Os autores informam que não há conflito de interesse.
Ivan Dieb Miziara (1)
(https://orcid.org/0000-0001-7180-8873 – http://lattes.cnpq.br/3120760745952876
João Carlos D’Elia (2)
https://orcid.org/0009-0006-9565-8308 – https://lattes.cnpq.br/8906370284629350 –
José Jozefran Berto Freire (3)
https://orcid.org/0000-0003-1817-9427 – http://lattes.cnpq.br/5765442081508009
Marcos Antônio Alvarez (4)
https://orcid.org/0009-0003-7428-2709 – http://lattes.cnpq.br/5618325567840219 –
Nei Campelo Cabral (5)
http://lattes.cnpq.br/2079053156832845
Osvaldo Sergio Ortega (6)
https://orcid.org/0000-0003-3412-0943 – http://lattes.cnpq.br/7512224883809621
(1) Universidade de São Paulo (USP), São Paulo-SP, Brasil;
(2) Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SCMSP), São Paulo-SP, Brasil;
(3) Universidade de Pernambuco (UPE), Recife-PE, Brasil;
(4) Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto-SP, Brasil;
(5) Faculdade de Medicina de Campos (FMC),Campos dos Goytacazes-RJ , Brasil;
(6) Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), São Paulo-SP, Brasil.
1. INTRODUÇÃO
As orientações fornecidas por esta Diretriz devem ser avaliadas criticamente pelo Médico Perito nomeado, para que sua aplicação seja adequada a cada caso concreto conforme suas particularidades, respeitando sua autonomia profissional, princípio fundamental para o exercício da Medicina (CEM – princípio VIII1).
Para a apresentação processual do ato médico pericial usa-se obrigatoriamente um documento que expressa o agir procedimental do Médico Perito, ou seja, o Laudo Médico Pericial, que é a forma de demonstrar nos autos a prova científica solicitada pelo julgador.
2. OBJETIVO
Esta diretriz tem o objetivo de tornar explícita de forma clara e concisa as etapas para a construção do Laudo Médico Pericial, considerando as características das ações que são processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho.
3. MÉTODO
O método, aqui entendido como via, caminho na busca de algo, no presente trabalho, foi desenvolvido na vertente quantitativa e qualitativa segundo Sampieri2 et al (2006). Vertente esta que contempla a ideia inicial definindo a área a trabalhar, a seleção do ambiente de aplicação, a devida observação e reflexão sobre os elementos que compõem o referido documento ao longo do eixo do tempo, a elaboração dos relatórios e a visão conceitual.
Este protocolo parte da constatação de que o Laudo Médico Pericial se constitui na prova científica essencial para subsidiar ações indenizatórias decorrentes de danos à saúde. Daí a necessidade desta abordagem, que visa sistematizar e sintetizar o como e o porquê da demonstração da prova científica através do documento médico-pericial (Laudo), assim como estabelecer claramente os seus conceitos principais.
As etapas são as seguintes inspiradas nos Analíticos Posteriores de Aristóteles, portanto, na Lógica: Ter conhecimento concreto dos fatos contidos na demanda → Definir o problema a ser analisado→ Refletir sobre os estudos e pesquisas teóricas e práticas existentes que se apliquem ao caso concreto→ gerar conjecturas e hipóteses fundadas na Lógica→ Analisar os resultados → Concluir de forma objetiva de tal forma que se possa afirmar ou negar pela sua logicidade da existência ou não do que foi demandado.
4. LAUDO MÉDICO PERICIAL
4.1. CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE
Na construção de Diretrizes e protocolos há a necessidade de definir critérios de elegibilidade, enquanto conjunto de informações, elementos básicos e condições para que determinado propósito seja alcançável, portanto, daquilo que se pode eleger, escolher.
Para que se possa atender aos critérios específicos no desenvolvimento desta Diretriz é necessário observar: a necessidade do Laudo Médico Pericial enquanto instrumento que demonstra a prova científica; a necessidade de se apresentar com linguagem coesa, consistente e simples para gerar o entendimento dos operadores do Direito envolvidos com o processo.
O Laudo Médico Pericial é o documento que demonstra o resultado de todo o ato médico conduzido pelo Médico Perito. Ele é o elemento que fundamenta e demonstra o trabalho pericial. Classicamente, o Laudo Médico Pericial é um documento, ou seja, texto escrito para servir de prova, como definiu Malatesta4.
A chancela a esta Diretriz que agora é apresentada foi possível devido a longa experiência do seu uso, construção feita a partir do conhecimento agregado ao longo do tempo por diversos autores.
4.2. A BUSCA DA EVIDÊNCIA ADVINDA DE AUTORES NACIONAIS E INTERNACIONAIS
No quinto capítulo da 8ª edição do livro de Gisbert Calabuig o seguinte texto resume a visão europeia do Laudo Médico Pericial: “Se designam com este nome todos os textos escritos pelo médico em suas relações com as autoridades, os organismos oficiais, o público e os particulares. Variados em sua forma e finalidade, devem ter como qualidades comuns um estilo claro, simples e conciso, que os torne úteis e compreensíveis para quem os recebe e adequados em sua finalidade.” (Tradução livre).
Para Fávero “Os documentos escritos por médicos podem ser de três espécies diferentes: atestados, relatórios e pareceres. O atestado é a afirmação simples e por escrito de um fato médico e suas consequências. […] O relatório médico-legal é a narração escrita e minuciosa de todas as operações de uma perícia médica, determinada por autoridade policial ou judiciária, a um ou mais profissionais anteriormente nomeados e compromissados na forma das leis. […] Parecer é a resposta a uma consulta feita por interessado a um ou mais médicos, a uma comissão de profissionais ou a uma sociedade científica sobre fatos referentes à questão a ser esclarecida”.
Genival Veloso de França ensina que “o documento é toda anotação escrita que tem a finalidade de reproduzir e representar uma manifestação do pensamento. No campo médico legal da prova, são expressões gráficas, públicas ou privadas. Que têm o caráter representativo de um fato a ser avaliado em juízo”.
4.3. O ATO MÉDICO PERICIAL: PERÍCIA, PERITO E ASSISTENTES TÉCNICOS
O médico perito é o único profissional capacitado e habilitado para realizar as perícias de dano corporal, atendendo ao disposto nos artigos 156 e 465 do CPC9 e a Lei nº 12.842/201310 (Lei do ato médico)
CPC
Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de
conhecimento técnico ou científico.
§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente
habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em
cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de
imediato o prazo para a entrega do laudo.
Lei do Ato Médico9
Art. 2º Parágrafo único. O médico desenvolverá suas ações profissionais no
campo da atenção à saúde para:
I – …
II – …., o diagnóstico …;
Art. 4º, § 1º
§ 1º Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser
humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do
corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes
critérios:
I – agente etiológico reconhecido;
II – grupo identificável de sinais ou sintomas;
III – alterações anatômicas ou psicopatológicas.
Art. 4º São atividades privativas do médico:
X – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
XII – realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os
exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de
biologia molecular; (g. n.)
XIII – atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas;
Art. 5º São privativos de médico:
II – perícia e auditoria médicas; coordenação e supervisão vinculadas, de
forma imediata e direta, às atividades privativas de médico; (g. n.)
Toda perícia para avaliação de danos à saúde envolve elaboração de diagnóstico nosológico, determinação de agentes etiológicos, doenças, sequelas e suas consequências. É dizer que todas as avaliações de danos à saúde é perícia médica e, como tal, é atividade privativa de médico regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina (CRM).
A avaliação médico-pericial é prova técnico-cientifica, ou seja, é ato puramente médico, regido pela doutrina médica, executada segundo a técnica médica e sujeita ao código de ética médica, não podendo, em nenhuma hipótese, ser praticada por profissional não médico, quer seja na função de perito quer na de assistente técnico.
A especialidade médica indicada para a realização de perícia médica é a Medicina Legal e Perícia Médica, tal como estabelecido pelo CFM (Resolução 2380/202411) e descrito na matriz de competências da residência médica da especialidade12.
É facultado aos Médicos Peritos e Médicos Assistentes Técnicos discutirem tecnicamente o caso sob judice.
4.5. NOMENCLATURA
Adota-se a nomenclatura especificada pelo § 2º do Art. 471 do CPC8 (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) laudo é o documento lavrado pelo Médico Perito e o parecer é o documento elaborado pelos Médicos Assistentes Técnicos indicados pelas partes.
4.6. SOBRE O LAUDO, FORMA E CONTEÚDO: A BUSCA DA EVIDÊNCIA E DOS CUIDADOS NA CONSTRUÇÃO DO LAUDO MÉDICO PERICIAL
A forma do laudo pericial deve atender ao marco legal estabelecido pelo artigo 473 do Código de Processo Civil, que determina que o laudo pericial deverá conter:
I. A exposição do objeto da perícia.
II. A análise técnica ou científica realizada pelo perito.
III. A indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser
predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual
se originou.
IV. Resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e
pelo órgão do Ministério Público, quando presentes na demanda.
Cada uma destas etapas pode ser subdividida a critério do médico perito no sentido de que contenha todas as informações necessárias para a formação do convencimento do julgador, sendo indicadas as elencadas no roteiro básico proposto pelo Art. 58 da Resolução do CFM de nº 2056/201313, contendo obrigatoriamente:
● as alegações de cada uma das partes;
● a listagem da documentação médico-pericial disponibilizada nos autos e considerada pertinente pelo perito;
● toda a propedêutica médica considerada necessária à discussão e conclusões (história, complementares); antecedentes, exame clínico e exames
● a discussão do caso à luz da boa literatura técnica;
● as conclusões periciais deverão ser voltadas à satisfação do objeto da perícia, definido pelos pontos controvertidos apresentados pelo julgador ou, na sua ausência, pela interpretação do perito, que delimita a finalidade de sua designação, conforme o Inciso I do Art. 473 do CPC.
Quanto aos pareceres, adota-se como diretriz o disposto no Art. 57 da Resolução CFM 2056/201313: “Os pareceres dos assistentes técnicos terão forma livre, podendo seguir o mesmo modelo adotado pelo perito ou limitar-se a enfatizar ou refutar pontos específicos de seu relatório.”
A fundamentação médico-pericial deve ter como referência os seguintes elementos:
● Documentação médica juntada aos autos.
● Exame clínico realizado e acompanhado pelos assistentes técnicos das partes, quando presentes.
● Informações relativas ao ambiente e condições de trabalho.
● Profissiografia do periciando.
● Estabelecimento ou não do NEXO CAUSAL entre o alegado e a atividade laborativa exercida pelo periciando.
● Avaliação dos vários aspectos do dano corporal.
● Na literatura médica baseada em evidências.
4.7. CUIDADOS NA CONSTRUÇÃO DO LAUDO MÉDICO PERICIAL SOB A ÓTICA DA EVIDÊNCIA
Objetivamente ressaltam-se como pontos fundamentais:
Diagnóstico:
O laudo deve apresentar explicitamente o diagnóstico nosológico, usando a nomenclatura oficial (CID), pelo Médico Perito. Elaborado a partir das análises etiológicas (lato sensu), ou seja, das causas e origens do que está em demanda.
Discussão:
É a etapa onde o Médico Perito deve fazer a análise criteriosa e imparcial de todos os dados disponíveis com a consciência de que não há hierarquia pré-estabelecida entre documentos médicos.
A adequação de cada documento se determina pelo contexto clínico do caso. Documentos sem data, sem identificação do paciente, ilegíveis ou visivelmente adulterados, deverão ser considerados imprestáveis e a decisão de os excluir deve ser apontada no laudo. Tal análise não pode prescindir do estabelecimento da relação lógica e cientificamente demonstrável entre a doença, sua etiologia e suas consequências (dano corporal, laboral, estético e outras repercussões, por ex.).
Avaliação de nexo causal:
O nexo causal entre a doença diagnosticada pelo Médico Perito e o trabalho em análise se faz a partir da etiologia estabelecida pela literatura médica.
Cabe exclusivamente ao Médico Perito definir se são necessárias informações complementares para a conclusão do Laudo Médico Pericial, solicitando ao juízo que determine às partes que providenciem exames complementares, prontuários médicos e outros documentos relacionados à atividade laboral exercida.
Quando o Médico Perito entender que há necessidade de esclarecer as condições em que a atividade laboral era exercida pelo periciando, deve ser solicitado ao juízo para que determine a realização de perícia do posto de trabalho, para avaliar a presença de condições insalubres ou inadequações ergonômicas.
Esta perícia do posto de trabalho deve ser solicitada para atender a um objetivo específico identificado pelo Médico Perito e ser realizada conforme protocolos científicos, e, quando feita pelo médico perito, ser remunerada separadamente. Tal demanda não pode ser contemplada por simples visita ao posto de trabalho, pois esta carece de metodologia científica.
Avaliação de danos:
As consequências da doença diagnosticada com nexo laboral serão avaliadas nos seus aspectos temporários e permanentes.
A avaliação do dano corporal definitivo, ou seja, sua apuração, deve ser feita tendo como parâmetro a Tabela Brasileira para a Apuração do Dano Corporal da ABMLPM.
A resposta aos quesitos deve ser coerente e concisa. É vedado ao perito especular sobre resultados de tratamentos diferentes do realizado, sobre possíveis infrações ético-profissionais e sobre atribuição de responsabilidades.
5. CONCLUSÃO
O Laudo Médico Pericial no âmbito da Justiça do Trabalho deve apresentar em sua conclusão, de forma objetiva, clara e sintética, o diagnóstico, a avaliação do nexo causal, a apuração dos danos e suas repercussões.
Referências bibliográficas
1-
Código de Ética Médica, Resolução CFM Nº22 de 17 de 27/09/2018, acessível
em https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf, último acesso em 03/12/2024
2-
SAMPIERI, Roberto Hernández; COLLADO, Carlos Fernandez; LUCIO, Pilar
Baptista. Metodologia de Pesquisa. Trads. Fátima Conceição Murad, Melissa Kassner,
Sheila Clara Dystyler Ladeira. São Paulo. Editora McGraw Hill. 2006.
3-
4-
ARISTÓTELES. Órganon. Trad. Edson Bini. São Paulo: Editora Edipro, 2005.
MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Lógica das Provas em Matéria
Criminal. Trad. de Alexandrino Augusto Correia. São Paulo: Editora Saraiva, 1960.
5-
PROJETO DIRETRIZES DA ABMLPM, Protocolo para a elaboração de Laudo
Médico Pericial Criminal, acessível em
https://amb.org.br/wp-content/uploads/2024/10/PROJETO-DIRETRIZES-LAUDO-ME
DICO-PERICIAL_criminal.pdf
6-
CALABUIG, Gisbert. Medicina Legal y Toxicologia. 8ª edición. España.
Editora Elsevier. 2024
7-
FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal. 12ª edição. Belo Horizonte. Editora Villa
Rica. 1991.
8-
FRANÇA, Genival. Medicina Legal. 11ª edição. Rio de Janeiro. Editora
Guanabara-Koogan. 2017.
10
9-
10-
11-
Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015
Lei nº 12.842/2013, Lei do Ato Médico.
Resolução CFM nº 2380/2024 acessível em
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2024/2380
12-
Matriz de competências do programa de residência médica em Medicina Legal e
Perícia Médica, acessível em
https://www.gov.br/mec/pt-br/residencia-medica/matrizdecompetencias3/matriz-medici
na-legal-e-pericias-medicas.pdf
13-
Resolução CFM 2056/2013, acessível em
https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2013/2056_2013.pdf,
último acesso em 03-12-2024.
14-
Tabela Brasileira para a Apreciação do Dano Corporal, Associação Brasileira de
Medicina Legal e Perícia Médica, 1ª Edição, Ed. Coerência, São Paulo, 2024







