia, das terapias, dos protocolos clínicos e de atendimento de urgência, assim como das possibilidades de recuperação da funcionalidade através de procedimentos complementares. Neste sentido, a perícia para avaliação do DANO CORPORAL em processos criminais, cíveis, securitários, previdenciários ou trabalhistas, só pode ser realizada por profissional de medicina, preferencialmente com especialização em Medicina Legal e Perícias Médicas.

As perícias em ambiente de trabalho: insalubridade, periculosidade, análise ergonômica, investigação de acidente, podem ser realizadas por profissionais NÃO MÉDICOS e suas conclusões podem subsidiar a perícia médica conforme a avaliação global de responsabilidade do vistor médico.

5. CONCLUSÃO

A avaliação do dano corporal quando necessária para definir responsabilidades e respectivas indenizações administrativas ou judiciais, demanda, além da descrição da condição consolidada pelas sequelas, a análise de todos os documentos médicos e hospitalares juntados, a etiopatogenia da lesão e do processo de cura, que considere lesões ou comorbidades pré-existentes, terapias médicas realizadas, evolução, complicações e possibilidade de reparação através de novos procedimentos.

Tais características inerentes à avaliação do dano corporal com a finalidade de estabelecer direitos, torna obrigatória a realização de perícia por profissional de medicina, preferencialmente com especialização em Medicina Legal e Perícias Médicas.


Referências bibliográficas

  1. Lakatos EM, Marconi MA. Fundamentos de metodologia científica. 5 ed. São Paulo: Atlas 2003.
  2. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-29-11-1832.htm
  3. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1746-16-abril-1856-571195-publicacaooriginal-94291-pe.html
  4. https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1886/lei-18-07.04.1886.html
  5. https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1933/decreto-6118-17.10.1933.html
  6. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  7. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
  8. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
  9. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm
  10. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm
  11. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm
  12. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13846.htm
  13. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/L10.876compilado.htm
  14. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12842.htm
  15. https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/normas-regulamentadora
  16. https://portalfat.mte.gov.br/programas-e-acoes-2/classificacao-brasileira-de-ocupacoes/
  17. Sá FO. Clínica médico-legal na reparação do dano corporal em Direito Civil – APADAC- Coimbra -Pt -julho de 1992
  18. Pereira, Daniel de Menezes – Aspectos históricos e atuais da perícia médico legal e suas possibilidades de evolução – tese de mestrado junto à faculdade de Direito da USP – 2013
  19. https://justica.gov.pt/Servicos/Pedir-avaliacao-do-dano-corporal
  20. França, Genival Veloso – Medicina Legal – 6ª. Edição 2001- ed. Guanabara Koogan S/A. págs. 2,3
  21. Simonin, C; Medicine Legale Judiciaire – 2ed. Paris: 1947 – Librairie Maloine
  22. Bouchardet, Fernanda c. Horta e Santos, Weliton Barbosa – Avaliação do dano corporal no âmbito civil e do trabalho – B. H., Coopmed- 2015