Relato de Caso
LESÕES PRODUZIDAS POR PROJÉTEIS DE ARMA DE FOGO DE ALTA ENERGIA: UM RELATO DE CASO DA APRESENTAÇÃO NECROSCÓPICA DE LESÃO PÉRFURO-CONTUSA POR IMBEL IA2 556
Como citar: Mendes SDA, Moura MFR, Gazzola LDPL, Amaral LHO, Cardoso GMC. Lesões produzidas por projéteis de arma de fogo de alta energia: um relato de caso da apresentação necroscópica de lesão pérfuro-contusa por IMBEL IA2 556. Persp Med Legal Pericia Med. Vol. 10, 2025; 250305.
https://dx.doi.org/10.47005/250305Aceito em 21/10/2025
O autor informa não haver conflito de interesse.
INJURIES CAUSED BY HIGH-ENERGY FIREARM PROJECTILES: A CASE REPORT OF THE NECROPSY FINDINGS OF A PENETRATING BLUNT FORCE INJURY BY IMBEL IA2 556
Resumo
A balística forense é crucial na investigação de crimes envolvendo armas de fogo, fornecendo detalhes sobre munições, armas e os efeitos dos disparos. O objetivo principal é esclarecer infrações penais e auxiliar nas estratégias policiais. Este trabalho aborda um caso forense de um confronto que resultou em cinco disparos de uma carabina IMBEL IA2 calibre 5,56 mm. A análise das lesões revelou oito ferimentos, cinco de entrada e três de saída de projéteis de arma de fogo, cada um com características distintas. A análise discute que os projéteis de alta energia criam cavidades temporárias maiores e causam danos extensos aos tecidos, com lesões de saída apresentando bordas reviradas para fora e formato irregular, influenciadas pela resistência do corpo, densidade dos meios, fatores de velocidade e calibre do projétil. A balística forense desempenha um papel crucial na reconstrução de incidentes criminais, fornecendo insights sobre a dinâmica do evento, posicionamento do atirador e do alvo, além de corroborar evidências e relatos. Em conclusão, o estudo destaca a importância da balística forense na investigação de crimes envolvendo armas de fogo, contribuindo para o refinamento das técnicas investigativas e adaptando-se continuamente às novas tecnologias e munições para garantir uma justiça fundamentada em evidências científicas sólidas.
Palavras Chave: projétil; balística forense; feridas pérfuro-contusas; lesão.
Abstract
Forensic ballistics is crucial in the investigation of crimes involving firearms, providing details about ammunition, weapons, and the effects of gunfire. The main objective is to clarify criminal offenses and assist in law enforcement strategies. This forensic study details the characteristics of exit wounds caused by high-energy gunshot wounds, exemplified by a real incident involving the tactical use of an IMBEL IA2 carbine, caliber 5.56 mm, by the Military Police of Minas Gerais, Brazil. The forensic report details a case of an armed confrontation resulting in the death of a suspect. The analysis discusses that firearm projectiles cause perforating-contused wounds, with exit wounds showing outwardly everted edges and irregular shape, influenced by the body's resistance. The research highlights that high-energy projectiles tend to transfix the impacted body, causing injuries with everted edges and significant epidermal laceration, characteristics consistent with 5.56 mm caliber firearms.
Keywords (MeSH): projectile; forensic ballistics; penetrating blunt force wounds; injury.
1. INTRODUÇÃO
A balística forense é aplicada à criminalística para estudo das armas de fogo, munições e efeitos de disparos por ela produzidos (1). O intuito dessa análise minuciosa é esclarecer e provar a ocorrência de infrações penais e elucidar abordagens policiais. Os efeitos de disparo são significativos de análise e próprios para cada velocidade e peso do projétil. A lesão tissular depende da energia desprendida do projétil e transferida ao corpo durante o impacto. Neste relato será abordado características típicas de lesões produzidas por artefatos de alta energia através de uma análise de um caso verídico de enfrentamento policial, com uso tático de uma carabina IMBEL IA2, calibre 556 mm, com número de série JFA 00357 da carga da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
2. MATERIAL E MÉTODO
O trabalho trata-se de estudo retrospectivo. Os dados e informações utilizados para elaboração do trabalho estão apensos e foram consultados no sistema PCNET – software da Polícia Judiciária Mineira – administrado pela PRODEMGE.
3. DESCRIÇÃO
Trata-se de corpo masculino, que deu entrada em Posto Médico Legal no estado de Minas Gerais. Histórico de roubo à mão armada de veículo automobilístico que, após longa perseguição, findou em cinco disparos de carabina IMBEL IA2 556 mm efetuados por servidor da Polícia Militar de Minas Gerais. Dos disparos desferidos pelos profissionais da Segurança Pública, 5 atingiram o periciado.
O periciado apresentava no total oito lesões pérfuro-contusas, cinco das quais caracterizam lesões sugestivas de tratarem-se de orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo, uma vez ue se apresentam com halo de contusão e enxugo, e bordas invertidas. Medindo um centímetro de diâmetro, duas são localizadas em região lombar esquerda, uma à direita, uma em face posterior do terço medial da coxa esquerda e uma em região peitoral esquerda.
As outras três lesões apresentavam bordas evertidas, com grandes halos equimóticos, irregulares, medindo um centímetro de diâmetro médio e com exteriorização de vísceras abdominais. Estas eram sugestivas de tratarem-se de orifícios de saída de projetis de arma de fogo, duas localizadas em flanco direito e uma em flanco esquerdo.
Não foram encontrados os dois projéteis de arma de fogo que não tiveram orifício de saída. Uma limitação técnica decorrente da ausência de exame de imagem (radiografia) contribuiu para esse desfecho. Haja vista a possibilidade de introdução do projétil em cavidades naturais ou no interior de grandes vasos, o exame radiológico é um seria uma facilitador para esclarecer a trajetória destes projéteis.

Figura 1: Esquema de lesões (“mapa de tiro”) com representação da lesão e sua respectiva localização.
4. DISCUSSÃO
Projéteis de arma de fogo produzem feridas pérfuro-contusas, por um mecanismo de ação que perfura e contunde ao mesmo tempo. O trajeto de projéteis de alta energia difere dos comuns pela maior potência das ondas de pressão produzidas pelo rompimento dos tecidos e transmissão de energia para as paredes, que formam túneis pelo deslocamento de massas por essas ondas dispersas em direção radial e sentido centrífugo. Em casos de projéteis de alta velocidade, o fluxo de energia simula o efeito de uma explosão do projétil dentro do corpo. (4) O resultado do alargamento da cavidade produzida por efeito de ondas de pressão é o fenômeno da cavitação, que é tanto maior quanto maior o fluxo de energia. Importante salientar que, esse fenômeno não é exclusivo de projéteis de alta potência, mas também ocorre em qualquer projétil dependendo da energia de transferência da energia aos tecidos. Projéteis deformáveis que transferem sua energia de maneira rápida aos tecidos são capazes de ampliar o dano à medida que constroem cavidades permanentes significativas, mesmo sem penetrarem em grande velocidade.
A forma e volume da cavidade temporária depende do fluxo de energia cinética transferida para os tecidos, conforme já exposto. Aqueles projéteis pontiagudos e revestidos por ligas duras de cobre, percorrem trajetórias alinhadas. O primeiro intervalo do percurso, chamado colo, apresenta-se com pouca transferência de energia e com a cavidade temporária pouco nítida. O colo produzido por projéteis de 7,62mm são mais longos do que os produzidos por projéteis de 5,56mm, devido a mais estabilidade do primeiro.
Em seguida o projétil começa a tombar, gerando mais superfície de contato com os tecidos adjacentes, e transferindo maiores quantidades de energia. É nesse momento que o fenômeno da cavitação inicia sua expansão de volume, atingindo seu diâmetro máximo quando o projétil assume posição perpendicular ao trajeto.

A relação entre volume da cavidade temporária e dano aos tecidos não é diretamente proporcional. O efeito final sobre os tecidos depende da capacidade elástica de cada órgão, tecidos como os do pulmão absorvem bem a energia sem grandes roturas. O contrário acontece com o fígado e os rins, que são facilmente lacerados. (4)
A dilatação da cavidade temporária depende, também, da fragmentação do projétil, sendo que os de calibre 5,56mm podem fragmentar ao atravessar partes moles. Estudos demonstram que a depender do tipo de ponta, deformável ou não, pode-se obter cavidades de volumes diferentes, sendo maiores aqueles produzidos por projéteis com ponta deformável. (4)
As lesões por esse tipo de projétil são vistas à macroscopia apenas quando a velocidade do projétil é superior a 304 m/s, apresentando principalmente infiltração hemorrágica dos tecidos adjacentes ao trajeto, causada pela rotura de vasos de pequeno calibre. Dependendo da cavidade temporária e do órgão atingido, a lesão pode ser devastadora.
A lesão de saída produzida por projéteis de arma de fogo apresenta características próprias e diferentes daquelas observadas em lesões de entrada. A lesão de saída apresenta forma irregular, bordas reviradas para fora, sangramento abundante e ausência de orla de escoriação ou halo de enxugo (3).
A deformação pela qual o projétil passa pela resistência produzida pelos diversos planos encontrados ao atravessar o corpo, é responsável pela forma irregular e maior diâmetro do orifício de saída. As bordas evertidas ocorrem pelo próprio sentido de processamento do projétil, de dentro para fora. Uma vez que, as impurezas do projétil ficam retidas através de sua passagem pelo corpo, não apresentaram halo de enxugo. Além disso, não apresentam, orla de escoriação, a não ser que o corpo esteja encostado em um anteparo, gerando resistência de saída ao projétil, essa condição formaria o sinal de Romanesi (3), (1).
Algumas alterações são próprias das lesões produzidas por projéteis de alta energia. Os ferimentos de saída causadores desse tipo de energia, na maioria das vezes, têm forma irregular, de rasgos (4). O estudo de balística de alta energia demonstra que a alta velocidade altera o coeficiente balístico, além de introduzir outras variáveis de elementos estabilizadores ao estudo. A penetrabilidade do projétil, alterações no arrasto, força que tende a resistir ao deslocamento do projétil, fatores de velocidade, calibre e densidade dos meios são grandes influenciadores na deformidade característica deste tipo de lesão (1).
A tendência dos projéteis de fuzil é transfixar o segmento atingido do corpo, exceto se fragmentar ao chocarem com algum osso ou espontaneamente, como é comum ocorrer com as armas de 5,56mm. Os projéteis sofrem desvios de eixo e de trajetória, o que amplia o diâmetro da lesão de saída. Caso eles mantivessem sua estabilidade ao longo do trajeto, os orifícios de saída produziram diâmetros menores (1).
As lesões de saída encontradas no estudo cadavérico apresentam bordas evertidas, com laceração epidérmica significativa, com grandes halos equimóticos, irregulares e com exteriorização de vísceras abdominais. Essas lesões apresentam resultados condizentes com o fenômeno de cavitação, que correspondem as lesões causadas pela alta energia envolvida no trauma. Já as lesões de entrada, apresentam halo de contusão e enxugo, bordas invertidas, sem zona de tatuagem ou zona de esfumaçamento, indicando distanciamento significativo entre o disparo e o alvo (cadáver). A ausência de orifícios de saída de dois projéteis, ilustra a fragmentação, comum em projéteis de alta energia. Diante o exposto, a análise balística permite reconstruir a dinâmica do evento, determinar a posição relativa entre atirador e vítima, e auxiliar na confirmação ou refutação de versões apresentadas em investigação criminal.
5. CONCLUSÃO
A balística forense desempenha um papel fundamental na reconstrução de eventos criminais envolvendo armas de fogo, como evidenciado no estudo detalhado das lesões causadas por uma carabina IMBEL IA2 em um confronto policial. A análise minuciosa das características das lesões de entrada e saída de projéteis proporciona insights cruciais para determinar a dinâmica de um incidente, a reconstituição da cena, a provável posição do atirador e do atingido, além de ajudar a corroborar relatos e evidências forenses.
O caso estudado ilustra como os projéteis de alta energia podem produzir lesões distintas, com orifícios de saída apresentando bordas evertidas e outras características próprias que diferenciam das lesões de entrada. A deformação e o comportamento dos projéteis ao atravessar o corpo são influenciados por fatores como velocidade, calibre e resistência encontrada durante o trajeto, todos essenciais para a interpretação forense.
Portanto, a aplicação da balística forense não apenas contribui para a elucidação de crimes, mas também para o refinamento das técnicas investigativas e estratégias policiais. A contínua evolução desta disciplina é fundamental para acompanhar o avanço tecnológico das armas de fogo e suas respectivas munições, garantindo uma justiça mais precisa e fundamentada em evidências científicas robustas.
AGRADECIMENTOS
Cumprimentamos a Polícia Civil de Minas Gerais e externamos nossos agradecimentos mediante a possibilidade de produzir conhecimento técnico científico com a apresentação deste trabalho. Deixamos, também, nossas homenagens à Superintendência de Polícia Técnico Científica da PCMG pela cooperação prestada à este projeto.
Referências bibliográficas
1.Oliveira GU. Uso da balística forense na elucidação de crimes. Acta Cienc Saude. 2016;2(5):182-98.
2.Ministério da Saúde (BR). Declaração de óbito: manual de instruções para preenchimento. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; [citado em 1 jul. 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigilancia/declaracao-de-obito-manual-de-instrucoes-para-preenchimento.pdf.
3.Veloso De França G. Fundamentos de medicina legal. Rio De Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
4.Hercules HD. Medicina legal: texto e atlas. São Paulo: Atheneu; 2011.







