Os autores informam que não há conflito de interesse.
Introdução: O anestesiologista desempenha um papel fundamental dentro do ambiente hospitalar. Sua responsabilidade tem início na avaliação pré-operatória do paciente e persiste na escolha da técnica anestésica adequada, na administração da anestesia, no monitoramento intra-operatório das funções vitais, na gestão da dor, na manutenção das vias aéreas e na recuperação pós-anestésica. O anestesiologista assiste o paciente no seu período de inconsciência e fragilidade, devendo, portanto, agir com responsabilidade e em consonância com os preceitos éticos de beneficência, não-maleficência, sigilo das informações e autonomia. A responsabilidade civil do anesiologista nasce em razão da obrigação reparatória pecuniária onde são aplicadas medidas que o obrigam a reparar o dano causado a seu paciente em consequência de seus atos, de pessoa por quem ele responde ou ainda de simples imposição legal.
Objetivo: Avaliar as condenações do Tribunal de Justiça de São Paulo e suas causas, relacionadas às condutas dos anestesiologistas. Método: Foi realizada uma pesquisa no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, no ícone de consultas de jurisprudências, para buscar acórdãos dentro dos últimos cinco anos, utilizando os termos anestesiologista, «erro médico», responsabilidade civil do anestesiologista, «lesão iatrogênica do anestesiologista», danos em cirurgias, anestesista. A identificação dos apelantes e apelados foram mantidos em sigilo.
Resultados e Discussão: Nas jurisprudências do TJSP, referente aos anos de 2019 a 2023, encontramos 95 acórdãos, sendo a maioria apelação. Todos os casos contabilizados envolviam a discussão da culpa, do nexo de causalidade e do dano derivados da conduta do anestesiologista. Das 95 ações processuais, em 22 acórdãos os anestesiologistas foram condenados à reparação do dano ocasionado por negligência ou imprudência (23,16%) e em 73 acórdãos os mesmos não foram condenados (76,84%), apesar de, a perícia ter identificado o nexo de causalidade, não se vislumbrou conduta culposa por parte do anestesiologista, tampouco o emprego de uma técnica inadequada. Dentro os 22 acórdãos condenatórios (23,16%) tivemos: 2 (2,11%) condenações por falha na assistência durante a cirurgia (faltou oxigênio durante 20 minutos e culminou em sequelas neurológicas e óbito); 1 (1,05%) condenação por negligência no cuidado pós cirúrgico; 1 (1,05%) condenação pela realização de intubação com contraindicação absoluta conhecida; 5 (5,27%) condenações pela falta de consulta pré operatória para conhecer as comorbidades do paciente; 1 (1,05%) condenação por negligência por não ter prescrito insulina provocando a instauração do quadro de cetoacidose diabética; 1 (1,05%) condenação em danos morais devido a ferimentos que a paciente teve na face ao cair da maca quando acordava da anestesia; 1 (1,05%) condenação por prescrever medicação para hipotensão sem examinar a paciente (progressão para o broncoespasmo grave e irreversibilidade do quadro); 3 (3,16%) condenações solidárias com o cirurgião pelo esquecimento de gaze cirúrgica no interior do corpo da paciente (responsabilidade da contagem do material cirúrgico é da equipe multiprofissional); 1 (1,05%) condenação por escolha errada do tipo de anestesia; 1 (1,05%) condenação pela ausência de adoção de medidas recomendadas ao caso (não indicou a droga que havia sido prescrita pelo hematologista (transamin)); 2 (2,11%) condenações porque não acompanhava a cirurgia no momento da intercorrência anestésica; 3 (3,16%) condenações por ausência de monitorização adequada no intra operatório (demora na reanimação). A totalidade das condenações ocorrerram pela não observância de diversas Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM). A Resolução 2.174/2017 dispõe sobre a prática do ato anestésico e preconiza a importância da consulta pré-anestésica do paciente para conhecer comorbidades e solicitar exames. Ainda, o anestesiologista, deve permanecer dentro da sala do procedimento em tempo integral, mantendo vigilância permanente no equipamento, no paciente e nos atos cirúrgicos praticados, do início ao fim, inclusive na sala de recuperação. A referida Resolução também preconiza a responsabilidade do anestesiologista pela vigilância do equipamento de monitorização, pelos instrumentais, fármacos e materiais obrigatórios na execução de qualquer anestesia. A Resolução CFM nº 1.886/2008 menciona o funcionamento de consultórios e centros cirúrgicos para os procedimentos de curta permanência e institui parâmetros para liberação do paciente: deve estar orientado no tempo e no espaço, com sinais vitais estáveis há pelo menos 60 minutos, sem náuseas e vômitos, respirando sem dificuldades, hábil para a ingestão de líquidos, capaz para a locomoção como antes da cirurgia, sem sangramento ou mínimo, sem dor importante e sem retenção urinária. A Resolução CFM 1.720/2004 traz critérios para realização de desbridamentos e curativos em pacientes queimados que deve ocorrer sob anestesia geral ou sedação sendo imprescindível a obrigatória a presença do anestesiologista. A Resolução CFM 1.711/2003 estabelece parâmetros de segurança para as cirurgias de lipoaspiração, sendo o anestesiologista dispensável apenas nas cirurgias de pequeno porte cuja execução seja realizada sob anestesia local sem sedação endovenosa. Pelo exposto, evidencia-se um montante de orientações que devem ser seguidas pelo médico anestesiologista. Desta forma, toda vez que o referido não observa as regras técnicas de sua profissão causando dano a outrem ele deve se responsabilizar pelo prejuízo. Esse foi o entendimento majoritário da jurisprudência do TJSP. A responsabilidade civil do anestesiologista é de meio e não de resultado, e assim, quando envolve um erro, mesmo que de forma culposa pressupõe-se que esse profissional teve uma conduta inadequada com potencial para produzir o dano à vida e a saúde de outrem, mediante negligência, imperícia ou imprudência. A saúde e a vida humana têm valor jurídico, ético e social, motivo pelo qual o anestesiologista deve seguir com maestria as regras que visam preservar a dignidade humana.
Conclusão: No TJSP, nos cinco anos analisados (2019 a 2023), encontramos 95 acórdãos referentes ao anestesiologista, envolvendo culpa, nexo de causalidade e dano. Dentre estes, em 22 acórdãos os anesiologistas foram condenados à reparação do dano ocasionado por negligência ou imprudência (23,16%). As principais Resoluções do CFM direcionadas aos anestesiologistas, em vigência, são: CFM 2.174/2017, CFM 1.886/2008, CFM 1.720/2004, CFM 1.711/2003. Todas as normas vigentes no Brasil, explicitamente, esclarecem os deveres que o anestesiologista devem tomar em relação ao atendimento do paciente, ao medicamento utilizado nas anestesias, ao uso correto dos equipamentos de monitorização, aos exames que devem ser solicitados, entre outros. O anestesiologista tem o dever de identificar riscos inerentes ao paciente e correlacioná-los com procedimentos que visem minimizar o risco do dano à sua saúde. No que lhe concerne, por outro lado, a ausência da responsabilidade se relaciona a ausência de dolo em sua conduta. A culpa aqui analisada é aquela sem intenção de causar o dano, ou seja, sem dolo. O presente trabalho contempla um tema de grande importância no cenário médico atual, considerando o aumento considerável de processos judiciais que compreendem o assunto.
Descritores: Anestesiologista, Responsabilidade Civil, Lesão Iatrogênica, Erro Médico.
Referencias bibliográficas
- SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do, acessado em 02.07.2024.
- CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.174, de 22 de fevereiro de 2028. Dispõe sobre a prática do ato anestésico e revoga a Resolução CFM nº 1.802/2006. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2174
- CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.720 de 18 de maio de 2004. Estabelece os critérios para a realização de debridamentos e curativos cirúrgicos, sob anestesia geral ou sedação, em pacientes queimados. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2004/1720
- CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.711, de 12 de janeiro de 2004. Estabelece parâmetros de segurança que devem ser observados nas cirurgias de lipoaspiração, visando garantir ao paciente o direito de decisão pós – informada e aos médicos, os limites e critérios de execução. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2003/1711.