Os autores informam que não há conflito de interesse.
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO EM AÇÕES SOBRE A LIBERAÇÃO DO USO DO VEDOLIZUMABE NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL
Leonardo Cao Cambra de Almeida1; Silvia Regina Bottini Natal1; Alfredo Coluccini Neto1; Giuliana Raucci Negrete2; Daniele Muñoz2; Daniel Muñoz3.
(1) Pós-graduando em Medicina Legal e Perícias Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; (2) Professor do Curso de Medicina Legal e Perícias Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; (3) Professor Coordenador do Curso de Medicina Legal e Perícias Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Introdução/Fundamentos
A doença inflamatória intestinal (DII) caracteriza-se por uma inflamação crônica em diversos segmentos do trato gastrointestinal, resultando em diarreia e dor abdominal. Afeta pessoas de todas as idades, mas geralmente começa antes dos 30 anos, com pico de incidência dos 14 aos 24 anos. A doença pode ainda apresentar outro pico menor aos 50 e 70 anos de idade. Estima-se que 1 em cada 200 pessoas são acometidas por doença inflamatória intestinal em países desenvolvidos1. No Brasil, a prevalência da doença alcança cerca de 100 casos para cada 100 mil habitantes no sistema público de saúde e aumentou 14,8% em 9 anos. Segundo a Sociedade Brasileira de Coloproctologia, a doença inflamatória intestinal atinge mais de 5 milhões de pessoas em todo o mundo e não têm cura2. O prognóstico é variável de acordo com o do tipo de doença (doença de Crohn ou colite ulcerativa), da extensão, da resposta ao tratamento e das complicações associadas. O manejo adequado da doença pode melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e reduzir o risco de complicações. O tratamento também varia de acordo com a localização, extensão e atividade da doença. O uso de corticosteroides orais ou mesalazina está indicado para os casos mais leves. Casos moderados a graves (cerca de 39% dos casos) devem ser tratados com prednisona em altas doses (1 mg/kg/d) com taxa de resposta de 80-90%. A azatioprina também pode ser associada, especialmente em pacientes com recorrência dos sintomas. Como alternativas, podem ser usados alopurinol ou metotrexate. Os casos mais graves, que não responderam ao corticoide, à associação azatioprina com alopurinol, ao metotrexate, ou que tenham apresentado contraindicação ou intolerância à essas medicações, podem necessitar de tratamento com medicamentos biológicos anti-TNF alfa (infliximabe ou adalimumabe) e anticorpos monoclonais anti-integrinas como o vedolizumabe3. Estima-se que 25 a 40% dos pacientes tem contraindicação ou resposta inadequada com esta linha de tratamento. O vedolizumabe é uma droga do grupo das anti-integrinas, um anticorpo monoclonal humanizado IgG1 específico para o heterodímero ?4?7. A integrina ?4?7é expressa nos linfócitos que colonizam os tecidos linfoides no intestino e interage com a molécula de adesão endotelina da mucosa (MAdCAM-1), e sua expressão está aumentada na doença inflamatória intestinal. A posologia recomendada do vedolizumabe é de 300mg endovenoso, a ser administrado na primeira, segunda e sexta semana e, a partir daí, a cada oito semanas conforme a resposta terapêutica, ao custo médio estimado de R$ 20.000,00 a dose.
Objetivos
O objetivo do presente estudo foi analisar o perfil das decisões judiciais em âmbito cível dos acórdãos relacionadas à obrigação de fazer (obligatio faciendi) em relação ao custeio do tratamento com vedolizumabe na doença inflamatória intestinal, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo TJSP, no ano de 20234.
Métodos
Foi realizado um levantamento dos acórdãos relacionados ao uso da medicação vedolizumabe em pacientes portadores de doença inflamatória intestinal, por meio de pesquisa no instrumento de busca do site de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do) com o termo vedolizumabe O acesso foi realizado em 09/06/2024. O período pesquisado foi de 01/01/2023 a 31/12/2023. Foram selecionados os campos acórdãos e 2º grau.
Resultados/Discussão
Foram analisados 63 acórdãos no período selecionado. O órgão colegiado foi favorável ao custeio ou fornecimento do vedolizumabe em todos os 63 processos (100%). Dentre o polo passivo, 43 processos (68%) envolviam entes públicos (Fazenda Pública do Estado de São Paulo ou Municípios) e 20 processos (32%) estavam relacionados com o setor privado (operadoras de saúde).
Existem pareceres divergentes quanto à liberação do vedolizumabe. Em 2019 foi aberta uma consulta pública sobre a incorporação do vedolizumabe ao SUS5, que foi incluído na última publicação da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) de 20226, ainda que com parecer controverso por parte da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC)7. O medicamento tem parecer técnico-científico do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS)1, cuja conclusão foi de que: (1) o uso do vedolizumabe está indicado na doença grave a moderada, em pacientes que não tenham tolerado ou tenham contra-indicação ao uso de agentes anti-TNF (força da recomendação: forte); (2) para o subgrupo de pacientes que não responderam a outras modalidades de tratamento, vedolizumabe é uma opção para tratamento da doença grave a moderada (força de recomendação: fraca). A resolução normativa da ANS nº 591 de 2023 determina a cobertura obrigatória do vedolizumabe para o tratamento da Colite/Retocolite Ulcerativa Moderada a Grave como terapia de indução e manutenção, após falha, refratariedade, recidiva ou intolerância à terapia sistêmica convencional8.
Nas ações em que se solicita o acesso à medicamentos não incluídos nas políticas públicas, mas que encontram-se devidamente registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu teses a respeito de qual ente federativo deveria responder ação9. Em face da responsabilidade solidária dos entes federativos na prestação da saúde, o entendimento do órgão colegiado foi de que deveria prevalecer a competência do juízo, de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar. Não deveriam, portanto, serem invocadas as regras de repartição da competência administrativa, com a finalidade de alteração ou ampliação do polo passivo.
Em todos os acórdãos analisados o órgão colegiado determinou que deveria prevalecer a competência do juízo, de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar, em consonância com o entendimento do STJ.
Conclusões/Considerações Finais
A análise dos acórdãos no TJSP no período selecionado demonstrou que o órgão colegiado foi favorável ao custeio do tratamento com vedolizumabe, negando as apelações por parte do governo ou das operadoras de saúde. O impacto financeiro foi maior no setor público, que representou 68% das ações.
Referências bibliográficas
- CENTRO COCHRANE DO BRASIL (São Paulo). Conselho Nacional de Justiça (org.). Vedolizumabe para Doença de Crohn: Parecer Técnico-Científico. São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.pje.jus.br/e-natjus/arquivo-download.php?hash=403d00cb822a8036a9c08cead8a105483e53ddd5. Acesso em: 09 jun. 2024.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE COLOPROCTOLOGIA (Brasil). Maio Roxo: estudo aponta que prevalência de doenças inflamatórias intestinais no Brasil aumentou 15% ao ano em 9 anos. 2024. Disponível em: https://sbcp.org.br/noticias/maio-roxo-estudo-aponta-que-prevalencia-de-doencas-inflamatorias-intestinais-no-brasil-aumentou-15-ao-ano-em-9-anos/. Acesso em: 09 jun. 2024.
- MINISTÉRIO DA SAÚDE (org.). Vedolizumabe no tratamento de pacientes com doença de Crohn ativa moderada-grave. Brasília: Editora Ms, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2022/20220603_relatorio_medicamento_vedolizumabe_cp_39.pdf. Acesso em: 09 jun. 2024.
- SÃO PAULO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Consulta completa: consultas de jurisprudência. E-SAJ Portal de Serviços. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1. Acesso em: 09 jun. 2024.
- BRASÍLIA. COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SUS (CONITEC). Aberta Consulta Pública sobre inclusão de medicamento para Doença de Crohn. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/noticias/2019/marco/aberta-consulta-publica-sobre-inclusao-de-medicamento-para-doenca-de-crohn. Acesso em: 09 jun. 2024.
- BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Brasília: Editora MS, 2022. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relacao_nacional_medicamentos_2022.pdf. Acesso em: 09 jun. 2024.
- COORDENAÇÃO DE AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DE TECNOLOGIAS. RELATÓRIO N° 450: Vedolizumabe (Entyvio®) para Doença de Crohn. Brasília: Ms, 2019. Disponível em: http://antigo-conitec.saude.gov.br/images/Relatorios/2019/Relatorio_Vedolizumabe_Crohn.pdf. Acesso em: 09 jun. 2024.
- RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS N° 591, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2023. Diário Oficial da União, 08 dez. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-da-sociedade/consultas-publicas/consultas-publicas-encerradas/RN_591.pdf. Acesso em: 09 jun. 2024.
- BRASÍLIA. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Seção fixa teses sobre legitimidade e competência em ações com pedido de medicamento. 2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/28042023-Primeira-Secao-fixa-teses-sobre-legitimidade-e-competencia-em-acoes-com-pedido-de-medicamento.aspx. Acesso em: 09 jun. 2024.